quinta-feira, 29 de novembro de 2007

CRÍTICA: BORAT / Bótimo nos primeiros dois terços

Grande comoção da minha legião de fãs para saber o que achei de “Borat”. Será que eu amei, como os críticos americanos babões, que apontam o troço como uma das comédias mais engraçadas de todos os tempos? Ou será que eu jogo “Borat” na mesma vala de “Norbit” (por enquanto de “Norbit” eu escapei. Mas meus parâmetros de ruindade se medem através de outro Eddie Murphy, “Professor Aloprado 2”). Claro que eu não dedicaria à “Borat” o Troféu Cocô de Hamster Gigante, se bem que eu tampouco reservaria ao filme um lugar no paraíso. Se a gente for medir o sucesso de uma comédia pelo tanto que faz rir, devo confessar que ri um monte. Acho que “Borat” funciona brilhantemente bem até seu terço final, mais ou menos, quando o negócio cansa mesmo.

Borat é um personagem criado pelo humorista britânico (e judeu) Sasha Baron Cohen, não tão distante do nosso Ernesto Varella dos anos 80 (os adolescentes nunca terão ouvido falar), ou, num nível mais baixo, dos repórteres do “Pânico da TV”. A fórmula é antiga e quase sempre dá certo: pegue um sujeito, despeje-o numa cultura diferente, e filme as reações. No caso, Borat é um repórter do Cazaquistão que vai aos EUA “aprender” com os ianques. Ahn, primeira queixa: eles não podiam ter inventado uma nação fictícia, não? Pô, a ex-república soviética do Cazaquistão existe, é o nono maior país do mundo, e não ficou nada honrada com as referências. Tá certo que “Borat” tira muito mais sarro da cara dos americanos que dos cazaquistanenses, ou sabe-se lá como se escreve a nacionalidade deles (eu procurei: é cazaque). Mas uma coisa é um filme americano gozar dos americanos, outra um filme americano espalhar que lá no Cazaquistão irmãos transam entre si, lavam o rosto na água da privada, e fazem queijo com leite humano. Pensa só, a gente, que reclama de “Turistas”, não ficaria possessa se “Borat” inventasse toneladas de besteiras sobre nós?

Mas não esperem que minha solidariedade com os cazaques se estenda aos americanos. Borat entrevista vários preconceituosos dos EUA, nada muito novo pra quem costuma ver os documentários do Michael Moore. Num rodeio, Borat conversa com um típico asno homofóbico da direita cristã, que lhe aconselha a tirar o bigode pra poder ser confundido com um italiano, não com um desses malditos muçulmanos. Borat comenta que em seu país eles enforcam gays, e o cara: “Estamos tentando fazer o mesmo por aqui”. O discurso de Borat ao público do rodeio é ótimo: “Apoiamos a guerra contra o terror do presidente Bush. Queremos que ele beba o sangue de cada homem, mulher e criança no Iraque. Que ele bombardeie o país para que nenhuma árvore cresça lá pelos próximos mil anos”. Só nessa última fala o público começa a desconfiar. Uma pausinha pro meu próprio preconceito: público de rodeio tem QI de ostra em qualquer lugar do mundo? (nota aos indignados: aceito emails de protesto vindos das ostras que se sintam insultadas, não dos fãs de rodeio).

“Borat” tá cheio de cenas hilárias. É uma gracinha vê-lo confundir uma mulher que vende coisas na calçada (como se diz “garage sale” em português?) com uma cigana e falar pra ela: “Você não vai me encolher, cigana. Só preciso pegar algumas lágrimas suas”. É impagável quando Borat pergunta prum candidato a candidato à presidência: “Você quer dizer que os caras que enfiaram um punho de plástico no meu ânus eram homossexuais?”. A expressão no rosto do entrevistado denota um homem simpático, apesar de republicano. E é muito divertido quando o repórter, no meio de um jantar formal, ouve um homem dizer ser “retired” (aposentado) e automaticamente confunde com “retardado”. Borat segue com: “É honroso da parte de vocês convidar um retardado”. Ou quando ele diz que duas das senhoras na mesa fariam sucesso no seu país, mas a terceira, “não muito”. Tudo isso indica que ele não conhece apenas estúpidos no caminho, mas também gente boa. O instrutor de auto-escola, por exemplo, parece ser um sujeito legal. Os negros que ensinam Borat a se vestir e falar, idem. Inclusive o pobre professor de humor que tenta explicar como certas piadas não ultrapassam fronteiras. Ou o homem do tempo na TV, que não consegue parar de rir. Tutti buona gente.

Por coincidência, os encontros de Borat com as pessoas mais ridículas são também os menos engraçados. O interlúdio com os universitários (que aparentemente estão processando o filme) não tem graça, nem a visita à loja de antiguidades. Fica a sensação de algo mal-aproveitado. E a seqüência com os evangélicos? Borat é bonzinho com eles. Dava pra fazer um carnaval em cima disso, e ele os deixa escapar.

Na realidade, quanto mais a comédia fica “encenada”, menos divertida. Esse é o problema do terço final, eu acho. Eu até acreditava que a maior parte das conversas eram espontâneas, sem ensaio, sem que o “entrevistado” soubesse que estava fazendo parte de um documentário de mentirinha. Mas a cena com a Pamela Anderson dá toda a impressão de algo montado (e sem graça), assim como a longa seqüência de Borat e seu empresário na cama. Algo me diz que a montagem de dois homens rolando nus, simulando poses sexuais, está lá pra agradar justamente o público que o filme critica. Aqueles três universitários problemáticos devem amar essas cenas. Apesar dos adolescentes da minha sessão rirem histericamente pelo inusitado, eu deixaria esse tipo de humor com os especialistas de “Norbit”. Mas enfim, tirando essas partes desajeitadas, eu só posso admirar um cara que solta uma galinha viva dentro do metrô de Nova York.

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