Domingo à noite vi uns trechos do ator e diretor Marcius Melhem dando sua versão a Roberto Cabrini, na Record (veja aqui).
Ele me lembrou Robinho: segundo eles, seu erro não foi estuprar coletivamente uma mulher inconsciente (caso de Robinho) ou assediar moral e sexualmente várias atrizes (Melhem), mas trair a esposa.
Acontece que adultério não é crime. Estupro e assédio, são.
A professora Luciana Boiteux lembrou que o deputado estadual Fernando Cury, que apalpou os seios da deputada Isa Penna em plena Assembleia Legislativa de SP, também fez uso desse expediente tão comum -- em vez de reconhecer que cometeram um crime, fala da esposa, de como ela deve estar se sentindo diante da acusação. Só que ninguém fora eles está falando das esposas (ex-esposa, no caso de Melhem). Estamos falando das vítimas. E dos agressores.
Ao adotarem esse discurso, estão divulgando uma narrativa antiga e machista: a de que existem mulheres pra casar, essas sim dignas de respeito e pedidos de desculpa, e mulheres só pra uma noite -- a humorista famosa ("quem mandou ser gostosa?"), a jovem albanesa que bebeu demais numa boate italiana, a deputada que dança funk. Como elas não são santas (santas só as esposas dos assediadores e estuprador), é como se merecessem tudo que acontece com elas. E segue a cultura do estupro, que vive de culpar as vítimas.
Reproduzo aqui um texto que Lorena Portela publicou na sua página no Facebook na semana retrasada, e que viralizou na internet.
Vi uma entrevista do Marcius Melhem no Universa sobre o caso de assédio contra Dani Calabresa.
Particularmente, acredito mesmo que ele é um bom chefe para muitos. que é considerado um homem generoso, que é um bom amigo também, alguém que as pessoas queiram ter por perto.
Muita gente não gostou de ouvi-lo falando isso. Eu achei importantíssimo por um motivo: porque a fala dele reforça a verdade dolorosa que nós, mulheres, estamos tentando convencer a sociedade há tempos: a de que um agressor, assediador e/ou estuprador não é necessariamente um “monstro”, uma caricatura.
Ao contrário, agressores, assediadores e estupradores são homens que estão entre nós: nossos chefes legais, nossos pais amorosos, os amigos que respeitamos. figuras acima de qualquer suspeita.
Entendam isso de uma vez por todas.
8 comentários:
Mulheres compreendam.ou em 2022 elegemos uma bancada feminina progressista ou estamos ferradas os conservadores querem nos levar para cozinha daqui a pouco seremos obrigadas a casar com nossos agressores
Bom post! Os acusados também tem sérias dificuldades de assumirem ou confessarem seus erros. Uma exceção acho que foi o José Mayer.
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2020/12/herdeiro-das-casas-bahia-e-acusado-de-estupro-e-aliciamento-por-14-mulheres.shtml
Lola, essa semana acompanhei no tt que tinha uns dias com uma enxurrada de hashtags "dia22VaiSerGigante", especialmente em perfis ext direita apoiadores do bozo. Maioria robobozos, pelo que vi, pois as manifestações tão grandes alardeadas por dias deram algumas dezenas de pessoas aglomerando em algumas capitais (bom que assim já pegam covid juntas, se dermos sorte). Não sei se vc escreveu sobre, mas como hj vi que foi um tremendo fracasso, estou feliz hahaha! Na hashtag só tinha gente do bem antivax e com bandeirinhas dos eua no perfil. hehe
Deflação é uma velha tática muito usada quando se quer esconder fatos e ocultar a verdade. Assisti a entrevista da Record com esse assediador, e apesar do que ele falou ter sido razoavelmente bem planejado e preparado, ele não conseguiu atuar tão bem assim e deixou passar muitos deslizes, incluindo falas e expressões que mostram que ele mentiu muito. Só "acredita" nesse homem quem já queria acreditar.
Hoje eu vi uma pessoa sugerindo que "antivax" é um termo neutro demais, e que até mesmo pode soar de forma positiva, porque dá uma ideia de movimentação reativa. A proposta da pessoa é que a gente chame essas pessoas de "zé rubéola", "zé varíola", "zé tifóide", "pé na cova", "gangue do caixão" "turma do caixãozinho branco". São muitas opções...
E eu amei.
Imagino que um monte de gente "de bem" não quer admitir que estupro é tudo que se faz contra a vontade da vítima (e não só um desconhecido atacando uma mulher "direita" num beco escuro com uma faca) pra não ter que admitir que já cometeu estupro (forçou a colega de faculdade desmaiada de bêbada na festa) ou que já foi vítima dele, cometido por alguém que a vítima confiava ou amava (marido forçando a barra, namorado "errando o buraco", etc.). Ou, pior ainda, não querem admitir porque querem continuar estuprando e tendo licença social pra isso. Esses merecem a morte.
17:23 amei essa. Realmente, "antivax" é neutro e soa respeitável demais. Eu sugiro acrescentarmos "zé covid" ou "mata-criança" à lista.
Youtube, filho saudável do patriarcado:
https://marceloauler.com.br/youtube-pressionado-suspende-censura-ao-papo-de-mae/
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