Anteontem, num ato de grande irresponsabilidade, fui ao cinema. Digo que é irresponsabilidade porque esta semana darei um minicurso, uma palestra, e participarei de outra apresentação. E eu tinha bem pouca coisa preparada. Mas foi assim: recebi meu salário (ainda errado; é uma longa história, mas continuo recebendo como mestre, não como doutora. Espero que isso seja corrigido até julho), e senti que ando trabalhando feito um burro de carga (aqui tem uns de verdade, tadinhos) e sem me recompensar. Então falei pro maridão: “Muito trabalho e pouca diversão fazem da Lolinha uma bobinha”, parodiando o Jack Nicholson em Iluminado, e você sabe que aquilo não acaba bem. Logo, exigi comprar um bolinho de chocolate que eu vinha paquerando no supermercado (R$ 16, não é caro, né? E é até bom), e implorei: “Vamos ao cinema? Agora!”. O maridão ficou todo feliz, crente que iríamos ver Homem de Ferro 2, mas que nada: pegamos A Estrada (ainda veremos Homem de Ferro, e até Alice, mesmo que dublado. Não estou acostumada a pagar pra entrar no cinema. Em Joinville eu tinha um cartãozinho mágico).
Ô enrolação pra falar de A Estrada! Pois é, por que logo esse filme? Bom, porque li o romance do Cormac McCarthy (o mesmo de Onde os Fracos Não Têm Vez) em 2008, enquanto eu tava nos EUA. Porque eu adoro histórias apocalípticas, do tipo “se o mundo acabar, isso quer dizer que não precisarei entregar minha tese/artigo/projeto (ou seja lá o quê eu estiver demorando pra fazer no momento)?”. E terceiro porque virei grande fã do Viggo Mortensen desde Marcas da Violência, o que se concretizou com Senhores do Crime (e não só por causa do nu frontal, que eu já vi pênis antes).
Como não anotei nada na ocasião, lembro muito pouco do romance do Cormac. Sei que gostei, mas não tanto pra ser inesquecível. E não tenho certeza se admiro tanto o estilo literário dele, um tanto seco. Chega uma hora em que a gente torce pra alguma explicação pro que causou a total destruição da Terra, e o Cormac não entrega nada. Mas sinto que, forçando a memória e olhando pra trás, o livro padece do mesmo mal do filme: uma vez que você se acostuma com a premissa assustadora (e bastante realista) de que, se houver escassez de alimentos, os homens virão a comer (literalmente) mulheres e crianças, o que sobra? O que pode ser mais chocante que isso?
É bem este o cenário apocalíptico imaginado por Cormac e reproduzido pela adaptação pras telas. O mundo acabou (não se sabe porquê, alguma catástrofe natural), não há mais comida, as árvores caíram, todos os animais morreram (boa notícia: inclusive os insetos!), e os poucos humanos sobreviventes viraram nômades, procurando o que comer de lugar em lugar. Num piscar de olhos, a história sugere, praticamente todas as crianças e mulheres são assassinadas (provavelmente estupradas antes) para que os mais fortes tenham o que comer. Bandos de homens armados, a la Mad Max, andam sem rumo, em busca de alimento e combustível. Mas a gente só acompanha um deles, o Viggo (que não tem nome no filme ou no livro), e seu filho, gente boa, que jamais comeria um ser vivo (difícil não ver uma trama dessas como uma defesa do vegetarianismo).
O menininho, como tantos garotos em filmes americanos, é às vezes meio sacal – demasiadamente bonzinho e cheio de princípios, um pouco mimado, e responsável por colocar a vida do protagonista em perigo em inúmeras ocasiões (eu ia dizer “atrasar o protagonista”, mas qual é a pressa? E, lógico, se não fosse o guri seu pai nem teria motivo pra viver). A insistência no “temos um revólver com uma só bala e ela tá reservada pra você, meu filho” me fez pensar o tempo todo noutro filme de fim de mundo, o incrivelmente superior O Nevoeiro (também, foi uma das melhores coisas de 2007, e, pra mim, o melhor filme de terror da década). Há um terceiro personagem que recebe destaque, que é a mãe. Mas só em flashbacks, porque ela já não está mais entre nós no tempo da ação. No livro, os flashbacks são raros. No filme, como a mãe é feita pela Charlize Theron, a figura foi ampliada. Há, inclusive, uma cena no mínimo estranha: Viggo tem um sonho erótico com a esposa, e é acordado pelo seu filho gritando “Não toque no que é meu!”. Freud explica? Claro que nada tão estranho como um merchandising da Coca-Cola que simplesmente não deveria estar lá.
O mais marcante mesmo, tanto no romance quanto no filme, é o que ele me ensinou a meu respeito. Lamento decepcioná-l@, mas não é algo edificante do tipo “o que me faz humana?” (essa é fácil: chocolate). Tá mais pro seguinte: se o mundo acabar, e eu estiver vagando por aí morrendo de fome (acredito que não vão me canibalizar porque estarão preocupados com o colesterol), e eu encontrar uma despensa escondida cheia de comida (nessa parte pensei no ótimo Ensaio sobre a Cegueira), sabe quando eu sairia de lá? Nunca.
Como não anotei nada na ocasião, lembro muito pouco do romance do Cormac. Sei que gostei, mas não tanto pra ser inesquecível. E não tenho certeza se admiro tanto o estilo literário dele, um tanto seco. Chega uma hora em que a gente torce pra alguma explicação pro que causou a total destruição da Terra, e o Cormac não entrega nada. Mas sinto que, forçando a memória e olhando pra trás, o livro padece do mesmo mal do filme: uma vez que você se acostuma com a premissa assustadora (e bastante realista) de que, se houver escassez de alimentos, os homens virão a comer (literalmente) mulheres e crianças, o que sobra? O que pode ser mais chocante que isso?
É bem este o cenário apocalíptico imaginado por Cormac e reproduzido pela adaptação pras telas. O mundo acabou (não se sabe porquê, alguma catástrofe natural), não há mais comida, as árvores caíram, todos os animais morreram (boa notícia: inclusive os insetos!), e os poucos humanos sobreviventes viraram nômades, procurando o que comer de lugar em lugar. Num piscar de olhos, a história sugere, praticamente todas as crianças e mulheres são assassinadas (provavelmente estupradas antes) para que os mais fortes tenham o que comer. Bandos de homens armados, a la Mad Max, andam sem rumo, em busca de alimento e combustível. Mas a gente só acompanha um deles, o Viggo (que não tem nome no filme ou no livro), e seu filho, gente boa, que jamais comeria um ser vivo (difícil não ver uma trama dessas como uma defesa do vegetarianismo).
O menininho, como tantos garotos em filmes americanos, é às vezes meio sacal – demasiadamente bonzinho e cheio de princípios, um pouco mimado, e responsável por colocar a vida do protagonista em perigo em inúmeras ocasiões (eu ia dizer “atrasar o protagonista”, mas qual é a pressa? E, lógico, se não fosse o guri seu pai nem teria motivo pra viver). A insistência no “temos um revólver com uma só bala e ela tá reservada pra você, meu filho” me fez pensar o tempo todo noutro filme de fim de mundo, o incrivelmente superior O Nevoeiro (também, foi uma das melhores coisas de 2007, e, pra mim, o melhor filme de terror da década). Há um terceiro personagem que recebe destaque, que é a mãe. Mas só em flashbacks, porque ela já não está mais entre nós no tempo da ação. No livro, os flashbacks são raros. No filme, como a mãe é feita pela Charlize Theron, a figura foi ampliada. Há, inclusive, uma cena no mínimo estranha: Viggo tem um sonho erótico com a esposa, e é acordado pelo seu filho gritando “Não toque no que é meu!”. Freud explica? Claro que nada tão estranho como um merchandising da Coca-Cola que simplesmente não deveria estar lá.
O mais marcante mesmo, tanto no romance quanto no filme, é o que ele me ensinou a meu respeito. Lamento decepcioná-l@, mas não é algo edificante do tipo “o que me faz humana?” (essa é fácil: chocolate). Tá mais pro seguinte: se o mundo acabar, e eu estiver vagando por aí morrendo de fome (acredito que não vão me canibalizar porque estarão preocupados com o colesterol), e eu encontrar uma despensa escondida cheia de comida (nessa parte pensei no ótimo Ensaio sobre a Cegueira), sabe quando eu sairia de lá? Nunca.
15 comentários:
Lola,
Fica de olho, com projeto de pesquisa aprovado você precisa dar 120 horas por semestre (duas disciplinas). Se bobear, atocham você em sala de aula. Eu não tenho nenhum problema em assumir várias turmas, mas acontece que para a progressão na carreira temos que ter trocentos mil artigos publicados e pesquisa realizada. Ou seja, quem fica com uma carga grande na graduação não consegue depois a progressão. Eu também sou nova na Universidade, mas tenho a impressão que tudo é meio esquizofrênico.
Beijocas,
Por um momento pensei que fosse Daniel Day Lewis...
Oi Lola, nunca mais comentei, mas sempre leio tudo! Então, também assisti, fui pela classificação "suspense", mas achei um drama bem triste, e gostei.
Sinceramente não sei o que faria num mundo desses do filme.
Eu não gosto de filme assim, acho tudo meio absurdo, não acredito que a humanidade chegaria a tanta idiotice.
Mas, fiquei com uma dúvida: os caras matam todas as mulheres??? Não deixam nem umazinhas para servir de reprodutoras?
Se for isso, melhor morrer logo, porque além de tragico o mundo tá cheio de gente burra e eu detesto gente burra.
Ou seja, se acontecer, eu me ofereço para ser comida logo no começo kkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Nem sabia que este filme tava passando!
(Se bem que, ontem, presa no trânsito na frente do Pátio Brasil li a lista de filmes que estavam sendo exibidos e li o título 'A Estrada' e até achei estranho e pensei que tava ficando mais míope do que já sou. 3º e meio num olho e quase 4º graus no outro.)
Não é absurdo imaginar os extremos que o ser humano chegaria numa situação limite. É só lembrar do filme 'ensaio sobre a cegueira". Virariamos boçais, não daríamos atenção para assuntos filosóficos ou qualquer outra coisa que não esteja intimamente relacionado com a sobrvivencia imediata.
Não vi o filme mas fiquei curiosa, como sempre fico com as críticas da lola: as melhores da blogosfera!
Off topic
Lola tem um blog legal com bons/ótimos livros e filmes pra baixar
http://circulobrasileirodesociologia.blogspot.com/
É de sociologia mas tem alguns sobre análise de discurso, filosofia, literatura e coisas do tipo
lola, essa parte que vc falou do chocolate me lembrou zumbilandia, que o carinha faz de tudo apenas para conseguir um bolinho de chocolate, é genial :P, um dos melhores filmes de comedia do ano passado, recomendo ^^
adoro filmes pos-apocalipticos, preciso ver urgentemente esse "a estrada" antes q saia de cartaz
achei o nevoeiro genial tb, mo estudo foda sobre sociologia, eu inclusive já escrevi sobre ele no meu blog, da uma lida lola p ve se gosta ^^: http://rebecaneiva.blogspot.com/2009/09/o-nevoeiro.html
Eu adorei esse filme Lola, mas concordo com seu último comentário. Viggo merecia ter sido indicado ao Oscar. Até hoje não entendo Morgan Freeman e Jeremy Renner nela... Trocarias os dois fácil por Viggo e Hugh Dancy por Adam, que vc devia ver.
Lolinha "Não vale a pena discutir “Rambo 4” com o pessoal que adora o Stalla e vai ver qualquer filme com montes de explosões. Esses homens, se sabem ler, certamente não lêem o meu blog"??? Bom, depois de muito tempo resolvi voltar a escrever aqui, mas como sempre te parabenizo por seu blog ser um blog de muitos assuntos interessantes e que eu particulamente aproveito para pegar uma segunda opinião sobre filmes e outras ideias...
Lola, a parte do refrigerante esta no livro, também. Mas para além do apocalipse, a estória é mais sobre a relação pai/filho. Por isso a ausência da esposa.
Lembre-se que no livro do SK, O Nevoeiro termina de forma diferente...
Prefiro ler a Pre-Historia e a Arqueologia,,,,
Olha Lolinha hahaha eu sei que vc mataria até a criança do filme se ela passasse na sua frente com um chocolate e vc já há anos sem nem sentir o cheiro de um. :D
Assisti esse filme esses dias e achei muito FODA, ainda mais depois de ter assistido o filme do Jatobá Bionico a.k.a O Livro de Eli, que é muito RUIM. Mesma temática e tal, filme bem triste e concordo com quem falou aí da indicação ao Viggo, o Aragorn trabalha bem pa caralho, até o guri se destaca e não tenho do que reclamar das aparições da Charlize hahaha quanto mais melhor...
Bjo do seu melhor fã
Lolinha, vc já assistiu Aconteceu em Woodstock?
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