terça-feira, 4 de agosto de 2020

VOLTA ÀS AULAS: O ANO LETIVO SE RECUPERA, VIDAS NÃO

Cresce a ideia de que, sem vacina, sem volta às aulas presenciais. O risco é grande demais, inclusive para crianças. 
Um estudo publicado mostrou como se espalhou rapidamente um surto de coronavírus num acampamento para crianças em junho, nos EUA. Dos quase 600 participantes do acampamento, mais da metade fez o teste e 260 (ou 76% dos testados) descobriram estar contaminados em menos de uma semana. O relatório concluiu que crianças de todas as idades são tão suscetíveis a pegar covid e tão infectantes quanto adultos. 
Um estudo da Fiocruz no final de julho já apontou que a volta às aulas no RJ em agosto pode causar até 3 mil novas mortes. Mais de 9 milhões de pessoas do grupo de risco convivem com crianças e adolescentes em idade escolar na mesma casa em todo o país.
Publico hoje o artigo do deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), que fala da volta às aulas em SP.

A Câmara Municipal de São Paulo aprovou, em primeira votação, com apoio de 36 vereadores, o projeto apresentado pelo prefeito Bruno Covas que autoriza a reabertura das escolas da rede pública municipal para aulas presenciais. A segunda votação deve acontecer nesta semana.
A retomada das aulas nesse momento, em que o coronavírus ainda não está sob controle, é um grave erro, que expõe a riscos a vida de professores, profissionais da educação e até mesmo dos próprios alunos e seus familiares. O perigo objetivo é que, algumas semanas após o retorno, tenhamos mais mortes a prantear, inclusive de crianças. O prefeito carregará a responsabilidade por elas.
Como a atestar a irresponsabilidade da medida, a prefeitura faculta aos pais a escolha sobre a volta ou não de seus filhos às escolas -– ou seja, o governo lava as mãos e joga nos ombros das famílias uma decisão que compete à administração e deveria ser guiada por critérios estritamente médicos e científicos.
O projeto elenca uma série de medidas sanitárias que devem ser observadas nas unidades para guiar o retorno, mas, ainda que todos os cuidados sejam tomados, não há como garantir que não haverá ampliação do contágio. Estou curioso para saber como o governo pretende que crianças mantenham a distância necessária umas das outras ou não compartilhem brinquedos e material escolar. Basta ter filhos, netos, sobrinhos para saber que é inviável.
Incluídas as conveniadas, São Paulo possui quase 4 mil unidades escolares e, sendo uma rede tão grande, pulverizada e complexa, é impossível atestar que as condições sanitárias ideais sejam cumpridas diariamente em todas as elas. Muitas conveniadas, por exemplo, funcionam em casas ou prédios adaptados, às vezes sem áreas abertas e ventiladas.
Além disso, as escolas não são ilhas, que se podem isolar da dinâmica da cidade. A reabertura escolar pode causar inclusive um repique de crescimento na disseminação do vírus, que, insisto, não está controlado.
Imaginemos que, todos os dias, milhares de profissionais, pais e alunos terão de se deslocar, muitas vezes através de transporte coletivo, para ir e voltar. Não estamos falando de poucas pessoas: são mais de 60 mil professores, um milhão de alunos, além de outros profissionais e os responsáveis por levar as crianças. Ainda que apenas uma parte dos estudantes compareça, é como se uma cidade de grande porte voltasse a circular diariamente dentro de São Paulo.
Sem contar que o projeto enviado pelo Executivo tem uma série de contrabandos que abrem as portas para a privatização do ensino público paulistano, como a contratação de até 20% de profissionais sem concurso e a compra de vagas em colégios da rede privada. Ou seja, o governo aproveita a pandemia para colocar em curso um plano muito mais ambicioso, contra o qual há enorme rejeição entres os trabalhadores e grande parte da sociedade, sem realizar o amplo e necessário debate público.
Há uma questão incontornável: a volta às aulas presenciais, na prática, soterra qualquer tentativa de manutenção do isolamento social. E o faz sem que se realize testagem em massa para fazer a busca ativa dos novos casos ou que sejam implementadas novas medidas para tentar inibir o contágio. Em suma, é uma temeridade.
Não podemos conceber que São Paulo, cidade que tem 225 mil pessoas infectadas e quase 10 mil vidas perdidas, queira retomar as aulas sem controlar a pandemia. O ano letivo pode ser recuperado, as vidas, não.

8 comentários:

Anônimo disse...

Isso se chama controle populacional.

titia disse...

Todas as mães sensatas e que amam os filhos com certeza vão mandar um dedo do meio pra lei e manter os filhos em casa. As que mandarem os filhos pra escola deviam perder a guarda de imediato. E esse tipo de irresposabilidade governamental devia ser desaprovada com coquetéis molotovs.

Anônimo disse...

Elika Takimoto carimbou magistralmente o que digo aqui em outras palavras: volta às aulas no meio/auge de pandemia é ensinar anti-ciência; é induzir ao desprezo pelo conhecimento e pela vida; é o contrário de educar. Educação se faz sobretudo ao dar exemplo.

Anônimo disse...

Engraçado vc n ter mencionado os pais titia kkkkkk

Anônimo disse...

titia, o buraco é bem mais embaixo, nao se pode colocar mais esse fardo de ser taxada se irresponsável por mandar o filho para a escola nos ombros das maes (que falou em maes e nao em pais foi você…).
Moro na Alemanha e aqui ficamos "só" 3 meses com os meninos em casa. Foi bem complicado trabalhar e cuidar de crianca ao mesmo tempo, pelo menos sao dois e estao numa fase que brincam muito mais que brigam. Ainda tivemos a grande sorte que eles estao no jardim de infancia, logo nao tinha matéria nenhuma a aprender. Foi um esforco grande limitar a 1h de telas por dia.
O que ninguém está falando é que nao é só a matéria e o ano letivo, é todo o desenvolvimento social, afetivo e cognitivo da crianca que fica seriamente prejudicado com o isolamento. Crianca precisa de outras criancas. Meu mais velho de 6 anos estava comecando a ser muito afetado pela privacao de contato com outras criancas, chegou a nem querer mais sair de casa (tinhamos uma rotina de sair todos os dias pro pátio do prédio, andar de bicicleta ou ir brincar num mato aqui perto de casa).
Acho que antes de terem reaberto comércio nao essencial, academia e o escambau tinham que ter reaberto as escolas com mini turmas de preferência ao ar livre (nem que cada crianca fosse apenas algumas horas por alguns dias no mês) e colocando servico de transporte pros professoes e funcionários (um mínimo de pessoas), cuidado de emergencia pros filhos deles (bom, tb tinha que ter cuidado de emergencia para trabalhadores de servico essencial, principalmente maes solteiras - como foi aqui desde o início) além claro de todos os procedimentos de higiene.
Agora do jeito que está no Brasil, na grande maioria dos lugares nao se tem a menor condicao de se reabrir absolutamente nada.
Muito triste tudo isso, muita irresponsabilidade governamental no meio de uma tragédia anunciada.
Sds
Elisa

Jaime Guimarães disse...

Lola, sou professor e tudo o que eu penso sobre a insanidade de se cogitar o retorno às aulas em meio a uma pandemia descontrolada já escrevi e desenhei em meu blog - seria uma honra a sua visita, aliás.

O que mais me chama a atenção neste debate sobre a reabertura das escolas é a invisibilidade dos professores. Pessoas de diversos setores dão os seus pitacos e opiniões sobre o assunto: economistas, políticos, empresários, etc. Mas as palavras dos professores não são levadas em consideração. Nós que estamos diariamente no chão da escola sabemos muito bem que os tais protocolos de cuidados e prevenção ao coronavírus NÃO FUNCIONARÃO NA PRÁTICA. Para começar, muitas escolas públicas sequer terão condições de implementarem os protocolos devido à infraestrutura precária. No chamado "novo normal" (que não passa de uma acomodação ao sistema) precisaremos de nova estrutura, mais funcionários e materiais de EPI constantes. Porém, não há a menor possibilidade de retorno enquanto a transmissão do vírus não reduzir drasticamente, pelo menos - e nem isso é garantia de segurança nas escolas. Se em países mais sérios e disciplinados no trato à pandemia como Coreia do Sul e França várias escolas tiveram que fechar as portas após poucos dias da reabertura, o que será neste Brasil desgovernado e indiferente à tragédia de mais de mil mortos diariamente pela covid19, mas que comemora a reabertura de shoppings e tenta normalizar tudo pelo o que estamos passando?

Devo lembrar um aspecto: quando falamos em "comunidade escolar", estamos falando não apenas de alunos e professores, mas dos funcionários da escola, dos gestores, dos comerciantes ao redor do prédio escolar (papelarias, por exemplo), transporte escolar e, claro, os pais dos alunos. Vejam quantas pessoas envolvidas nessa comunidade; vejam o potencial de transmissão do vírus com tantas interações diárias.

O ano letivo já está comprometido e vários secretários de educação falam em "reposição de aulas e de conteúdo". Coisa de gente que não sabe e não entende do riscado. Temos neste momento muitos professores se desdobrando em simulacros improvisados de EAD enquanto tentam equilibrar os demais afazeres dentro do isolamento - e quem sofre muito mais são as professoras mães solo. O nível de estresse e ansiedade é elevado e pouco ou quase nada se fala sobre o apoio psicológico e emocional a esses professores e professoras. O retorno presencial às escolas terá aulas aos sábados, sem férias e feriados. Infelizmente é algo muito duro a ser dito,mas é preciso: se a covid19 não afetar os professores, certamente o burnout e demais complicações psicológicas afetarão. Os alunos que retornarem também precisarão de apoio emocional.

As perspectivas da reabertura das escolas não são das melhores. Como bem dito pelas redes sociais,conteúdos se recuperam; vidas, não. Retornar às escolas neste cenário de pandemia é jogar a roleta russa e o que está em jogo é a vida das pessoas.

Grato pelo espaço e desculpa o longo desabafo.

titia disse...

Admito que dei uma bola fora, sim, os pais devem ter cuidado também. Mas só pensei na smães porque, na prática, são as mãos quem cuidam dos filhos, sozinha. Os machos provavelmente nem usariam máscara pra sair se não fossem obrigados por lei,q aunto mais se preocupar com a saúde dos filhos.

05:44 sinto muito pelo seu filho, mas esse é um dos ônus de se ter filhos. Não há o que fazer, porque se sair a criança corre o risco de morrer e é pros pais que via sobrar lidar com o problema.

Anônimo disse...

Crianças estão sendo doutrinadas em uma ideologia que ensina que meninas que gostam de "coisas de meninos" são na realidade meninos, e meninos que gostam de "coisas de meninas" são na realidade meninas. Essa política não tem nada de "progressiva". Ela é totalmente regressiva, sexista, misógina, desumanizadora, enganadora e delusional.