quinta-feira, 4 de abril de 2019

VAMOS APRENDER A NOS VALORIZAR

"Eu não trabalho de graça", do Vida de Hipster

Só vi hoje um excelente vídeo da sempre maravilhosa linguista e YouTuber Jana Viscardi em que ela reflete sobre o valor do nosso trabalho.
Ela começa falando sobre um problema frequente de um recém-doutor: onde conseguir emprego (e, claro, nem precisa ser recém-doutor). Os que acabam buscando emprego em faculdades particulares costumam ser muito explorados. É comum uma instituição privada pegar seu nome pra cumprir algum requerimento (mínimo de doutores, por exemplo), e assim que passa a fiscalização -- tchau, doutor!
Eu nunca passei por isso, pois tive a sorte de ser aprovada no primeiro e único concurso que fiz na vida, que foi pra Universidade Federal do Ceará, em 2009. Mas conheço um monte de gente que sofreu e ainda sofre na mão de empresas que buscam apenas o lucro.
No entanto, Vana continua tratando de um tema que deve até ser lugar comum pra quem tem blog, vlog, canal no YouTube, qualquer coisa. É bastante rotineiro receber convites pra gente dar destaque no nosso canal pra alguma empresa. Em troca, ganhamos o quê? A chamada "visibilidade". 
(Agora lembrei do ilustrador Di Vasca, que escreveu várias vezes, sempre de forma hilária, sobre os pedidos que recebia para fazer desenhos e logotipos de graça pra empresas em troca de visibilidade). Eu costumo ignorar esses pedidos. Nem respondo.
Na Casa TPM em 2013:
sem cachê
Mas e quando alguém te chama pra dar uma palestra? Nos últimos anos, tenho participado de centenas de eventos por todo o país. Quase sempre não cobro nada, exceto transporte, hospedagem, alimentação. Não gosto muito disso, mas como a maior parte dos convites vêm de universidades públicas, e eu faço parte de uma universidade pública, sei como a falta de dinheiro é crônica. Mas já dei várias palestras grátis para faculdades particulares também, principalmente quando o convite parte de coletivos feministas ou de centros estudantis.
De sindicatos eu tento cobrar alguma coisinha. Outro dia recusei um convite para palestrar num sindicato em Vitória. Eu queria aceitar, até porque não conheço o Espírito Santo.  Mas me senti mal com a ideia de que eu provavelmente seria a primeira palestrante da história do sindicato a não cobrar. Como era pra falar sobre feminismo, ativismo, as pessoas têm a ideia de que cobrar pelo seu trabalho seria ganância, que você deve fazer isso como missão na vida. É ridículo. Afinal, ativistas também têm contas a pagar, como qualquer outra pessoa.
Em fevereiro, recebi um convite para palestrar numa grande empresa de comunicação no Ceará no dia 8 de março. Já achei estranho porque a empresa queria ter reuniões comigo pra detalhar como seria a palestra. Antes de prosseguir com a conversa, perguntei, sem jeito (sou péssima pra isso, mas me contaram que o Tom Jobim, um gênio, costumava perguntar "Tem uma graninha aí?"), se haveria algum tipo de cachê. A moça me respondeu que não, que a empresa não tinha pensando nisso. Eu disse que dar palestra de graça pra universidades e escolas públicas era uma coisa; pra empresa particular super lucrativa, era outra. Ela me pediu pra mandar um orçamento, eu mandei, bem baixinho, e a empresa nem respondeu.
Isso me lembrou uma outra exploração. Aconteceu há alguns anos e eu honestamente não lembro em que cidade de Minas Gerais foi. Pelo jeito, minha mente fez questão de apagar. Mas fui convidada para participar de uma bienal do livro naquela cidade. Eu, que sou uma besta que não se valoriza, nem perguntei sobre cachê. Aí veio o primeiro erro: me esqueceram no aeroporto! Vocês acham que esqueceriam alguém que eles tivessem contratado? Nunca! Mas como era a feminista que não cobra nada, me deixaram três horas plantada no Galeão (iriam me levar de carro do Rio pra MG). 
Depois da minha palestra na bienal, conversando com outros escritores (a maior parte mais desconhecidos do que eu), vi que todos haviam cobrado cachê, menos a otária aqui. Enviei um email pra organização, manifestando meu desagravo, e me pediram desculpas, prometendo que corrigiriam a injustiça numa próxima bienal. Preciso dizer que nunca mais ouvi falar deles?
O pior, como lembra a Jana, é que muitas vezes esses convites pra gente, feminista, ativista, palestrar de graça vem de empresas que dizem que querem empoderar mulheres. Não podiam começar valorizando as palestrantes feministas que chamam, e pagar algum tipo de cachê? Afinal, podem ter certeza que o coach que eles chamam para palestrar e o humorista que eles chamam para animar o auditório não vão lá por amor à causa. 
E vocês, pessoas queridas, têm histórias parecidas? A Jana contou que o vídeo dela gerou um monte de trocas de experiências. Contem aqui também!

22 comentários:

Anônimo disse...

Lola, toda minha solidariedade a você. Ninguém, repito NINGUÉM trabalha de graça, nem relógio.

Fiquei mais sensibilizado com o caso de terem dado cache pra todos os outros palestrantes, menos pra você. Isso me fez lembrar também do caso do cantor lobão, na época que ele era militante petista, ele sempre fazia shows de graça para o PT, acreditava na causa. Ele foi se decepcionando aos poucos com os escândalos de corrupção, mas se sentiu realmente traído quando descobriu que o PT pagava altos caches para outras bandas impulsionarem o partido. Pagava pra todo mundo, menos pro Lobão.

Enfim, vivemos num mundo em que não podemos fazer o papel de idiotas, estou falando sério, pois pior do que trabalhar de graça é ser feito de IDIOTA.

Alan Alriga disse...

Lembrei de uma matéria do Programa da Sabrina, onde ela visita o Marrocos; quando ela ia mostrar as lojas locais, ela descobre que os donos das lojas COBRAM para você poder filmar as lojas deles. Imaginem vocês serem cobrados para fazerem propaganda a nível mundial de GRAÇA.

Outro caso eu li em uma revista sobre informática uns anos atrás, onde o dono da revista conta como começou a sua carreira profissional como técnico de informática, que na época só se tornava um fazendo faculdade e não como hoje onde você encontra "técnicos" de cursinhos de 2 meses. Pois bem, em um desses relatos ele conta como foi maltratado por um dono de loja de construção por simplesmente mostrar quanto seria o orçamento para refazer todo o cabeamento monstruoso da loja, coisa que ele e sua equipe levaram duas semanas somente para mapear todas as dezenas de junções erradas e mal feitas, o dono da loja simplesmente queria que ele fizesse o trabalho de graça, e em troca ele poderia deixar 200 cartões de visita na loja e quando alguém comprar algo o caixa grampearia o cartão no recibo de compra.

O outro caso era a diferença do valor pelo mesmo serviço entre ele e um técnico da Apple que cobrava quase 600% a mais, mas o cliente reclamava da miséria que ele cobrava, afinal técnico de informática de verdade eram somente da Apple.

Mídia Santa Marta disse...

Força Lola! Sempre juntos.
Passei so para dizer que eu e minha esposa estamos torcendo por você.
Ela é sua fã 😋😀

Anônimo disse...

"A revolta de Atlas" é o titulo de um livro de Ayn Rand. E dos muitos pontos que o livro aborda, é justamente um deles que a Lola descreveu muito bem.

Há um trecho que diz que o dinheiro é o grande invento da humanidade, que permite que haja a troca de valores entre os homens, por meio da razão, e que o homem seja recompensado pelo valor que produz.

Ela ensina também que cada indivíduo é um fim em si mesmo, não devendo sacrificar suas vidas por outros, nem sacrificar os outros por si.

Lori disse...

É muito difícil encontrar um meio termo mesmo. A gente quer que as vozes feministas sejam amplificadas mas até quando as feministas devem fazer isso de graça? Tava vendo no twitter vc comentando sobre fazer outro livro, de repente se tiver livros pra levar pra vender nas palestras pode ajudar. Nem que fosse um compilado do seu blog mesmo. Beijos

Bela disse...

Lola, seu relato me fez pensar em como temos que avançar ainda. Essa semana comecei a trabalhar e estou bem feliz. Uma empresa boa, salário e ambiente bom. Sou mulher, mãe e imigrante e passei muito perrengue para conseguir trabalho, principalmente porque me valorizo como profissional. A agência onde estou agora pertence a duas muelheres, mães, e meu chefe é um cubano (moro bom Chile, então, ele e imigrante como eu), separado e país de duas meninas, então, acho que eles têm mais empatia. Cobre mesmo! Se valorize. Só assim a gente vai mudar as coisas aos poucos. Bj

Guidi disse...

Oi Lula, como musicista esta é a regra, quase: ué, você vai cobrar para tocar?
É como se algo, por ser prazeroso, não pudesse ser remunerado.
Exatamente porque um músico toca/canta com prazer e alegria é que ele pode fazer um bom show no evento.
E a falácia da visibilidade é utilizada no meio musical a torto e a direito. Nunca chegará o momento de receber, se você entrar nessa. O processo de procura de visibilidade será infinito.
Adorei o texto. Beijos

Anônimo disse...

Critica o capitalismo, mas faz textão falando que quer trabalhar de graça pela causa. Tá "serto"!

Tatiana disse...

Lola, valorize-se. Já passou da hora de colocarmos o nosso feminismo em prática. Anos de estudo tem que ser recompensado.
Isso me chama a atenção para a "Síndrome da Impostora" a gente realmente acredita que não vale, ou não pode cobrar. Vamos mudar isso.
Beijos adoro seu Blog e acompanho a muito tempo.

Bruxinha disse...

Que saudades do Divasca!! já ri muito com ele. Memória afetiva vc trouxe agora, Lolinha!

Anônimo disse...

Percebam que as empresas sabem do valor que a palestra tem para os funcionários e para a imagem da empresa, mas acham que não tem que pagar?
Nós mulheres temos que perceber o valor que temos, o feminismo e poderá as mulheres neste sentido, por isso em geral é tão combatido.

Marina disse...

A lá mais um q acha q criticar o capitalismo significa fazer voto de pobreza!
Um dos problemas do capitalismo (relacionado com o texto)é a propriedade privada dos meios de produção, q faz com q muitos trabalhem e ganhem pouco, pra poucos que não trabalham nada, ganhem mto.

Vai estudar 09:24!

Anônimo disse...

Não tenha vergonha de cobrar o que você acha justo pelo seu trabalho e pelo produto do seu intelecto.
Por ser algo imensurável, as vezes ficamos com vergonha de pedir.
Nunca exerci realmente a profissão de advogada, pois sou impedida devido ao meu cargo, mas é tão comum as pessoas pedirem palpites jurídicos, consultoria mesmo, e se sentirem ofendidas por serem cobradas! tem gente que reclama até de pagar honorários depois de uma causa ganha!
É o fim. Cobrem. Valorizem o conhecimento de vocês.

Alícia

Anônimo disse...

Tem alguns comunistas que nem disfarçam o quanto gostam de dinheiro.

Anônimo disse...

Sorry, o cert é .... o feminismo empodera as mulheres.... Este meu corretor automático tá problemático

Cão do Mato disse...

A faculdade em que eu dou aula foi comprada por um desses grupos internacionais que atuam na "área da educação"...como não podem reduzir o valor da hora-aula, adivinha o que fizeram: reduziram a carga diária de 4 para 3 horas-aula...e claro que o valor da mensalidade continua o mesmo. E o mais hilária é que instituíram um plano de carreira...kkkkk...oi seja, depois de alguns anos preenchendo uma cacetada de requisitos, talvez eu volte a ganhar o salário que eu ganhava há dois anos...

Lola Aronovich disse...

Nunca poderia imaginar q vc é professor universitário, Cão do Mato!

Cão do Mato disse...

Lola, isso foi um elogio? Acho que não, né? Rsrsrs...É que a minha área é Exatas (Engenharia). A gente costuma mesmo ser meio tosco com relação a pautas progressistas, diferentemente do pessoal de Humanas (voce ficaria de cabelo em pé se ouvisse a conversa dos meus colegas na sala dos professores...). Já fui bem pior e tenho procurado melhorar a cada dia. Mas sempre acontecem "recaídas"...

Giovana Machado disse...

É uma inversão de valores gritante. Temos muito a aprender sobre como tratar os outros. Empatia é a palavra-chave.
beijo, Lola <3

Anônimo disse...

Tem que cobrar, Lola. Porque além de ser o mínimo a se fazer, afinal você vai palestrar e é de praxe no mercado que se cobre pela palestra, o fato de não cobrar, acaba por criar um mercado em que empresas que chamam para palestrar sobre feminismo, lutas antirracistas e anti-LGBTQfóbicas, acabam por criar uma cultura de quando chamar palestrantes para falar sobre tais assuntos, não cobrarem nenhum valor. Se você cobrar, quando for chamada, e outros ativistas também forem chamados, as empresas já saberão que devem pagar. A lógica, no sentido mercadológico, é essa.

Anônimo disse...

Queridon: por mais que as pessoas façam críticas ao sistema capitalista, elas vivem nele e precisam sobreviver; então a lógica errada é a tua, bjooo

Anônimo disse...

A bienal que ofereceu cachê para os outros escritores e não ofereceu apenas para você? Ou os outros escritores que não foram otários (sem ofensas, você mesma se auto intitulou assim) e informaram o próprio cachê logo no primeiro contato?

São duas situações diferentes, a primeira é discriminação e a segunda é a falta de valorização que você mesma dá ao seu trabalho.

Se você não estabelece um preço pelo seu serviço em um primeiro contato e em nenhum contato posterior, pressupõem-se que irá fazer de graça. Qualquer empresa vai pressupor isso...