Entrei no ônibus e uma moça (negra, como 90% da população que anda de buzum em Detroit) estava sentada num assento do corredor, bloqueando a cadeira ao seu lado. Como havia outros lugares, eu nem liguei, mas ela me encarou feio. Daí entrou uma senhora, que pediu licença pra sentar ao lado da mocinha. A menina olhou feio pra ela e fez que não com a cabeça. Pra evitar confusão, apontei um outro lugar pra mulher sentar. Mas a essa altura eu já havia notado que a moça era uma bomba relógio, prestes a explodir. Um parênteses: é comum em Detroit uma só pessoa tomar o assento do lado colocando uma mochila ou algo assim em cima. O que acontece é que quando alguém diz “Excuse me”, o anti-cidadão desocupa a cadeira. Em Chicago essa falta de educação não existe, porque lá há uma cultura de uso de transporte público. Provavelmente lá não tiveram que enfrentar décadas de lobby de empresas automobilísticas barrando qualquer tentativa de melhorar o que chamam por aqui de “mass transit”. Mas voltando ao meu buzum. Um rapaz entrou, viu o assento vazio ao lado da mocinha bomba relógio, e pediu pra passar. Ela fez o que tinha feito com a senhora, negou com a cabeça. O cara insistiu, ela negou, e ele disse: “Olha, eu vou sentar nessa m**** de lugar”. E foi passando por cima. A motorista (há várias motoristas mulheres), ao ouvir o palavrão, chamou a atenção dos dois. Mas aí já era tarde, porque a mocinha gritava: “Não me toque! Não encosta em mim, seu fdp!”. A motorista mandou os dois saírem do ônibus e, como ninguém se mexeu, ela encostou na beirada, pediu o celular de alguém emprestado, e chamou a polícia, que chegou rápido. A moça já tinha ido pra trás do ônibus e berrava com todos sentados por lá. O policial – branco, diga-se de passagem; só tem negro na cidade mas a polícia é branca – quis saber o que havia acontecido, e todos defenderam o carinha. Só que todos falavam ao mesmo tempo, e ele elegeu uma só alma (eu! Por que eu era a única branca ou por ser tranquila?) pra relatar os fatos. Tiraram a moça do ônibus, pediram pro carinha prestar queixa, e em seguida o policial voltou pra avisar que a menina tava portando uma faca de seis polegadas (a única coisa que conheço em polegadas é televisão), e que ela seria presa. Já eu acho que ela precisa de tratamento psiquiátrico, não de cadeia.
Foi um bafafá no ônibus. Todos só falavam nisso. A jovem do meu lado relatou tudo pra uma amiga pelo celular, acrescentando que é a quarta vez que a polícia prende alguém num ônibus.
Pra mim foi a primeira, mas o que não falta por aqui é gente com parafuso solto. Muitas criaturas falando sozinhas, inclusive com violência. E claro que tem os surtados dos celulares. Outro dia uma moça brigou publicamente com o namorado pelo celular, pra todo mundo ouvir. Ele tava pondo as coisas dela pra fora da casa, e ela o xingava de tudo quanto é nome. E o pessoal no ônibus ouvindo tudo, ora constrangido e incomodado (meu caso), ora torcendo e aplaudindo!
Tem os que parecem mais calminhos, só aguardando uma chance pra manifestar suas neuroses. Faz pouco tempo uma moça (esta branca) aproveitou o tempo no ônibus pra começar uma conversa comigo. Em questão de minutos o papo virou um monólogo ininterrupto de meia hora, em que a garota narrou seu romance não-correspondido com um homem casado e as tentativas de seus pais em interná-la. Ahn, eu só tô nos EUA há dois meses e meio, e ando de ônibus poucas vezes por semana. O que mais vou encontrar pela frente?
Uma hipótese pra tantos perturbados é que, com o colapso do sistema público de saúde (como mostra o excelente documentário do Michael Moore, “Sicko”), essa gente toda não tenha como se tratar. De qualquer jeito, juro que tenho muito mais medo de um louco sacar sua metralhadora num ônibus e atirar em todo mundo do que em ser assaltada.
Placas Incompreensíveis
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