Por incrível que pareça, "BR" foi mal recebido por vários críticos americanos, e ainda hoje há quem torça o nariz pra ele. Aqui no Brasil, é difícil encontrar quem não o considere uma obra-prima. Pra mim, não dá pra fazer uma lista dos melhores filmes de ficção científica sem incluir "BR". Claro que podemos discutir se este clássico recente é ficção mesmo ou se chega mais perto das histórias de detetive da década de 40. Digamos que seja um futurista noir, como nunca se fez outro.
A trama se passa numa Los Angeles chuvosa, feia, poluída, sem o menor resquício de natureza, num futuro não tão distante: 2019. Daqui a quantos anos mesmo? Nesses tempos, teremos carros voadores e colônias terrestres em outros planetas. Construiremos andróides pra trabalhar nas colônias feito escravos, e nossa vasta tecnologia criará diversos tipos de replicantes. Mas daremos uma efêmera existência de quatro anos a esses andróides e embutiremos neles falsas memórias de uma infância que nunca tiveram. Tudo isso pra impedir que comecem a fazer aquelas perguntinhas básicas: de onde vim? Para onde vou? Por quanto tempo? Qual minha finalidade nesse mundo? Alguns andróides se rebelam e voltam pra Terra. Querem conhecer seu criador e ter a resposta pra essas questões. Cabe a um ex-policial desiludido, interpretado pelo Harrison Ford, localizar e eliminar esses replicantes implicantes.
O filme é baseado num livro do Philip K. Dick, "Do Androids Dream of Electric Sheep?", algo como "Andróides Sonham com Carneirinhos Elétricos?". O romance mostra uma civilização desoladora, em que só milionários terão animais de verdade, tão raros que são caríssimos. O resto da população terá de se contentar com bichos sintéticos. Na mesma linha pessimista, vem também de Dick a fonte pros ótimos "Minority Report – A Nova Lei" e "O Vingador do Futuro". O homem tá com tudo. Pena que tenha morrido poucos meses antes do lançamento de "BR" e não pôde usufruir da sua fama cada vez mais crescente. Não me lembro se nos livros dele transparece essa fixação por olhos que existe nos filmes. É impressionante como tem olho focalizado em "BR". Tem olho congelado, olho de coruja, olho que salta das órbitas...
Quando o diretor Ridley Scott (que vinha de "Alien") acabou de montar "BR", o estúdio não gostou. Então os senhores de terno forçaram o Harrison Ford a gravar uma narração e mudaram o final – a derradeira seqüência vem de sobras de "O Iluminado" e, de fato, não tem nada a ver com o clima. Ridley lançou sua versão do diretor em 93 e ela é bem legal, cheia de nuances (talvez o detetive seja um andróide também), mas espero não ser linchada ao afirmar que prefiro o filme de 82. Pessoalmente, adoro a narração do Ford. Ela é tão displicente, tão abertamente descontente, que dá um ar ainda mais vagabundo a "BR", jogando-o definitivamente no noir. E o personagem do Ford é tudo menos heróico. Apanha de todos, é meio covarde, só funciona empunhando uma arma, e está constantemente assustado. Ou seja, é mais humano que os super-heróis a que estamos acostumados. Ford está perfeito. Ele era meu velho conhecido: eu já havia me apaixonado por ele em "Caçadores da Arca Perdida". Mas conhecer o holandês Rutger Hauer (o líder dos andróides) abalou meu coração fiel. Só eles já são dois motivos mais que filosóficos pra ver ou rever o bárbaro "BR".
Um comentário:
Boas falas, boas falas Doutora... seu blog é ótimo, parabéns. Vejo Blade Runner periodicamente, minha esposa fica louca por causa disso. Daí pergunto pra ela "Se quiser a gente vê um filme mais recente, tipo velozes e furiosos - operação Rio"... isso sempre encerra o assunto, hehehe...
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