segunda-feira, 5 de setembro de 2022

PERDEMOS O PLEBISCITO, MAS A LUTA CONTINUA

Ontem a América Latina sofreu uma derrota marcante: o Chile não aprovou sua nova Constituição! Minha correspondente no Chile, a jornalista Isabela Vargas, conta como foi e como está sendo. Ela é feminista, mãe da Gabriela, e integra a coordenação do coletivo Mujeres por la Democracia Santiago de Chile, que organizou os protestos do #EleNao no Chile.

Difícil escrever esse texto porque ainda estou em choque e processando a dura derrota do #Apruebo no plebiscito de ontem que poderia enterrar para sempre a constituição de Pinochet no Chile. Com quase 100% das urnas apuradas, o resultado mostrou que 61,86% dos chilenos optou pelo rechazo (rejeito) enquanto apenas 38,14% votou apruebo (aprovo) quando consultados sobre o texto da nova carta.

Quando eu ouvi o discurso do comando da campanha, por volta das 22 horas, comecei a chorar. Depois do choro, não conseguia dormir. Meu marido, que é fotógrafo e trabalhou na cobertura direto do comando do #Apruebo, chegou em casa arrasado e rasgou todas as bandeirinhas do Chile que ele tinha colocado para decorar a casa por conta das festas pátrias, celebradas em setembro.

Foi uma derrota acachapante. Nem nos meus piores pesadelos poderia esperar um resultado tão ruim como esse. A gente tinha medo, sim, de uma derrota, mas ninguém esperava um percentual dessa magnitude. Foi um verdadeiro terremoto que abalou as estruturas na esquerda chilena.

Por que os chilenos não aprovaram o texto?

A proposta da nova constituição previa, entre outras mudanças, um sistema de saúde pública, a igualdade entre homens e mulheres na politica, reconhecimento dos povos originários do Chile, extinção do Senado e criação de câmaras regionais, ampliação do acesso à moradia e serviços sociais. Por que, então, os chilenos não aprovaram o texto?

Ainda é cedo para fazer uma leitura calma e detalhada, mas tem alguns fatores que indicam o que aconteceu aqui. O primeiro deles são as já conhecidas fake news que foram muito usadas, assim como ocorreu na campanha presidencial no Brasil, em 2018. A equipe do #Rechazo espalhou várias mentiras, inclusive com cópias da Nova Constituição alteradas. O tempo usado para desmentir essas inverdades custou caro, já que não foi possível mostrar todas as boas propostas do novo texto.

A deputada Emilia Schneider, primeira mulher trans eleita recentemente, denunciou um panfleto produzido pela campanha do Rechazo que distorcia totalmente a proposta de Educação Sexual nas escolas. A ideia era justamente prevenir os abusos de menores e o panfleto pregava que o objetivo era ensinar as crianças desde cedo a ter relações sexuais. 

Representantes da direita que fizeram parte da Convenção Constitucional foram flagrados nas ruas distribuindo esse tipo de material. Apesar das denúncias, nada foi feito. Principalmente, na cobertura da mídia comercial, grande aliada da direita nessa disputa. Os convencionais ganharam amplo espaço para difundir suas mentiras e havia poucos jornalistas capazes de confrontá-las, raras exceções como a jornalista Mónica Rincón, da CNN Chile.

Mais recursos para mentir

Os porta-vozes do #Rechazo também tiveram acesso a mais recursos e puderam viajar a vários lugares do Chile. A campanha gráfica também foi muito mais presente nas localidades, além da publicidade em redes sociais. Diferente do segundo turno da campanha do Gabriel Boric para presidente, quando Izkia Sichez rodou o país de porta em porta pedindo votos, desta vez, alguns poucos convencionais saíram a percorrer o país. 

Outro aspecto fundamental foi o papel de alguns representantes da DC (Democracia Cristiana), a mesma que traiu e abandonou o Allende na primeira oportunidade. Embora a orientação do partido tenha sido pela opção Apruebo, a senadora Ximena Rincón dedicou bastante tempo e recursos para fazer campanha pelo Rechazo. Obviamente, ela pensava em seus próprios interesses, já que a nova carta extinguia o senado chileno.

Clima de terror e voto obrigatório

Além disso tudo, é importante destacar que os meios de comunicação passaram os últimos meses veiculando diariamente não apenas as mentiras sobre o texto da nova constituição, como também promoveram uma intensa campanha de terror com relação à segurança pública. Depois de atacar sistematicamente a figura da Ministra do Interior, Izkia Sichez, responsável pela segurança nacional, os ataques se transforaram em notícias diárias denunciando roubos, assalto, violência, criando um clima de terror de norte a sul. 

Logo após o resultado do plebiscito muita gente questionava como era possível localidades que vivem escassez de água, como Petrorca, rejeitar o novo texto. A resposta: eles não têm água, mas têm televisão em casa. 

Outro aspecto que considero relevante é o voto obrigatório nesse pleito. Diferente das eleições anteriores que definiram a opção por uma nova constituição e o presidente com voto facultativo, nesta eleição, todos eram obrigados a votar sob pena de multa. No meu local de votação, havia vários idosos, inclusive, de cadeiras de rodas e com sondas. Todos eles muito amorosos com os militares que faziam a segurança e um deles chegou a dizer: hoje vamos acabar com isso. 

Fiquei muito triste. Fui votar de manhã bem animada. Levei minha filha comigo, afinal, 4 de setembro marcava também os 70 anos do voto das mulheres no Chile. Minha filha esperou na fila, entrou comigo na cabine e fez questão de depositar o voto na urna. Eu sinto que a decepcionamos porque essa mudança não era para as atuais gerações, era para ela e para os que virão depois dela. 

Hoje, especula-se que haverá uma reforma de gabinete no governo do Boric e apontam que os dois primeiros a saírem seriam o secretário geral da presidência, Giorgio Jackson, e a ministra Izkia Sichez. Nos próximos dias, veremos o que vai acontecer. Por enquanto, choramos e tentamos entender o que foi que aconteceu. Uma coisa é certa: a luta continua porque o Chile ainda precisa responder ao que o povo definiu no plebiscito de outubro de 2020, onde deixou claro com quase 80% dos votos válidas que a população quer uma nova Constituição. Seguimos. 

7 comentários:

Anônimo disse...

Foi o voto obrigatório que influenciou na reprovação, visto que as pessoas foram obrigadas a votar. Na votação anterior para saber se o povo desejava ter uma nova constituição, o voto era opcional e o índice de abstencao foi bem grande. Uma perfeita trampa, típica ideia de gênio ou foi feito de propósito para garantir a nao aprovação. Exatamente como fizeram os deputados estaduais paraenses há 10 anos quando do pebiscito para a emancipação do sul e do oeste do estado onde foi permitido que todos os habitantes do estado votassem! Era óbvio que a emancipação das 2 regiões seria rejeitada já que eram menos populosas que o restante do estado. Em plebiscitos para emancipação de distritos de municípios votam somente os moradores do distrito interessado em emancipar-se. Para os estados a regra deveria ser esta também!

avasconsil disse...

O nauseante Ciro Gomes fez alguns comentários cirogomescos sobre o plebiscito no Chile. A Constituição no Chile foi rejeitada porque tinha por demais baboseira progressista. Coisas da esquerda americana que o PT importou pro Brasil... Pro nojentinho o PT é igual às mães, culpado por tudo.

https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2022/09/05/ciro-gomes-diz-que-pautas-identitarias-sao-baboseiras-da-esquerda.htm

Bia e Vinnicius disse...

Infelizmente qdo achamos que os brasileiros são os únicos a não se interessarem por política e as escolhas que regerão o país por + sabe- se lá qto tempo, vemos um outro país do nosso continente fazendo igual ( ou pior..).
Triste e cansada, porém sem perder a esperança jamais.

Anônimo disse...

chocados com a porcentagem acachapante porque a esrquerda vive numa bolha desconectada da realidade. E a realidade diz que o Chile não quer uma constituição socialista.
A liberadade vive na américa latina.

Alícia

Anônimo disse...

19:34, o Ciro disse que " na elaboração dessa Constituição, deixaram as crianças brincarem e colocaram qquer baboseira ali. Agora, é hora dos homens sérios sentarem na mesma mesa e debaterem seriamente sobre o assunto" ... ou seja: vai mudar nada!!!

Anônimo disse...

a) Lola sou sua fã amo seu blog. Lola abre uma página no Facebook

b) Devemos estar atentos com o que ocorreu no Chile pois aqui os nojentos bolsonaristas tb estão partindo para mentiras baixas devemos estar atento para desmentir.

c) Devemos focar que não basta eleger um presidente progressistas devemos eleger um congresso progressista para auxiliar o presidente. Para a Alerj temos boas candidatas como Fani Balbo Elika Takimoto Marina do MST Zeidan Rafaela Albegaria Coletivo das periferias Renata Souza Mônica Francisco Dani Monteiro. Para a Alesp temos a bancada feminista e Mônica Seixas organizou o coletivo Pretas Chirley Pankara Ediane Maria Carina Vitral e o coletivo mulheres em todas as lutas e o coletivo mulheres por + direitos. Para o Congresso Nacional temos Samia Bomfim Juliana Drummond Andrea Cassa e Jandira Feghali Carol Dartora Daiana dos Santos Fernanda Melchiona Maria do Rosário Taliria Thais Ferreira

avasconsil disse...

Vem acontecendo uma coisa diferente. Não sei se é recente mesmo, ou eu é que passei a perceber há pouco tempo. Parte dos candidatos do centro e da direita está empregando na campanha discursos típicos da esquerda. Simone Tebet mesmo vem falando em trabalhar pelo fim da fome no Brasil, pela redução das desigualdades sociais, melhoria da renda, da educação, coisas que combinam bem pouco com o histórico de votações dela e do partido dela no legislativo. A família da minha colega de trabalho é metida há muito tempo na política de uma cidade da região metropolitana daqui de Fortaleza. Em 2018 a família dela apoiou B... e candidatos equivalentes pra os outros cargos. Agora em 2022, como as chances de Lula vencer são grandes, eles estão apoiando Lula pra presidente, Camilo Santana pro senado, Elmano de Freitas pra governador... Deram uma guinada de 180 graus. Esse tipo de coisa acaba confundindo a cabeça de muito eleitor, que vai acabar comprando gato por lebre. Os discursos estão ficando muito parecidos. Os apoios e as mudanças de apoio por pura conveniência pessoal não são malvistos por muita gente. Vai ser preciso prestar atenção no histórico dos candidatos, ao que eles deram apoio e no que eles têm votado no parlamento, pra não dar o voto pra os "de esquerda" de ocasião. Do que adianta votar em alguém que na campanha eleitoral disse que vai fortalecer o SUS, e quando eleito vota numa reforma administrativa que diz que na área da saúde (educação também...) a atuação do estado deve ser subsidiária à privada, que é como está na atual Constituição do Chile? Foi de lá que a equipe de Paulo Guedes trouxe isso pra a PEC 32. A propósito essa proposta de reforma administrativa não está nada morta:

CAFÉ COM POLÍTICA: Ibaneis Rocha destaca risco de a PEC 32 ser retomada e aprovada ainda este ano

https://anafenacional.org.br/cafe-com-politica-ibaneis-rocha-destaca-risco-de-a-pec-32-ser-retomada-e-aprovada-ainda-este-ano/

Essa notícia é de ontem, 06 de setembro.