sexta-feira, 31 de outubro de 2014

"QUERO SER PROFESSOR, MAS O SALÁRIO É RUIM"

M., um jovem rapaz, me enviou essas dúvidas: 

Olá, Lola. Tudo bem? Me chamo M., tenho 21 anos e sou estudante de Direito (6º período). Andei vendo seu blog e vi que você é professora universitária. Vou te contar o que está acontecendo comigo e, se possível, gostaria muito  de uma orientação sua. 
Bom, desde pequeno (por volta de 9 anos) eu já demonstrava vários sinais de amor à prática da docência. Adorava ensinar aos meus colegas de classe os assuntos das aulas e fazia até provinhas. Nessa época, cheguei, inclusive, a alfabetizar uma funcionária aqui da minha residência, e me orgulho muito disso. 
Mais tarde, quando tinha por volta de 14 anos, fui aluno destaque pelas notas em inglês e, assim, fui chamado pra ser monitor na minha escola. Pouco tempo depois, me destaquei também pelas notas em outras disciplinas, e, assim, comecei a dar aulas particulares e atuar como monitor de física, química, biologia e matemática. 
A grande realização de um professor é, sem dúvidas, saber que está fazendo a diferença no aprendizado de seus alunos. É ver o progresso deles. E todos os alunos que estudavam comigo sempre faziam questão de ressalvar o quanto aprendiam nas minhas aulas (mais do que com os próprios professores). Aquela época pra mim, então, foi de grande realização pessoal. Dar aula não era um trabalho, mas um lazer remunerado, posso assim dizer. 
Enfim, o tempo foi passando e eu tive que escolher qual carreira seguir. Pelo amor à profissão, a absoluta convicção de que seria uma licenciatura (em química ou biologia) estava clara pra mim. O grande problema era, justamente, a má remuneração. Por mais que haja amor à profissão, essa má remuneração provoca várias objeções que nem precisam ser aqui ressalvadas. 
Considerando a minha capacidade de me disciplinar para os estudos, de persuadir e de fazer uma boa sustentação oral (com a modéstia bem à parte), percebi que tinha uma grande APTIDÃO para a área jurídica, e acabei optando pelo curso de direito. Note que eu falei APTIDÃO, e não PRAZER, pelas ciências jurídicas. Não chegava a desgostar, mas a sensação de adquirir conhecimentos jurídicos nunca chegou nem perto de quando eu descobri, por exemplo, o que era um átomo. 
Até o período que estou cursando agora, minha trajetória acadêmica foi cercada de dúvidas. Aquela vontade de mudar de curso e fazer o que ama, sabe? Acontece que a vontade de mudar de curso está predominando. Quero muito fazer licenciatura em ciências biológicas e seguir carreira como professor. Mas temo pelo salário. 
Ficaria muito feliz se você pudesse me esclarecer algumas questões em relação a isso. Gostaria de saber se é possível, por exemplo, chegar a tirar entre 8 e 10 mil reais LÍQUIDOS e se há uma perspectiva de um salário superior a esse. Se sim, gostaria de saber em quanto tempo é possível chegar a este nível de remuneração. 

Minha resposta: Coincidência você me perguntar isso, M., porque ontem mesmo encontrei um ex-aluno meu muito querido, numa rua próxima à universidade. Ele estava radiante porque tinha acabado de ser aprovado no concurso para ser professor numa universidade estadual, a UECE (eu dou aula numa federal, a UFC). Esse ex-aluno tem 25 anos, e se formou no final do ano passado, em Letras Inglês. Antes disso, ele passou num concurso para escola estadual, chegou a dar aula pro ensino médio, e detestou. Desiludiu-se tanto com a profissão (ele ainda não era formado) que começou uma nova faculdade (justamente de direito), e também tentou trabalhar um pouco na área de turismo.
Agora que ele vai ser professor universitário, decidiu largar o curso de Direito (tinha cursado um semestre), e vai logo começar um mestrado na área. Quando ele comunicou essa decisão para uma outra ex-professora dele, uma colega minha que odeia ser professora (e é odiada de volta por grande parte dos alunos), ela lhe disse: "Você está louco? Vai abrir mão de ganhar 18 mil reais pra ser professor e ganhar uma merreca?"
Não sei de onde ela tirou esse número dos 18 mil (até parece que é fácil prum advogado ganhar isso!), mas o ex-aluno respondeu pra ela: "Eu sou pobre, minha família é pobre. Ganhar R$ 3.5 mil agora, pra mim, está muito bom, cobre todas as despesas e ainda dá pra viajar. Se eu continuasse com o curso de Direito, só me formaria daqui a 5 anos".
Eu não sei quanto a UECE paga, mas meu ex-aluno é recém-graduado. Nada mau começar com um salário desses aos 25 anos. O salário de um professor aumenta através da titulação (mestrado, doutorado), e através da progressão funcional, que é um relatório gigantesco, geralmente a cada dois anos, que você deve apresentar contando TUDO de acadêmico que você fez nos últimos dois anos. Se o relatório for aprovado, você progride pra uma nova classe. A mais alta, o topo da carreira para um professor universitário, é titular. Mas é muito difícil chegar lá. Só 10% dos professores universitários no Brasil são titulares. 
Eu não tenho a menor ambição de chegar a titular, porque quero me aposentar antes. Mas não sou parâmetro: comecei tarde, só passei a ser professora numa universidade com 42 anos. Hoje tem muito docente com 30 anos já com doutorado.
Dê uma olhada nas tabelas salariais aqui. Elas são válidas para todas as universidades federais.

Eu sou professora adjunta (ou seja, tenho doutorado) em regime de dedicação exclusiva (não pode ter outro emprego) 40 horas, e estou no nível 3, ou seja, prof-adjunta 3. 
Isso quer dizer que já passei por duas progressões funcionais, em 2012 e 2014. Meu salário este ano chegou aos R$ 10 mil brutos, mas líquidos, são R$ 7.500. Nem com o pequeno reajuste prometido para 2015 meu salário líquido chegará aos 8 mil. Se, algum dia (em 2018), eu conseguir passar de adjunto a associado, aí sim haverá um belo aumento de salário, Talvez fique próximo a algo entre 9 e 10 mil líquidos.
Teoricamente, é possível chegar a associado oito anos depois de entrar na faculdade com doutorado. Na prática pode ser mais complicado, porque as faculdades estão fazendo de tudo para dificultar a progressão (estamos preocupadxs!). Tipo: te encher de turmas, cobrar projetos de extensão, e depois te avaliar pelo que você faz de pesquisa. Sendo que, se você está 20 horas por semana em sala de aula, fica quase impossível publicar. 
Você é muito jovem e precisa ter paciência. Depois de graduado, você precisará fazer mestrado (mais 2 anos) e doutorado (mais 4; você pode conseguir bolsa pra fazer o mestrado e doutorado; a bolsa pro mestrando hoje está em R$ 1.500). Aí você passa num concurso e entra numa federal como prof-adjunto, ganhando algo próximo a 7 mil líquidos (talvez um pouco menos), nos valores atuais. Você estará com menos de 30 anos, e, convenhamos, 7 mil não é um salário ruim. 
Quando comecei a trabalhar, aos 18 anos, meu salário era um lixo. Se eu tivesse começado a ganhar R$ 3.5 mil desde os 25, como meu ex-aluno, eu certamente estaria numa situação financeira muito melhor hoje. Não que eu esteja reclamando, porque obviamente estou numa posição privilegiada. Com este salário, faço parte da elite. Mas eu, como tantos outros brasileiros de classe média, passei grande parte da minha vida recebendo R$ 2.5 mil. Como professora, o único jeito de receber o que recebo é trabalhando numa universidade pública.
Enfim, acho que você deve fazer o que gosta, o que te dá prazer, o que te traga satisfação pessoal, e, se você for idealista (e nesta idade acima de tudo, você deve ser idealista), o que contribui com a sociedade. Claro que salário é importante, mas não deve ser posto acima de tudo. Além disso, ganhar 7 mil líquidos é um super privilégio neste país (e no mundo também). Esse tipo de salário dá e sobra pra mim. Tudo bem que sou frugal e não tenho filhos nem sonhos de consumo (tenho tudo que preciso). Estou muito feliz com a minha vida, só gostaria de ter mais tempo. 
Ah sim, uma dica que dou a todos é: comece a pagar carnê de autônomo do INSS o quanto antes. Pague o mínimo do mínimo mesmo, e guarde todos os carnês, de jeito organizado. Pague INSS inclusive quando não estiver trabalhando, por exemplo, vivendo de bolsa durante o mestrado e/ou doutorado. Isso pode te salvar anos de contribuição quando for sua hora de se aposentar. 
Se ser professor sempre te deu tanta felicidade, desde que você era criança, creio que você tem de ir atrás desse sonho. 

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

GUEST POST: CEM COMENTÁRIOS EM DEZ HORAS

O vídeo de uma mulher andando nas ruas de Nova York e tendo que ouvir um monte de baboseira -- que algumas pessoas insistem em chamar de elogios -- viralizou no Facebook, e vem rendendo boas discussões. 
A página Cantada de Rua redigiu este texto sobre o assunto e o enviou pra mim. Todo mundo já sabe minha posição sobre assédio na rua: não é bom pro ego, não é gentileza, não é legal. É assédio sexual. Abuso. Demonstração de poder. Terrorismo sexual. Lembrança de quem manda.
Update: Muita gente reparou que a maior parte dos assediadores é não branca. O diretor do vídeo afirmou que havia equilíbrio entre os homens brancos e negros e latinos que falaram alguma coisa para a moça, mas que, em alguns momentos, essas cenas não ficaram boas (havia barulho demais). De toda forma, é uma polêmica válida. O vídeo realmente não é representativo da realidade.
Deixaram de fora os homens brancos no vídeo. Pessoas brancas não podem nem discutir assédio na rua sem demonizar homens não-brancos.
Esta mulher caminha na rua em Nova Iorque. A sua frente uma câmera GoPro escondida revela o tipo de coisa que as mulheres têm que passar ao andar nas ruas TODOS OS DIAS. Ela caminha por algumas horas na rua e é alvo de mais de 100 comentários de homens, sem contar buzinas e assobios. (Está em inglês mas dá pra entender perfeitamente).
No Brasil é exatamente a mesma situação.
Uma mulher não anda sozinha nunca. Ela está sempre sendo observada. Ela sabe que está sendo e que em algum momento será abordada, por mais que se previna de todas as formas possíveis que uma vítima de assédio de rua pode se prevenir.
Ela troca de roupa, ela muda o caminho, ela evita sair à noite e também de dia, ela gasta a mais pegando um táxi em um trajeto que poderia fazer a pé ou de ônibus, ela não passa na frente do bar, ela faz o caminho mais longo, ela passa a usar fone de ouvido para sair na rua, ela só sai se o namorado for junto. Ou ela simplesmente não sai.
Ela faz uma série de arranjos para fazer o que precisa fazer. Sair para trabalhar, para estudar, ir ao mercado ou até mesmo fazer um exercício é uma tarefa que exige uma série de pensamentos prévios.
Pensamentos com que homem NENHUM precisa se preocupar.
O assédio de rua escancara as nossas diferenças de gênero.
Como deve ser sair à rua e "só" se preocupar em ser assaltada ou morta? Não temer assédio ou estupro? Sair e simplesmente viver?
Não é a roupa. Não é o horário. Não é a rua. Não é um sorriso. Não é a mulher que deu abertura ou deu a entender que estava interessada. Não é a mulher. É o homem. É quem assedia.
Enquanto nem todos os homens praticam assédio, todas as mulheres planejam suas idas à rua pensando nisso.
Este é um problema de todas. De todos.
No momento em que um homem volta pra casa a pé e sozinho à noite, pode lembrar que metade da população não considera esta uma opção viável.
No momento em que um homem vê um outro homem constrangendo uma mulher, pode lembrar que esta mulher deve estar se sentindo acuada e que não reage por medo.
Vivemos em um mundo que mulheres têm tantas atribuições quanto homens, mas nós não podemos andar nas ruas da mesma maneira.
Os prejuízos na vida das mulheres são incalculáveis. Quantos cursos você já deixou de fazer porque eram à noite? Quantas vezes deixou de se exercitar porque a rua se tornou um lugar hostil? 
Quantos amigos deixou de ver? A quantas palestras deixou de ir por que não havia um caminho seguro para voltar? Quantas viagens por conta própria deixou de fazer? Quantos momentos deixou de viver?
Podemos levar este assunto ainda mais além e propor ainda mais perguntas: Será que ter que gastar uma preciosa energia diária se preocupando com algo básico como integridade física não está atrapalhando o suficiente a vida das mulheres? Quantas mulheres estão nos lugares que decidem o que é importante? Por que nesses lugares são sempre minoria? 
Quantas estão no topo? Será uma coincidência que a maioria dos líderes são homens? O que as mulheres estão vivendo que as impede de chegar lá?
Quantas vezes você já deixou de sair por medo?
Quantas vezes temeu que o assédio se tornasse uma abordagem perigosa?
Quantas coisas está deixando de fazer, coisas que neste momento a outra metade da população está fazendo?
Isso parece justo?
O que nós podemos fazer para mudar?´

Mais um update: O vídeo está fazendo tanto sucesso que já teve até paródia -- muito boa, aliás. Como seria pros homens, esses privilegiados. 
E este vídeo também é excelente: o que os homens realmente querem dizer quando assediam mulheres na rua (tem que saber inglês).

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

A IMAGEM DA BRASILEIRA NO EXTERIOR

Carol me enviou este relato:

Sou uma de suas grandes fãs. Viajei a Europa recentemente e por conta disto procurei informações para evitar o choque cultural e comecei a me deparar com o slut shaming [culpar uma mulher por seu comportamento sexual] por parte dos europeus, e o que é pior, dos brasileiros e das brasileiras!
Existe preconceito em todo lugar do mundo, infelizmente. 
Brasileirxs casadxs com estrangeirxs
Agora, as brasileiras que querem se “diferenciar” daquelas que são prostituídas ilegalmente por serem menores aqui no Brasil, ou daquelas que querem arrumar um marido europeu (ora, ele é adulto, não percebe se a mulher gosta dele ou não, só quer ficar na Europa? Para mim, os dois tem uma relação equânime, pois ela dá sexo em troca de ser cidadã europeia e vice versa. Parece até que os coitadinhos são menores enganados) me revoltam.
Fico revoltada porque elas acham que a brasileira tem que se colocar no seu lugar, se dar o respeito. Ora, a europeia e a americana podem transar com quem quiser, nós não. Em todo lugar do mundo tem mulher que casa por dinheiro, por carência, por status, o casamento nem sempre é gerado por amor, aliás, na sua maioria das vezes não o é.
Para mim, é o mesmo que um racista dizer que o negro tem que se colocar no lugar dele para ser respeitado! O negro faz o que quiser da vida dele! Se é o melhor para ele ou não, não cabe a nós que não temos nada a ver com a vida dos outros decidir! 
É a mesma coisa com o homossexual, a maioria das pessoas só os aceitam se não forem considerados espalhafatosos e efeminados. Ora, o que que tem ser espalhafatoso ou efeminado?
Quando um homem é desagradável e grosso, todo mundo aceita o “jeito” dele. Eu fico p* da vida.
Como se mau caratismo estivesse no meio das pernas e na origem do passaporte.
Só para constar, ontem vi uma moça linda, loira de olhos azuis, bem padrão de beleza, trabalhando como carteira aqui no Brasil. Aposto que enfrenta vários preconceitos por isto, pois essa profissão é um serviço cansativo e a pessoa às vezes tem de ir a lugares pouco recomendáveis.
Aposto que um monte de gente diz que ela deve arrumar um bom marido por ser bonita.
Agora, se ela arruma um marido rico, ou vai para Europa para casar, ela é puta. Se ela trabalha, é incompetente.
Para o machismo, estamos erradas até quando estamos quietas.
Aposto que por trás, os nojentinhos europeus que dizem são amigos deles, xingam eles pra caramba, mesmo dizendo que na frente deles, que “eles” são diferentes do resto.
Eu não confiaria em alguém assim, que fala mal de pessoas que não conhece, é machista, turista sexual, racista e xenófobo. Eu mandaria para aquele lugar.

Minha resposta: Não entendi muito bem, Carol, o que você quer que eu diga. O Brasil tem fama no exterior de ser um país liberal, com carnaval e sexo sem culpa. Quem vive aqui sabe que essa fama não corresponde à realidade. Somos, no fundo, um país bem moralista. 
Faz uns cinco anos, li em algum lugar da internet (o link já não existe mais) o relato, em inglês, de um jovem americano que estava vindo passar um mês no Brasil, a passeio, e também com a intenção de aprender português. Seus amigos americanos morreram de inveja -- acharam que ele iria fazer sexo sem parar. Duas semanas depois de ter pousado no Rio, o gringo continuava sem transar. Ficar tudo bem, ele ficava. Um outro estrangeiro frustrado lhe disse: "Beijar é meio como um aperto de mãos por aqui. Mas mais do que isso -- esqueça". 
O cara finalmente conheceu uma moça, feminista, com quem ficou e fez sexo pelo resto da viagem. Adorou o Brasil, mas voltou pros EUA com a certeza de que a imagem da brasileira lá fora não é verdadeira. Ele teria mais sorte em fazer sexo sem compromisso se fosse para países mais liberais, como a Suécia, por exemplo. 
Faz poucos meses tivemos uma linda Copa do Mundo aqui no Brasil (alguém ainda se lembra da Copa? Viu como ela não teve a menor influência nas eleições?), que trouxe pra cá um milhão de turistas estrangeiros, que foram muito bem tratados e querem voltar. Nas cidades que sediaram os jogos, muitos gringos ficaram com brasileiras (e gringas com brasileiros também, e gringos com brasileiros, e gringas com brasileiras), o que despertou ciúmes de vários homens brasileiros, que sentiram-se traídos.
É super comum (e saudável) que as pessoas tenham curiosidade em conhecer gente de outros lugares. E "conhecer" pode incluir fazer sexo, se relacionar, casar. Até parece que apenas as brasileiras (vou usar o que foi mais noticiado pela mídia na Copa) gostam de estrangeiros! Pessoas "de fora" sempre chamam a atenção. Claro que, infelizmente, esse "chamar a atenção" nem sempre é positivo. Um estrangeiro que vem de um país pobre pode acabar sendo vítima de xenofobia e racismo
Bom, somos mais de cem milhões de brasileiras. É um oceano de gente! Uma população muito maior que a de grande parte dos países. Somos mulheres de todas as idades, raças, cores, tamanhos, regiões, credos. É impossível generalizar e falar na "mulher brasileira". Qual mulher? O Brasil tem uma ótima imagem no exterior (uma das melhores do mundo, creio eu), sempre relacionada a coisas boas: praia, carnaval, futebol, samba, pessoas alegres, mulheres bonitas. 
Eu não me canso de repetir: todo lugar que eu vou, quando me perguntam "de onde você vem?" e eu respondo "Brasil", o pessoal abre um enorme sorriso. Não é sorriso de deboche, é de admiração. Eu nunca fui maltratada por ser brasileira. Muito pelo contrário
Brasileiras
Brasileiras e brasileiros espalham-se pelo mundo. Em todo lugar do planeta você acaba esbarrando com alguém do Brasil (e dos EUA, e da Índia etc). E, por incrível que pareça, isso não começou no domingo, com a derrota do Aécio. Há gente nascida no Brasil trabalhando, passeando, casando, em todo canto. Dizer que uma brasileira casada com um europeu é interesseira não faz dela uma interesseira. Mas faz da pessoa que diz esses preconceitos uma otária.

terça-feira, 28 de outubro de 2014

GUEST POST: ALGUMAS INFLUÊNCIAS DO FEMINISMO NA MINHA VIDA

Relato da Larissa: 

Leio o seu blog há muito tempo, talvez uns 5 anos, e gostaria de compartilhar com você um pouco da minha história (porque indiretamente você faz parte dela).
Eu acho que sempre fui feminista, já nasci assim. Meu pai faleceu quando eu era bem novinha, então fui criada numa casa só com mulheres. Não fui criada para ser uma boa-moça-dona-de-casa, mas também não fui criada pra ser uma grande profissional. Eu meio que não fui criada pra nada (consigo ver pontos negativos e positivos nisso).
Mas foi quando comecei a ler seu blog que passei a entender melhor algumas coisas. Entendi, por exemplo, que cantada de rua não é elogio, é abuso. Essas cantadas sempre me incomodaram, mas todos me diziam que eu devia me sentir lisonjeada e eu me esforçava pra isso acontecer (em vão).
No ano passado eu tomei uma decisão: não ia mais deixar que ninguém abusasse de mim, nem que fosse da forma mais "inocente" possível. Se alguém mexe comigo na rua eu avalio os riscos que corro se eu responder. Se eu achar que tá tudo bem eu xingo, se eu achar perigoso, faço uma cara feia, levanto a cabeça, ponho os ombros pra trás e ando de forma bem segura. Aliás, costumo ter essa postura ao passar por lugares em que acho que vou ser assediada e isso já evita um certo transtorno. Procuro dar a impressão de que eu sou dona de mim e que ninguém tem o direito de me avaliar sem minha permissão. Ou ao menos de verbalizar essa avaliação, porque eu não controlo os pensamentos dos outros.
Há um ano e meio eu namoro um cara simplesmente fantástico, que me respeita e é meu principal incentivador. Nós conversamos sobre tudo, de futilidades ao sentido da vida e machismo/feminismo. E aí é que costumamos ter problemas porque, por mais que ele se esforce em compreender, ele é homem. Ele nunca teve uma história de horror, nunca recebeu cantada na rua, nunca foi beijado à força. Então ele não entende algumas coisas. 
E eu também não entendo o ponto de vista dele. Deve ser realmente horrível ser automaticamente condenado por coisas das quais ele nunca fez. Porque a gente faz isso, mesmo que inconscientemente. A gente considera todos os homens estupradores em potencial. Mesmo que muitos sejam, não são todos, e os que não são se sentem ofendidos. Acredito que se mostramos a eles, homens, o quanto as coisas são mais graves do que eles conseguem enxergar, eles podem nos compreender melhor e talvez lutar ao nosso lado
Ontem eu resolvi abrir boa parte da minha vida ao meu namorado. Contei como desde a menarca (eu tinha 9 anos) eu enfrento abusos e cantadas e perguntei a ele quais os tipos de preocupações que ele tinha na mesma idade. Imagino que a possibilidade se ser estuprado não seja uma delas. Contei tudo por e-mail, porque não tenho condições de falar sobre isso cara a cara. Fiz questão de enfatizar que não é só comigo que acontece e nem que foram casos isolados. Acontece com todo mundo, o tempo todo. Sem critério algum. 
Eu pretendo algum dia conseguir falar sobre tudo isso abertamente, pra qualquer pessoa. Porque nada do que já me aconteceu é culpa minha. A vergonha não deveria ser minha. Não sou eu quem deveria ter problemas em falar sobre o assunto. 
Acredito que ajudaria muito a todas nós se quebrássemos esse silêncio. Se disséssemos: "Sim, eu fui abusada e a culpa não é minha." Não é vergonha nenhuma. 
Não é algo que dependa de nós. E acho que o fato de ser tudo velado só dá força aos abusadores. Se ninguém sabe o que está acontecendo, como alguém pode nos ajudar? Se todo mundo acha que é uma bobeira, um elogio na rua, uma passadinha de mão inocente, como isso pode não acontecer? Quem deixaria de cometer esse "ato inocente" só porque uma feminista reclamona falou que é errado?