domingo, 28 de novembro de 2004

CRÍTICA: O VÔO DA FÊNIX / Entrou areia

Comparado aos últimos desastres que vi, “O Vôo da Fênix” me pareceu um oásis no meio do deserto. E no entanto, minha maior preocupação durante toda a projeção foi se é o fênix ou a fênix. Lá pelas tantas, a aventura decide que precisa mesmo subestimar a inteligência do público e explicar que fênix é uma ave renascida das cinzas. Eles não sabem que o pessoal viu “Harry Potter”? Mas deixe-me resumir a trama. Um grupo de perfuradores de petróleo sofre um acidente e cai no deserto de Góbi, e pra sair de lá tem que reconstruir o avião. Os temas são aqueles de sempre: vamos fazer nosso próprio destino, ter esperança até o fim, lutar ou morrer tentando. Tudo isso é mais fácil, claro, se você for cidadão de um país rico acostumado a invadir nações alheias pra explorar petróleo ou pra fazer qualquer outra coisa que dê na telha do país rico.

“Vôo” é uma refilmagem de uma produção de 1965 do Robert Aldrich. Se você ouvir que o original é um clássico, não acredite. No fundo, todos esses filmes de desastres aéreos e luta pela sobrevivência são iguais. A gente sabe que nossos heróis vão se safar dessa, mas sabe também que alguns vão morrer pelo caminho, pelos seguintes motivos: ou pra se sacrificar pela coletividade ou porque o sujeito é muito estúpido e merece morrer mesmo. O legal desse gênero são justamente os clichês – alguém do grupo é mestre em provérbios antigos, outro em abrir latas, e por aí vai. Mas quando a gente não consegue nem distinguir o Zé do Mané, como no caso de “Vôo”, a gente sabe que tem problemas. Aqui há uma mulher, por exemplo, cuja única função é ser mulher. Não sei se é suficiente.

Embora obviamente entre areia no filme, tem uma coisa que gostei: quando o grupo nota que a empresa empregadora não vai buscá-los, porque o material que carregam no avião não vale nada, e o custo-benefício não compensa. Se bem que ninguém fica abalado com essa amostra do capitalismo selvagem. Não, os vilões, vilões mesmo, são beduínos de olhos puxados que não falam inglês. Lógico que eles só estão lá pra adicionarem algum suspense a um gênero absolutamente previsível (desculpe estragar a surpresa, mas o avião voa no final. Tá no título): não basta nossos heróis estarem pendurados num avião sem gasolina, construído por mão-de-obra não-qualificada a partir de um projeto malfeito. Vamos colocar um monte de orientais aproveitando a ocasião pra atirar neles.

Há umas cenas muito esquisitas quando a ação pára e a câmera se demora em mostrar closes de homens sem camisa com músculos bem-delineados reluzentes de suor. Nessas horas “Vôo” vira uma mistura de “O Triunfo da Vontade” e “Melhores Momentos do Village People”. Mas é um alívio pra humanidade constatar que o Dennis Quaid 1) continua vivo e 2) apesar dos 50 anos, mantém sua barriga tanquinho (o maridão disse que eu desdenho de barriga-tanquinho porque não tenho a menor afinidade pra lavar roupa). Quando eu não tava pensando em como gostava do Dennis de “A Fera do Rock”, eu ficava imaginando os melhores roteiros pra se sofrer um acidente aéreo. Olha só, sobreviver numa ilha deserta à la “Náufrago”, com coco e peixe de sobra, não é difícil. Num deserto complica, se bem que, a julgar por “Vôo”, não é tão ruim: você fica lá um pouco, pega um bronze, come fruta em conserva, ouve música enquanto constrói um avião com seus novos amiguinhos, e, de lambuja, aprende o valor da vida e da união. Será que o deserto é pior que as cordilheiras geladas dos Andes, caso de “Vivos” (que, por sinal, tem o melhor desastre aéreo da história do cinema)? De qualquer jeito, sempre prefiro quando os sobreviventes recorrem ao canibalismo. É mais apetitoso.

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