Tássia Veríssimo é produtora editorial (UFRJ) e mestra em Literatura Brasileira.
Trabalha na Assessoria de Comunicação do Arquivo Nacional, além de escrever para a revista Kurumat'á e para o jornal Sul Fluminense Notícias. Uma carioca amante dos pinguins e dos abraços apertados. Fiquem com ela!
Poucas coisas incomodam mais a sociedade do que a mulher que transa. Se gozar, então, pior ainda. Apesar de sermos sexualizadas desde cedo, não é visto com bons olhos que essa sexualidade seja usada a nosso favor. Devemos emular um comportamento sexy-pornô para satisfação masculina, mas não tomar as rédeas do nosso prazer.
E é muito fácil perceber isso. Quando numa discussão sobre aborto ou mesmo sobre formas dignas de parto e necessidade de se combater a violência obstétrica, a gente lê e ouve argumentos do tipo “na hora de fazer gostou, então aguenta”; “quem mandou abrir as pernas?”. Dói no fundo da alma quando eu vejo alguém –- principalmente uma mulher -– falar isso porque não passa de misoginia internalizada. É moralismo puro. É dizer que a nós cabe punição por transar. Se for fora do sagrado matrimônio é ainda pior. Engravidou do peguete aleatório? “Bem feito”.
Ninguém lista para os homens os métodos contraceptivos ou lhes diz que “na hora de comer foi bom, agora aguenta”. A eles é cobrado apenas o pagamento da pensão quando se vai para a justiça –- o que não acontece em todos os casos, principalmente quando a mulher é pobre e sem acesso a advogado particular. Se pegar a criança a cada quinze dias e postar foto em rede social já é considerado herói.
Percebem o duplo padrão de julgamento social? Os homens podem transar livremente, com quantas quiserem e inclusive abrir mão da camisinha sob o argumento de que incomoda o prazer deles. As mulheres devem transar com o mínimo de caras possível e a elas cabe o “se cuidar” pra não engravidar, o que geralmente significa entupir o corpo de hormônios e lidar com as consequências disso na saúde e na libido. E ainda correr o risco de pegar uma doença.
Num mundo igualitário a contracepção e criação dos filhos seria algo compartilhado de fato. O prazer feminino e masculino estaria no mesmo patamar de importância. No mundo que temos hoje resta a nós mulheres, enquanto classe, o ônus da contracepção, da gravidez compulsória, da maternidade solo. O fardo é pesado e somos nós por nós. Isso não é sobre mim ou sobre você. Não é sobre os companheiros maravilhosos que algumas temos. Precisamos pensar no macro. Não julguemos a coleguinha. Cada uma sabe o abacaxi que descasca todo dia para ser mulher num mundo de homens.
Sou professora da UFC, doutora em Literatura em Língua Inglesa pela UFSC e, na definição de um troll, ingrata com o patriarcado. Neste bloguinho não acadêmico falo de feminismo, cinema, literatura, política, mídia, bichinhos de estimação, maridão, combate a preconceitos, chocolate, e o que mais me der na telha. Apareça sempre e sinta-se em casa. Meu email: lolaescreva@gmail.com. Meu Twitter também é movimentado. Agora tenho um canal no YT, o Fala Lola Fala. Te vejo lá também!
6 comentários:
Verdade. Qualquer coisinha, uma mulher já é chamada de puta, inclusive por outras mulheres. A gente cresce com isso.
Maravilhoso! 👏🏻👏🏻👏🏻
É bem desse jeito que acontece.
Pior que o texto é antigo, mas continua atual... Nada mudou.
E continuará atual pra sempre...
Desejo ou constatação?! 🤔
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