terça-feira, 30 de novembro de 2004

CRÍTICA: PELÉ ETERNO / Oba oba cansativo

Não me entenda mal: não é que eu não gostei de “Pelé Eterno”. É só que, depois de uma hora de documentário, minhas defesas cederam e eu me entediei um pouco com toda aquela babação. Claro que com um título desses eu não esperava uma obra crítica. Mas não daria pro diretor Aníbal Massaini dourar menos a pílula? A gente precisa mesmo ouvir que Pelé é rei, gênio, craque, poeta da bola, maestro, e não sei mais o quê? O filme exagera nos elogios justo pro carinha que menos precisa deles. E, acima de tudo, não dava pra cortar o texto do Armando Nogueira? Lá pelas tantas, nosso comentarista esportivo metido à poeta diz algo como “se Pelé não tivesse nascido gente, teria nascido bola”. Olha, em se tratando de Pelé um clichê desses pode até cair bem. Mas se alguém falasse isso pra mim ia sair tapa! Vale a pena comparar uma das dezenas de bobagens armandonogueirísticas com o que declara um poeta de verdade, o Drummond: “Fazer mil gols como o Pelé é fácil. Fazer um gol como o Pelé é que é difícil”. Algo assim.

E mesmo o grande hino de exaltação acima já seria desnecessário, porque temos as imagens. O filme mostra uns 400 gols do Pelé, e eles dão uma boa idéia de como e porque o homem virou mito. Não acredito muito que um documentário precise ser objetivo (existe neutralidade?), mas, quando ele vira uma biografia chapa-branca, ele deve se apresentar como tal. O que se vê são montes de depoimentos louvando o sujeito e uma vasta manipulação dos fatos. Por exemplo, chega uma hora em que o Pelé diz que não é um bom empresário porque confia demais nas pessoas. Sabe aquela história de querer parecer humilde se auto-criticando quando a gente tá no fundo se auto-elogiando? Soa falso. Ou, sei lá, o filme menciona o primeiro carro que Pelé ganhou. Ahn, não seria o caso também de mostrar o fusquinha que Maluf deu, com o nosso dinheiro, pra cada jogador tricampeão? Como que um documentário pode entoar o jingle de 70 (Pra frente Brasil etc) e ignorar a existência da tortura do Médici?

É evidente que há anedotas divinas, como a que trata de um juiz que expulsou o Pelé de uma partida e acabou ele próprio sendo expulso, ou a que fala do jogador virando goleiro pra evitar fazer o milésimo gol num jogo arranjado. Mas o filme teria mais força se incluísse declarações divergentes. Provavelmente a gente nem acreditaria nelas porque as imagens falam mais alto. E, sinceramente, a ausência do nome do Maradona ronda o filme como um fantasminha. Alguém devia abordar o assunto, né? E tem mais: das sei-lá-quantas cabecinhas falantes que surgem no canto inferior da tela, nenhuma é mulher. Pô, não existe mulher no mundo pra falar alguma coisa que preste sobre o Pelé? Até o Kissinger aparece, pelamordedeus! (Quer dizer, se até americano tá gabaritado pra falar de futebol...) Desse jeito o documentário só reforça o preconceito que futebol é um troço essencialmente masculino, onde mulher só entra como mãe ou esposa do jogador, ou como pin-up semi-nua segurando uma bola, à la “Placar”. Esse machismo tá começando a se eternizar mais ainda que o Pelé.

Não sei, talvez “Pelé Eterno” seja do tipo que se gosta à medida que a gente vai associando os acontecimentos a nossa infância. Pessoalmente, admito que eu tava viva no tricampeonato, mas só me lembro de ter ouvido falar do Pelé quando ele foi pro Cosmos. Pra quem viu os gols do Pelé ao vivo em 58 e 62 o documentário deve ser a glória. Quiçá isso explique toda a bajulação incontida do Armando Nogueira...

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