quarta-feira, 31 de outubro de 2012

O EMPRESÁRIO E O DECLÍNIO DOS CLASSIFICADOS PESSOAIS

Vasos redondos vem em vários formatos

Semana passada Carlos Brito (agora sabemos seu nome) chamou a atenção depois de gastar entre 15 e 24 mil reais colocando um anúncio enorme num jornal carioca: “Empresário, posição social elevada, separado, procura moça de ótima aparência, de 30 a 40 anos, para relacionamento sério. Carta com foto de corpo inteiro”.
Não sei por que esse fato corriqueiro atraiu holofotes. Tirando a quantia investida, é o que chamamos de classificado pessoal. É bem provável que, com a internet, a popularidade desse tipo de anúncio tenha despencado. Mas Carlos não participa de nenhuma rede social.
Pelo jeito, um anúncio desses não gera mais o sucesso de outrora. Afinal, Carlos recebeu apenas cinco cartas, e uma delas era um folheto imobiliário. A resposta foi tão pífia que o empresário decidiu mostrar a cara, crente que isso aumentará suas chances. Uma nova entrevista permitiu que uma jornalista sapateasse sobre ele. A própria chamada já parece trollagem. Mas não estou reclamando: adorei a impaciência da repórter. Ela jogou a suposta neutralidade (que não existe) às favas.
Não é fácil ser respeitosa com Carlos, que declara que, no campo “espiritual”, quer “dar toda aquela segurança que toda mulher pretende”. E que diz que gosta do “tipo modelo” (só ele! é só seu gosto pessoal), tipo Gisele, Juliana Paes ou Ivete Zangalo. E que afirma: “Eu só detesto gordura. Contratei uma decoradora para meu novo escritório e só pedi a ela que não me traga aqueles vasos redondos. Não gosto da forma” (ele quer uma esposa ou um vaso?). E que exige uma mulher entre 30 e 40 anos, ao mesmo tempo em que se nega a revelar sua idade, porque o importante mesmo, pra ele, “é a idade mental”. Então uma mulher de 70 anos (que deve ser a idade dele, pra mais) mas com uma mentalidade de 30 tem chances com ele?
Antes de continuar, quero deixar claro que, apesar de achar graça nas besteiras que o pobre Carlos fala, na minha opinião ele tem todo o direito de só querer mulheres jovens e magras. Não considero necessariamente gordofóbico quem só se relaciona com magrxs, assim como não considero homofóbico quem só se relaciona com héteros. Só acho que as pessoas perdem oportunidades por terem visões estreitas.
Nesta entrevista, Carlos faz todos os rodeios possíveis para dizer que não gosta de mulheres “volumosas”, que é um termo melhor do que comparar mulheres a vasos redondos. Gosto, cada um tem o seu. O problema é que falta inteligência para entender que o seu, o meu, o nosso “gosto pessoal” não passa de uma construção social. Até rimou.
Também não vejo nada de errado em se valer de um classificado pessoal, ou de uma rede de encontros na internet, para se encontrar um amor. Hoje em dia cada vez mais gente responderá à pergunta “Como vocês se conheceram?” com “Na internet”. Conhecemos pessoas com quem nos relacionamos sexual e amorososamente através de amigos, no trabalho, na faculdade, em festas, em bares etc. Se a gente passa cada vez mais tempo na frente de um computador, nada mais normal que conhecer mais gente pela internet. É ridículo que ainda haja preconceito contra essa forma de conhecer pessoas.
Quando eu tinha vinte anos, por aí, ou seja, um quarto de século atrás, e muito antes da existência da internet, fiz um classificado pessoal (grátis, lógico, e acho que instigada pela minha irmã), pra saber como seria a resposta. Não lembro o que escrevi, mas não teve nenhuma mentira, nada que fugisse do que eu era e do que queria. Creio que recebi mais de cinquenta cartas no total. Durante meses chegaram cartas (já ouviram falar, né? Aquela coisa de papel, geralmente com envelope, que o carteiro traz). E fiquei impressionada com o número de cartas que vinham de... presídios. Taí uma coisa banal que ninguém nos diz: presos são pessoas solitárias que também sonham com o amor. Não lembro de ter respondido alguma carta, e muito menos de ter ficado com algum dos pretendentes. Mas fiquei surpresa com o alcance daquilo.
Muitos anos depois, como já contei a vocês, eu tive uma agência de casamento. E o mais interessante era que as moças mais jovens eram as que faziam menos exigências. Não se importavam se o candidato a namorado e futuro marido não tivesse bens materiais. E, pensando bem, os rapazes jovens, pelo menos quinze anos atrás, tampouco faziam grandes exigências. Mas depois dos 35 anos, não era incomum ouvir de mulheres, “Se ele não tiver carro, nem me apresenta”, e de homens, “Quero uma loira, alta, magra”.
Não que as mulheres com mais de 35 estivessem atrás de um cara rico. Elas estavam bem de vida. Mas exigiam alguém com um nível educacional semelhante aos delas. E não que todos os homens se preocupassem apenas com a aparência física. Acho que carinhosa aparecia mais do que bonita no topo da lista. E, de maneira geral, homens queriam mulheres mais jovens que eles. E mulheres, homens mais altos que elas.
Muito de vez em quando surgia alguém como o Carlos, um empresário bem sucedido de seus 70 anos procurando uma mulher entre 30 e 40. E olha, era difícil. As mulheres nessa faixa etária não estavam interessadas em caras tão mais velhos. Algumas, de 50 pra cima, até aceitavam conhecê-los. Mas não passava disso. O relacionamento não ia pra frente.
Isso de que homens permanecem irresistíveis para as mulheres até morrer é puro mito. Claro, um monte de mulher adoraria sair com o Sean Connery ou com o Clint Eastwood (ambos com 82 anos), assim como um monte de homem adoraria sair com a Sophia Loren (78 anos), ou mesmo com a Lauren Bacall (88 anos), mas isso só pelo gostinho de ter um caso com uma super celebridade que já povoou os sonhos de tanta gente. Com homens comuns não é bem assim. A falta de juventude pesa pra todos.
Adoro este trecho do romance Desonra, de J. M. Coetzee. O protagonista David Lurie, agora com 52 anos, professor universitário, divorciado, frequentador de casas de prostituição, se dá conta de que já não faz mais tanto sucesso entre as mulheres: “Se olhava para uma mulher de um certo jeito, com certa intenção, ela retribuía o olhar, disso tinha certeza. Era assim que vivia; durante anos, décadas, essa foi a base de sua vida. Um belo dia isso tudo acabou. Sem aviso prévio, ele perdeu os poderes. Olhares que um dia correspondiam ao seu deslizavam como se passassem através dele. Se quisera uma mulher, tinha de aprender a conquistá-la; muitas vezes, de uma forma ou outra, tinha de comprá-la”.
Não duvido nada que Carlos receba mais que as cinco cartas iniciais e acabe encontrando a candidata que deseja. Mas também imagino que, com a maior independência feminina, vai ficar cada vez mais difícil prum homem exigir uma namorada décadas mais jovem em troca de segurança financeira.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

GUEST POST: MULHERES, QUADRINHOS E MACHISMO

Leitora folheia gibis na GibiCon 2012, em Curitiba

O guest post criticando os cartazes da GibiCon gerou polêmica. Ontem a cartunista Pryscila Vieira, autora da personagem usada em um dos posters, exerceu seu direito de resposta (e a caixa de comentários virou um oásis de paz e amor. Fiquei comovida, serião).
Antes disso, uma leitora, Ana Luiza, deixou um excelente comentário no guest post. Sem saber quem ela era, pedi para que ampliasse o texto. Agora sei quem é: Ana Luiza Koehler, desenhista de quadrinhos para o mercado franco-belga e ilustradora científica. Ela é de Porto Alegre, tem 35 anos, e mantem este lindo site. Fiquem com o relato de uma pessoa da área e que participou, como convidada (assim como Pryscila), da GibiCon.

Volto há pouco de minha participação como autora de quadrinhos na GIBICON 2012, para a qual tive a honra de ser convidada, juntamente com outras tantas autoras. Evento, aliás, que me permitiu a oportunidade e total liberdade de expressar meus pontos de vista sobre a complicada relação das mulheres com as histórias em quadrinhos.
Tenho de dizer que não posso voltar de lá com outro sentimento que não o de grande esperança de mudança e felicidade pelo que vivenciei: tive meu trabalho exposto ao lado de outros autores excelentes, pude gravar um podcast a respeito do tema “Mulheres nos Quadrinhos”, vi tantas outras autoras participando do evento como convidadas e como visitantes (Lu Cafaggi, Cristina Eiko, Isabel Kreitz, Pryscilla Vieira, Sônia Luyten, Cris Peter, Bianca Pinheiro...) e ainda as leitoras e fãs que compareceram a praticamente todos os momentos em que estive lá. Assim sendo, não tenho como não sair muito agradavelmente impressionada pela crescente participação feminina nesse universo. Devo também lembrar que um painel sobre a atuação das mulheres nos quadrinhos lotou completamente (a ponto de nem eu mesma conseguir entrar!) o auditório montado na Serraria na edição de 2011 do FIQ-BH (Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte).
Sobretudo, participei de um debate entitulado “Mulheres nos Quadrinhos”, juntamente com a cartunista Pryscila Vieira, criadora da personagem Amely, que ilustra um dos cartazes do guest post das Feministas Independentes de Curitiba. Nossa conversa foi mediada por uma pioneira na pesquisa acadêmica sobre quadrinhos, a profa. Dra. Sônia Maria Bibe Luyten, a quem muito devemos não só pelas publicações, pela profundidade do olhar crítico que joga sobre os quadrinhos, mas também pelo seu esforço de fazê-los respeitados como um meio de expressão de grande importância. A sala do SESC Paço da Liberdade que nos foi reservada estava praticamente lotada -– pasmem -– de um público em sua maioria masculino. Tivemos uma intensa conversa de duas horas em que pude perceber um grande interesse de todos os participantes em aprofundar o olhar tanto no papel da mulher como autora de quadrinhos como no modo como a mulher é representada nesta mídia.
Mulheres, mulheres... Em quase toda a entrevista que pude conceder até aqui, perguntas como “Como é ser uma mulher que faz quadrinhos?” ou “As mulheres fazem quadrinhos de forma diferente dos homens?” inevitavelmente figuravam na pauta. É da natureza do ser humano buscar expressar-se (cantar, dançar, pintar, jogar, pesquisar etc), independente do seu sexo. Pessoas são pessoas, independentemente de seu gênero ou orientação sexual, religião etc, e também vão querer cantar, pintar, dançar, escrever peças de teatro, fazer quadrinhos ou experimentos com aceleradores de partículas. A diferença está no que é culturamente oferecido e “permitido” a cada grupo fazer, pois nenhuma forma de entretenimento ou expressão cultural (RPG, cinema, games, quadrinhos, balé, futebol) é em si domínio exclusivo de determinado gênero ou grupo social.
Então por que esse tipo de pergunta nas entrevistas? Por que ainda somos minoria nesse universo? As obras que nos chegam aqui no Brasil (e aqui gostaria de excetuar o mangá, com sua vasta produção voltada para o público feminino, embora isso possa ser assunto para outro post) e nos são dadas a consumir são, em sua maioria, voltadas para dialogar com a fantasia masculina. Os quadrinhos, aliás, fazem parte de uma indústria de produtos de entretenimento (incluo literatura, cinema, jogos, música) feitos eminentemente por homens (heterossexuais e brancos) para homens (heterossexuais e brancos). E estamos, todos e todas nós, inundados de mensagens passadas por essa cultura.
Os quadrinhos buscam sim, majoritariamente, atingir a sensibilidade masculina, criando para ela uma fantasia de poder, aventura, conquista e romance que ao mesmo tempo reflete e alimenta aquilo que se espera dos homens na nossa sociedade: seres invencíveis e emocionalmente contidos, que devem buscar, a todo custo, relacionar-se com “o outro” (mulheres, negros, homossexuais, estrangeiros etc) através da dominação, da sujeição, e dificilmente de modo igual, lançando um olhar que busca antes de tudo desqualificar ou diferenciar “o outro” ao invés de vê-lo como um ser humano completo.
Isso se reflete nas representações que se vê nas obras de HQ mainstream que consumimos aqui: pode-se dizer que, à exceção dos personagens homens (heterossexuais e brancos), todos os outros grupos têm sua humanidade precedida pela característica “excepcional” que carregam: gênero, cor de pele, nacionalidade, religião etc. Enquanto aqueles são representados com uma gama muito mais vasta de tipos de personagens (velhos, jovens, bonitos, feios), a representação de outros grupos atem-se a clichês que pouco mudaram nos últimos séculos (a mulher “gostosa”, o negro “selvagem”, o asiático “lutador de kung-fu”, o muçulmano “terrorista”, o sul-americano “atrasado”...). 
Essa limitação tende a criar uma grande dificuldade de identificação destes outros grupos com os quadrinhos, e com as mulheres não é exceção: quando menininhas elas ainda têm o produto cultural que atende às suas expectativas, mais ou menos, na HQ infantil. Porém, depois que se tornam adolescentes ou adultas, desinteressam-se pois percebem que aquele produto cultural recomendado à idade delas (nem falo em gênero) simplesmente vira-lhes as costas, não mais buscando criar uma identificação tão forte quanto a que busca com o público masculino. É quase como estar conversando num grupo de pessoas e, de repente, todas as outras começam a falar numa língua estrangeira que você não entende. É inevitável ficar com o sentimento de que aquilo que você tem a dizer, a sua visão de mundo, não é mais tão importante assim para ser considerada. 
Acredito muito que representações fragmentadas, ou seja, que dão visibilidade e valorizam um grupo apenas por alguns poucos aspectos (no caso das mulheres, a juventude e a beleza, já que agradam aos homens) contribuem, finalmente, para a sua desumanização. Criam um clima social em que violências e tratamentos injustos ou desrespeitosos são normalizados, quiçá “justificados”, levando à lamentável mentalidade de que, exceto o homem (heterossexual e branco), todos os outros grupos têm de “se dar o respeito”, pois por si mesmos não o merecem. O trabalho das norte-americanas Jean Kilbourne (“Killing us softly”) e Naomi Wolf (O Mito da Beleza) aprofundam esse ponto, e há muito material disponível online para quem quiser se informar mais.
Desta maneira, muitas autoras de quadrinhos em potencial acabam abandonando esse meio de expressão. Outras, porém, persistem. Mas será que produzem obras necessariamente diferentes só pelo fato de serem mulheres? Eu acredito que não. Como ávida leitora de quadrinhos até meus 20 anos, o que me caía nas mãos era, em sua maioria, gibis de super-heróis voltados para o público masculino. Consumi muito desta linguagem que sim, objetifica e dá uma representação extremamente limitada das mulheres, e passei a repeti-la, inconscientemente, no que eu desenhava, ainda que fosse contrária às convicções que sempre tive a respeito. De certa forma, porém, sempre via algo de desconfortável nesse modo de mostrar as mulheres (que não é exclusividade dos quadrinhos, deixe-se bem claro!), e ao longo dos últimos anos, procurando me informar e ler a respeito, discutir com outras autoras e autores, é que comecei a lançar um olhar bem mais consciente àquilo que consumia e produzia, decidindo que não precisava reproduzir cegamente fórmulas a que eu era exposta.
Decidi combater e acabar com as representações erotizadas e feitas para o olhar masculino que se vê, também, nos cartazes da GIBICON (muitos dos quais alusivos à exposição "Tesouros da Grafipar", resgatando os quadrinhos eróticos produzidos pela editora nos anos 80)? Não, mas passei a vê-las pelo que realmente são: imagens feitas para atrair os homens, e que, por valorizarem e representarem apenas uma ínfima parcela da população feminina, clamam por alternativas: podemos contar histórias de outras mulheres, justificar sua presença nas histórias não apenas pela sua beleza (já ouvi textualmente de editores que “temos de ter uma personagem bonitona neste quadrinho para vender mais” ou que “uma página original com mais desenhos de nudez feminina é mais valorizada”), mas pelas suas motivações, pelos seus defeitos, pelas suas aspirações mais profundas, enfim, apresentá-las finalmente como seres humanos em sua totalidade, e não como pedaços de coxas, seios, lábios inflados ou nádegas. E tanto autoras quanto autores podem trabalhar nisso.
Exatamente, pois, ao contrário do que muitos pensam, e de acordo como as obras são divulgadas para direcionarem-se a um determinado nicho de mercado, há o mito de que mulheres só são capazes de fazer quadrinhos (ou romances, ou filmes, ou música) para outras mulheres. Será que só conseguem produzir HQ “feminina”? Alguém, afinal, pode definir o que é HQ “feminina”? Não creio em nada disso. Penso que o gênero de um autor não necessariamente determina com que público sua obra irá dialogar. Cabe a ele ou a ela optar por fazer o esforço de sair de sua “zona de conforto”, falando sempre dos mesmos tipos de personagens, das mesmas histórias, e buscar conhecer “o outro” para dar-lhe uma representação mais completa, mais real e mais capaz de criar uma identificação profunda em sua obra.  Isso não deixa de ser um ato de amor, que busca dar visibilidade, incluir outras pessoas no processo de apreciação e expressão cultural, valorizando também as suas diferentes visões e percepções de mundo e apresentando-as como seres humanos iguais, não apenas gêneros, cores de pele, religiões ou classes sociais carregados de clichês.
Penso que talvez seja isso que assuste muitos dos que reagem com virulência à participação das mulheres nos quadrinhos e na mídia. É sempre difícil ter sua visão de mundo desafiada por outras visões, seus conceitos colocados em xeque, pois que -- surpresa! -- há outras interpretações que podem ser feitas. Mas isso tudo, ao contrário de nos limitar, geralmente nos ajuda a derrubar barreiras, a expandir nossos horizontes e a (con)viver melhor.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

GUEST POST: DIREITO DE RESPOSTA DA AUTORA DE AMELY

Reproduzo aqui, sem mexer em nada, o direito de resposta da cartunista Pryscila Vieira, criadora da personagem Amely. Priscila sentiu que sua obra foi atacada no guest post de sábado, de autoria das Feministas Independentes de Curitiba, que criticaram cartazes da GibiCon que consideraram machistas. Pryscila já havia deixado hoje um comentário no post, mas quis ampliá-lo e vê-lo com status de post. Como este blog é um espaço democrático, não tenho problema algum em publicar direito de resposta... mesmo quando a resposta revele saber tanto de feminismo quanto eu sei de quadrinhos.
Amanhã, como já havia agendado, publico um comentário ampliado que outra cartunista, Ana Luiza Koehler, também convidada da GibiCon (só que, ao contrário de Pryscila, leitora habitual deste blog), havia deixado no sábado.
Pedi direito de resposta aqui no blog da Lola porque senti que tive minha obra falaciosamente agredida. Senti também pela Gibicon, um evento feito de boa vontade e pouco dinheiro. Tais agressões foram baseadas em absoluta ignorância sobre o conteúdo e contexto de meu trabalho e do evento. Então, lavadeiras, vamos lavar essas calcinhas sujas de sangue, suor e lágrimas:
Primeiramente, gostaria que as "Feministas Independentes de Curitiba" se identificassem. Sim, porque eu assino minhas obras com meu nome de batismo para que sejam alvos de críticas, o que infelizmente também pode gerar ataques pessoais de "grupos de extrema-direita", os quais elas tanto temem. Dou minha cara à tapa. Mas e quando levo o tapa, de quem foi mesmo? Mulheres que sequer têm coragem de assumir a autoria de seus pensamentos! Sorrateiras, covardes que se dizem feministas curitibanas, e só?
Em seguida, gostaria de chamar a atenção de Lola, cujo blog eu ainda não conhecia mas que parece ter um conteúdo bacana, para que tome cuidado de não simplesmente republicar qualquer conteúdo que aparentemente contenha teor pseudo-feminista. Sei que Lola assumiu no início do post seu absoluto desconhecimento sobre o mundo dos quadrinhos, mas essa é a pior das desculpas para publicar um post falacioso sobre... quadrinhos!
Bem, agora vou explicar um pouco sobre meu trabalho para elucidar a agressão à minha obra e à Gibicon, embora tenha percebido que a maioria dos comentários já o tenham feito a nosso favor (obrigada!).
SOBRE O CARTAZ DA GIBICON
Amely é a personagem, ora gigante, que ilustra o cartaz da Gibicon. Por quê eu fiz isso?! Para agredir todas as mulheres do mundo? Não, gente! Foi simplesmente uma alusão ao cartaz de um dos clássicos do cinema B, o filme "O ATAQUE DA MULHER DE 15 METROS" (1958) em  que uma esposa bêbada em apuros com o marido mulherengo, tem sua vida mudada depois de um encontro com um alienígena gigante. Ela passa a crescer até atingir 15 metros e sai em perseguição ao marido infiel, destruindo a cidade.
Para entrar no clima da Gibicon, substituí o viaduto do cartaz original do filme por um ponto turístico da cidade que sediou o evento: o reduto dos quadrinistas, a Gibiteca de Curitiba. O marido em apuros do meu cartaz tenta compreender a fúria de sua amada com uma análise rasa, típica desse personagem e até de alguns homens. Diz ele: "É só uma pequena TPM". Na verdade, feministas, isso é uma crítica exatamente contra essa análise superficial pela qual muitas mulheres são niveladas quando estão por algum motivo estressadas, nervosas, bravas. Nem só de TPM vive nossa fúria, não concordam? Entenderam a inversão, ou preciso desenhar?!
Deixarei como lição de casa um link que versa sobre a horda de analfabetos visuais que acabam por ditar uma censura baseada no politicamente correto e que tem prejudicado, em muito, o trabalho de bons cartunistas. No ano passado, um grande colega de trabalho perdeu o emprego pela absoluta ignorância visual de alguns. Por favor, acessem o link para agir com mais responsabilidade na web. (Observação: ao contrário do afirmado em alguns comentários, não recebi dinheiro algum para produzir o cartaz, nem cachê pela participação na Gibicon. Fiz e fui por amor à causa: humor gráfico!) 
SOBRE A AMELY – UMA MULHER DE VERDADE
Batizei a personagem com esta graça devido ao samba intitulado “Ai! Que saudades da Amélia” cujo tema é o comparativo entre a mulher atual, vaidosa e luxuosa, e a anterior chamada Amélia, um exemplo de resignação e desprovida de vaidade. No samba, Amélia era considerada uma mulher de verdade, embora eu mesma ache que ela vivia uma mentira por se anular para viver à sombra de um homem. Nos meus quadrinhos, Amélia torna-se Amely. Essa sim é uma mulher de verdade, embora paradoxalmente seja uma boneca inflável. Explico:
A primeira vista, Amely é apenas uma boneca inflável, ou seja, um objeto sexual perfeito. Ela é desejada, plasticamente bonita e feliz. Numa segunda análise Amely  frustra homens ao mesmo tempo em que se projeta como salvação de mulheres. Ela gera todo este impacto por dois surreais motivos: ela pensa e fala!
Isso a transpõe do patamar de “mulher inflável” para o de “mulher infalível”. A partir deste momento, Amely  torna-se “uma mulher de verdade”. Ela passou a representar  a luta pela "desobjetificação" da mulher. Abaixo você pode ver a primeira tirinha da Amely, publicada no meu blog no dia 29 de dezembro de 2005 (clique para ampliar):
Ela tem vontade, iniciativa, independência apesar de que ninguém espere nada dela além de sexo.
Os quadrinhos da Amely tratam dos sentimentos e pensamentos de alguém que não esperamos que os tenha, muito menos que os expresse tão veementemente, drama comum da mulher moderna. Podemos observar esse drama expressado de forma ululante pelo Grupo "Feministas Independentes de Curitiba", que querem ter voz mas não a assume em personalidade, por medo. Identificaram-se, finalmente, ou preciso desenhar?
Além de Amely, ainda temos sempre um outro personagem que interpreta o Comprador da boneca, um homem de meia idade, frustrado, que resolve comprar uma Amely exatamente porque desistiu de tentar compreender as mulheres. Ele tem a esperança de que ela será uma mulher perfeita para ele, visto que não tem vontade própria, logo não tentará trabalhar nem subjugá-lo e além de tudo tem um preço módico e fixo. Mas a solução de sua crise existencial dura pouco. Para seu desespero, Amely chega pensando e falando. E pior: recusa-se a ser um mero objeto sexual. Ela quer ser seduzida, quer preliminares, quer amor e carinho como toda mulher.
Enfim, Amely é como toda mulher: de verdade.
SOBRE A PRYSCILA - OUTRA MULHER DE VERDADE
Não sou machista, nem feminista. Nada esquerda, zero direita. Muito menos em cima do muro. Sou apenas cartunista, "desenhadora" do comportamento humano, ou desumano, que vivencio ou simplesmente observo.
Venho há 20 anos fazendo humor gráfico numa área em que, historicamente, foi feita por homens e para homens. Talvez daí surja o preconceito da própria mulher que vê uma imagem sem conhecer seu contexto e a critica logo de cara. Mulheres assim foram condicionadas a achar que qualquer mulher "gostosona" num cartaz é, fatalmente, um objeto, embora mulheres "gostosas" também pensem. Ou seja, a análise do grupo "Feministas Independentes de Curitiba" é compreensivelmente preconceituosa, comum e digna de compadecimento diante da história do humor gráfico que sempre nos colocou como o objeto da piada. Eis que venho para subverter esse padrão. Atentem.
Por fim, criei a personagem Amely por conta de um relacionamento frustrado. O ex não queria saber de discutir a relação. Ao fim do calvário, sugeri que ele comprasse uma boneca inflável, ao invés de exigir que uma mulher não expressasse seus sentimentos. Ele topou, rompemos e eu fui para a prancheta criar a Amely que, para seu castigo, pensaria e falaria como qualquer mulher de verdade.
Por essa e por tantas outras, fiquei triste com as acusações sobre meu cartaz para a Gibicon. Mas espero ter esclarecido o absoluto desconhecimento que embasou tal agressão falaciosa contra minha obra.
Sugiro que esse misterioso grupo "Feministas Independentes de Curitiba" e que Lola, estejam presentes nas próximas Gibicons e que me conheçam pessoalmente. Ficaria honrada em conhecê-las sem máscaras ou medos. Sugiro também que participem dos debates e que se informem mais sobre TUDO. Vocês sabem que fizeram a maior falta no debate que fiz com a Professora Sonia Luyten e com a quadrinista Ana Koehler, cuja platéia era formada por maioria masculina? Claro que não sabem. Estavam em casa confabulando contra o que sequer conheciam.
Bem, apareçam. Pensem. Assumam suas posturas políticas. É muito melhor existir plena, assumida, feliz, embora eu concorde que as vezes pode ser perigoso. Particularmente, não tenho medo. Consciência limpa me dá coragem.
De árdua, já nos basta essa batalha de se sermos mulheres e termos de lutar contra a ignorância de muitos homens e quem diria... de algumas mulheres.
Atenciosamente (demais até),
Pryscila Vieira, cartunista.

domingo, 28 de outubro de 2012

MINHA PALESTRA SOBRE CIBERATIVISMO E FEMINISMO

Eu, Iza, Daiany, Ildete e Ricardo posando pra foto depois da palestra 

Adorei ter ido pra Mossoró. Não foi tão encantador chegar lá em pleno apagão, mas depois tudo correu bem. Na manhã de sexta a Romine apresentou sua monografia sobre o blog Cem Homens (eu estava na banca), e à tarde palestrei sobre o tema proposto pela Dai, Ciberativismo e Feminismo. Todo mundo que conheci na UERN, entre alunxs e professorxs, sem exeção, foi um amor.
Eu tinha falado sobre essa palestra com algumas pessoas no Twitter, que me pediram pra colocar os prints aqui no blog. Bom, deu um trabalhão, mas aqui estão. Lógico que a lista está longe de ser exaustiva, até porque não tenho tempo de seguir muitos blogs. E também não sinto vontade de mencionar (nem bem nem mal) quem fala mal de mim pelas costas. Mas acho que a lista dá uma boa visão do barulhão que nós feministas fazemos na internet. Vamos a elas (desculpem os prints estarem tão pequenos. Por isso coloco o link pra cada blog citado. Foi nessa ordem que fiz a palestra).  
Comunidades feministas no Orkut existem faz um tempão, e atraem milhares de pessoas. Que eu saiba, as comunidades mais conhecidas são a FeF (Feminismo e Feministas), com quase 12 mil membros, e a Feminismo e Libertação, mais radical e fechada. E, só pra gente rir dos machistas, comu de Homens Feministas tem quase 3 mil membros (bem mais que qualquer página mascu).
Eu não tenho Facebook, então conheço muito pouco o que acontece lá. Mas lógico que há dezenas (centenas? milhares?) de páginas feministas no FB. Escolhi esta da Femica - Feministas do Cariri porque adoro o logotipo (o símbolo feminista com um chapeuzinho de cangaceira), e porque é bom pra mostrar que o ativismo não está restrito aos grandes centros do Sudeste. E esta da 8a Ação Lésbica do DF, que escreveu um guest post pra cá em agosto, falando da violência doméstica entre lésbicas.
Confundo o Machismo Nosso de Cada Dia com o Machismo Chato de Cada Dia. Pelo que entendi, o Machismo Nosso só está no Facebook. Conheci suas idealizadoras na palestra organizada pela Marcha das Vadias SP. Elas são responsáveis por esta intervenção inspiradora.
Pra ilustrar ativismo no Twitter, peguei apenas um exemplo, o da Cynara Menezes. Que não está restrito a feminismo. Aliás, nem sei se ela se assume feminista. Mas seu twitter é ótimo, movimentado, com muitxs seguidores.
Há uma série de sites feministas que são agregadores de notícias. Funcionam como uma espécie de clipping sobre assuntos feministas, e são excelentes e necessários. Alguns exemplos são a Agência Patrícia Galvão e o Cfemea (Centro Feminista de Estudos e Assessoria). Obs: A Priscila informa que o Cfemea só tem artigos originais, ou seja, não é clipping.
A Universidade Livre Feminista oferece, além de notícias e livros e textos para baixar, cursos grátis sobre feminismo. E a Marcha Mundial das Mulheres, que fazem um ativismo importante nas ruas, têm sua versão online.
Tive a oportunidade de estar numa mesa ao lado de uma participante do Católicas pelo Direito de Decidir, e desde então virei fã desta organização feminista pró-aborto e pró-Estado laico. Já o ótimo Geledés Instituto da Mulher Negra é referência no ativismo negro.
Há vários blogs coletivos feministas. Talvez o mais conhecido seja o Blogueiras Feministas, prestes a completar dois anos. Acompanhei a criação do blog, e fico agradavelmente supresa que ele se mantenha com atualizações diárias (porque é comum um coletivo começar cheio de entusiasmo e, depois de um tempo, esse entusiasmo esmorecer. Isso definitivamente não aconteceu com o BF). Outro coletivo menor e mais recente é o Machismo Chato de Cada Dia.
Há muitos blogs coletivos feitos para dar suporte ao seu ativismo fora das redes, nas ruas. A Marcha das Vadias pode acontecer apenas uma vez por ano, mas as atividades continuam durante todo o ano. Destaco o Marcha das Vadias DF. O Movimento Mães de Maio é um grupo de mães da periferia de SP que busca justiça para seus filhos, mortos em 2006 por policiais, num massacre que matou cerca de 500 pessoas pobres e negras (parte deste massacre covarde virou filme).    
Não sei exatamente quantas feministas fazem o Slut Shaming, um tumblr bem-humorado dedicado a apontar exemplos de tentativas de "culpar vadias". Ou seja, não faltam atualizações. Já as feministas do Ativismo de Sofá pegaram um termo pejorativo ("isso que vcs feministas da internet fazem é ativismo de sofá!", como se o ativismo cibernético não fosse importante) e transformaram num blog muito bacana.
Toda vez que eu cito o Biscate Social Club, só o nome já rende boas risadas. Embora eu não acompanhe tanto o blog, sei que ele trata do empoderamento através da sexualidade. O Mamíferas não é um blog declaradamente feminista, assim como grande parte da blogosfera materna. Mas não dá pra lidar com temas como amamentação em público, violência obstétrica, parto humanizado, e o direito das mulheres ao próprio corpo sem ser feminista, dá? Há vários blogs de ativismo materno por aí (alguns linkados nos blogs que recomendo), e o Mamíferas é o mais radical, no bom sentido.
O transfeminismo era um tema que raramente entrava na pauta de blogs feministas até pouco tempo, mas hoje está aqui pra ficar. É o feminismo ligado a questões trans*. O blog Transfeminismo traz boas explicações. O Duas Fridas não é bem um blog coletivo (é feito por duas pessoas), mas existe desde 2004. E, como tantos outros, é um blog que foi se tornando feminista com o tempo.
Agora falando de blogs individuais, conheço o blog da Cynthia Semíramis desde que comecei o meu blog, há quase cinco anos. Ela é uma advogada e agora estudante de Ciências sociais em Belo Horizonte, e uma das criadoras do Blogueiras Feministas. A Maria Frô é uma blogueira e tuiteira agitadíssima e influente, ligada a vários movimentos sociais de esquerda.
A principal razão do sucesso do Blogueiras Feministas é a Srta. Bia, que mantém o Groselha News faz um tempão. Outra que foi se tornando mais feminista com o tempo. A Valéria, outra mulher arretada de Brasília, é responsável pelo Shoujo Café, que fala de mangás, quadrinhos e filmes sob um viés feminista.
O Quem o Machismo Matou Hoje e o Maria da Penha Neles são dois blogs mais temáticos, feitos por blogueiras que eu não conheço.  
Que eu me lembre, o Aquela Deborah e A Vida sem Manual começaram na mesma época que meu bloguinho. Como a Deborah é vegana, ela faz algumas ligações muito interessantes entre veganismo e feminismo (e também críticas pertinentes sobre como as universidades devem acolher quem vem das escolas públicas da periferia). A Patricia do Vida fala de vários temas, nem todos feministas. 
O Contos e Notas da Aline surgiu faz pouco tempo, eu acho, mas ela já fez pelo menos um post que circulou por todo canto. O Cem Homens, da Letícia (na realidade, Nadia), existe desde fevereiro do ano passado (eu só descobri em julho de 2011), e mudou muito de lá pra cá. Continua sendo um dos blogs feministas mais acessados.
Maíra Kubik, jornalista e professora universitária na UFBA, escreve (bem) na blogosfera há vários anos, fazendo parte inclusive da grande mídia (Uol), e recentemente mudou de endereço para o território de maíra. Não sei exatamente quando a Feminista Cansada começou, nem quem é ela, mas seu tumblr é incrível. Outro dia ela foi descrita como "uma feminista famosa" e ficou surpresa.
O Como uma Feminista se Sente Quando... é outro jeito de fazer ativismo com poucas palavras e muito humor.
Depois de falar um pouquinho de todos esses blogs, tumblrs, sites, páginas no FB e perfis no Twitter, desandei a falar sobre o meu bloguinho. Mas acho que passei uns dois terços da palestra citando esses blogs que não substituem o ativismo de carne e osso, e que mesmo assim são imprescindíveis pra divulgar o feminismo.
Esta quarta estarei dando uma outra palestra, esta aqui mesmo na UFC. Apareça!