segunda-feira, 28 de novembro de 2005

CRÍTICA: MARCAS DA VIOLÊNCIA / Violência que marca

Tá certo que não tive a mesma reação ao ver “Marcas da Violência” que uma espectadora atrás de mim. Assim que o filme terminou, ela riu e comentou com a amiga: “Palha! Não falei que a gente devia ter ido ver ‘O Galinho Chicken Little’?” Mas confesso que fiquei um pouquinho decepcionada. Esperava mais desta obra que vem sendo saudada pela crítica dos EUA como a melhor do David Cronenberg. Devo ter perdido alguma coisa. A profundidade do filme, por exemplo.

Antes de continuar, sugiro que você só leia este texto após ver “Marcas”. Faça como eu, que não sabia nem que o William Hurt ia aparecer na tela. Pois então, se você seguiu meu conselho, não preciso resumir a trama: um dono de uma lanchonete no meio do nada impede um assalto e mata os bandidos. A partir daí, a vida da sua família vai mudar pra pior. Mas que diacho o Cronenberg tá querendo dizer? Que todo herói americano tem um histórico de violência por trás da fachada de bom moço? Que violência só gera mais violência? Que a sociedade americana é bélica? Que a tese da legítima defesa é, como direi, legítima? Que todo mundo merece uma segunda chance? Ou que segunda chance não existe? Eu e o maridão tivemos vários papos-cabeça, ou ao menos mais cabeça que os da espectadora Chicken Little. Assim: violência tem prazo de validade? Depois de um tempo um ato de violência expira? Esquecer uma violência parece uma impossibilidade, tanto pra quem comete quanto para quem sofre. Mas e perdoar, é possível? Ou Klute, o passado condena? (essa foi péssima, eu sei). Também falamos de temas mais próximos à nossa realidade. Se nossa casa tivesse escada, a gente, hã, seria tentada a reproduzir uma das cenas do filme? (Resposta rápida do maridão: De jeito nenhum! Bebeu? Isso dói!). E de histórias que têm pouco a ver com violência: importa o que a gente fez antes de conhecer nosso amor? Como não dá pra exigir fidelidade no passado, seria justo esperar total santidade? Eu perdoaria o maridão numa boa se, quinze anos antes da gente se conhecer, ele tivesse liquidado uns gangsters por aí. Mas e se ele tivesse sido um pedófilo? Aí complica, né? Ou não? A gente não acredita em regeneração? E só regeneração resolve, ou precisa ter punição? Vamos ficar no caso do assassino loiro do início de “Marcas”, que diz estar cansado daquilo tudo. Se ele mudasse de cidade, casasse, começasse vida nova e tal, tudo bem? E a subtrama do colégio é ainda mais esquisita. O menino é perseguido (“bullied”) durante um ano, e um dia reage, batendo nos agressores. Daí os pais dos valentões querem processar o guri. Ou seja, daqui a pouco a gente justifica Columbine.

Você pode argumentar que um filme que levante tantas questões interessantes deve ter profundidade, mas não sei. Olhando por este ângulo, qualquer história com estupro marital no meio é perturbadora. Só que falta algo mais incisivo, e juro que não sei o que é.

Só sei que o Viggo Mortensen é lindo. Desconfio que foi ele o Legolas que não afundava na neve em “Senhor dos Anéis”, mas como eu dormi na trilogia dos elfos, não tenho certeza. A Maria Bello (de “Show Bar”, tadinha) tá ótima, e seu único passo em falso é quando ela vomita de horror. Mas ambos são jovens demais pros papéis. Pensa só, os pombinhos estão casados há vinte anos. Ok, muita gente se casa aos dezoito, mas que vida pregressa super misteriosa o sujeito pode ter tido antes disso? E sei também que “Marcas” me lembrou mais o Peckinpah de “Sob o Domínio do Medo” do que qualquer violência à moda Tarantino. Deve ser porque é mais fascista – afinal, a gente torce pra que os bandidões morram. E a gente sabe que tá vendo um Cronenberg quando surge um rosto desfigurado em close. Sobre o diretor canadense, só queria dizer que adoro “A Hora da Zona Morta” (inclusive, quem anda afirmando que “Marcas” é a obra mais normal do David tá se esquecendo de “Zona Morta”) e, claro, “Gêmeos, Mórbida Semelhança”. Gosto de “Scanners”, até de “A Mosca”, e definitivamente detesto os mais pretensiosos, tipo “Crash” e “Naked Lunch”. O cara é doente, mas também é um auteur. Igualzinho ao seu xará David Lynch, só que diferente nas suas perversões. Se “Marcas” fosse do Lynch, não há dúvida: o casal seria menos feliz (a cena de sexo com cheerleader ficaria) e um dos vilões seria anão. Quem sabe assim seria mais profundo.

2 comentários:

Letícia disse...

O Viggo era o Aragorn.
O que no final vira rei e casa com a elfa (persongem da Liv Tyler).

O ator que interpretou o Legolas foi o Orlando Bloom.

Natascha Fox disse...

Lolis, Viggo já tinha 46 anos quando fez o filme!! Se ele se casou com 26, dava pra ter feitos umas diabruras, não?