O 2o Catarina Festival de Documentário, que aconteceu entre 13 e 18 de agosto, foi maravilhoso. Tudo bem, esta é a opinião de alguém que foi convidada pra participar de dois júris (foi a glória!), então é claro que é subjetiva. Como, aliás, toda opinião. Mas se você perdeu o festival, você não sabe o que perdeu. Foram vários dias de intensa exibição de curtas brasileiros em Balneário Camboriú. A escola foi ao cinema, visando a formação do público que a gente tanto precisa; houve debates, homenagens, entrevistas, balcões de negócios – um evento de grande porte mesmo, super bem organizado pela Araucária Produções. E tudo praticamente de graça pro espectador. Digo “praticamente” porque todo dia, às 21 horas, havia uma mostra oficial que passava todos aqueles filmes de dar água na boca que o circuitão de SC insiste em não passar. Teve “Edifício Master”, “Ônibus 174”, “Uma Onda no Ar”, “Durval Discos”, “Desmundo” e “Cidade de Deus”. O preço da entrada? Três reais, e a renda ia pra projetos sociais.
Infelizmente, não deu pra ficar lá a semana inteira, e só pude ver um décimo do que o Festival oferecia. Vou falar do que vi, deste décimo. Mil perdões por não tratar da mostra de vídeos, mas não tive tempo de vê-los. Então, a mostra dos filmes documentários: foram doze curtas, e eu só não gostei de dois. Os outros realmente eram de ótima qualidade. O que eu mais gostei foi “Rua da Escadinha 162”, de Márcio Câmara, do Ceará. É sobre um colecionador de discos que discorre sobre tudo e contra todos – sobra pro Cinema Novo, MPB, museus, críticos... Por exemplo, uma das dezenas de provocações que ele faz é dizer que a classe média sempre foi preconceituosa (isso a gente já sabia, né?) e que, na década de 30, ela chamava o povo de Zé Povinho. Hoje ela usa o famoso “povão” pra designar a plebe ignara. A gente pode não concordar com o colecionador, mas ele não deixa de ser um personagem fascinante. Cinematograficamente falando, lógico, o filme não apresenta inovações, e por isso só levou o prêmio de melhor som. Tudo que o cineasta precisou fazer foi encontrar uma figura incrível e ligar a câmera. Mas, pensando bem, quantas figuras incríveis você conhece?
Os filmes que conquistaram o júri foram dois: “À Margem da Imagem” e “Visionários”. O primeiro, de Evaldo Mocarzel, de SP, levou melhor filme, roteiro e montagem, e é quase um metadocumentário sobre pessoas que vivem na rua e que são filmadas e fotografadas constantemente, a maior parte das vezes sem sua permissão. A cena em que esses moradores se olham no espelho, através da lente da câmera, é comovente. Sabe olhar-se no espelho, essa coisa que você e eu fazemos várias vezes ao dia sem reparar? Pra quem não tem casa isso é uma raridade. Este documentário também foi o vencedor do prêmio do público. O segundo filme, que recebeu o prêmio da crítica e também melhor direção e fotografia por parte do júri, é “Visionários”, de Fernando Severo, do Paraná, e mostra santuários construídos por dois sujeitos, já falecidos, para se protegerem do apocalipse. Um deles montou estátuas que, pra mim, lembram os Guerreiros de Xi’an. Tá tudo lá, no norte do PR, sendo destruído pelo tempo e pelo homem, só pra variar.
Outro documentário muito legal, que a gente não premiou por pouco, foi “Vaidade”, de Fabiano Maciel, RJ. Este exibe a venda de produtos da Avon no meio do garimpo paraense, e como isso interfere na auto-estima do pessoal. Uma das entrevistadas faz coro à maioria das menininhas dos shoppings: ela diz que preferiria estar morta a ser feia e passar desapercebida. Outro documentário, pra qual o júri deu um prêmio especial, foi “O Chiclete e a Rosa”, de Dácia Ibiapina, do DF, sobre crianças em Brasília vendendo doces e flores à noite. É um olhar bem otimista e, por isso, original.
E agora pausa pra pergunta crucial: como fazer com que esses belos filmes cheguem até você? Esse foi um dos temas do Encontro dos Críticos, que contou com vários jornalistas importantes de SP e RJ, euzinha aqui, e a contribuição valiosíssima de produtores e diretores. O debate começou morno, já que o público preferiu curtir o sol da manhã de domingo a prestigiar o bate-papo, mas acabou com uma platéia de umas 25 pessoas interessadas e interessantes. Foi muito, muito bom. Voltando à pergunta crucial: não seria lindo se os nossos cinemas, aqueles que não cumprem de jeito nenhum a exigência de passar 28 longas brasileiros por ano (e, quando finalmente se dão ao luxo de exibir um filme nacional, ele fica em cartaz uma semana, caso de “O Homem que Copiava” em Joinville), adquirissem esses e outros curtas e os exibissem antes das explosões e os rachas hollywoodianos da sessão principal? Melhor que isso, só se o circuitão se mexesse agora e tomasse essa atitude antes que alguma legislação o obrigue. E as TVs pagas e abertas, por que não passam os nossos filmes? Ué, elas não são concessões públicas que, além de entreter, deveriam promover a integração nacional e, paradoxalmente, o regionalismo?
Uma das observações mais pertinentes foi feita pela Cloris Ferreira, diretora geral do Festival. Ela quis saber onde estava o público. Mesmo com ampla cobertura da mídia, principalmente deste caderno aqui, o espectador não compareceu como deveria. De fato, onde estavam os universitários? Sabe, o pessoal que estuda jornalismo e cinema? Quando os filmes que eles fizerem forem exibidos em festivais (a Univali tem graduação em cinema, e agora a UFSC também), aposto como eles vão querer que alguém assista. Acho que já passou da hora do público pensar que filme brasileiro é sinônimo de pornochanchada e de miséria, ou que documentário é chato. Quem pensa assim provavelmente não vê um filme nacional faz tempo. Chega de preconceitos. Espero que ano que vem aconteça outro Festival, e que você, que deu o azar de faltar neste, possa ir. Insista, Cloris!
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