segunda-feira, 29 de novembro de 2004

CRÍTICA: ROUBANDO VIDAS / Trapaceando legal

Ai, ai, já faz duas semanas que “Kill Bill” estreou nacionalmente, mas o nacional evidentemente exclui Santa Catarina. Pra piorar, tô sentindo que “Diários de Motocicleta” não vai chegar aqui. Cadê aquela lei que obriga as salas a exibir 30% de produções nacionais? Não me lembro de ter visto um único filme brasileiro este ano, e já estamos em maio. Em compensação temos, como dizem, “opções para todos os gostos” – desde que seu gosto seja por cinema hollywoodiano de ação sem muita inteligência. Assim, fui ver “Roubando Vidas”, que eu pensava que seria mais plágio ainda de “Silêncio dos Inocentes”. Quer dizer, dá uma olhada no enredo: bonitona do FBI caça serial killer e realiza inúmeras autopsias. Justiça seja feita, “Roubando” seria mais palatável se focasse o criminoso, não a agente da lei. Tanto que a abertura do thriller, de um carinha decidindo ficar com a vida da vítima, é a melhor parte. Infelizmente, o assassino adolescente cresce pra ser interpretado por um assassino adulto que se parece tanto com ele quanto eu com a Angelina Jolie. Sabe, não é que sejamos diferentes – eu diria que pertencemos a espécies distintas. E pra mim tudo bem. Bom, como os crimes acontecem no Canadá, e aparentemente o Canadá não tem polícia competente pra desvendar crimes, importam a Angelina. É o FBI servindo ao mundo, aleluia (agentes menos parecidos com a Angelina já estiveram no Rio). A Angelina tem um jeito peculiar de procurar pistas, o que inclui deitar-se em covas abertas, à noite, olhar pra fotos de cadáveres enquanto come, à noite, e revistar apartamentos, à noite, sem jamais acender a luz. Deve haver algum artigo penal exigindo que policiais sempre vasculhem locais na total escuridão, e a gente que não sabe. Sem falar que agente do FBI trabalha pra caramba à noite, né?

A metade inicial de “Roubando” é infinitamente mais convincente que sua metade final, mas, no geral, o roteiro tem mais buracos que queijo canadense. Não posso falar desses rombos pra não entregar a trama, mas digamos assim, em termos genéricos: não é esquisito alguém esperar meio ano pra pegar UM bandido, sem fazer mais nada no ínterim? Todo serial killer é um artista em potencial? Todo cereal aguarda calmamente embaixo da cama a investigadora invadir o espaço dele? É só olhar prum chaveiro balançando pra descobrir que tem uma porta atrás da estante? E o essencial: a Angelina se separou do Billy Bob Thornton? O Ethan Hawke não tá mais com a Uma Thurman? O chato é que “Roubando” tá cheio de trapaças (no mínimo três), no pior estilo “me engana que eu não gosto”. Acabei de rever um outro filme em que o diretor engana o espectador, mas era “Quando Fala o Coração”, de um tal de Alfred Hitchcock, e o sujeito faz isso com uma classe que nem me senti ofendida. Por exemplo, o Gregory Peck tá com uma navalha na mão encarando sua possível futura vítima, que lhe dá um copo de leite. O Gregory bebe o copo, aliás, a câmera toma o leite, tudo fica branco, e a gente espera que, no dia seguinte, a vítima apareça morta. Mas não: tinha sonífero no leite. A gente não vê a vítima pondo sonífero no leite porque o Hitch fica enfocando a navalha, o maldito.

Mas voltando à realidade, e a realidade é que os suspenses de hoje nada tem a ver com o Hitch, infelizmente, ”Roubando” traz também o Kiefer Sutherland, de “24 Horas”, e o problema é que, quando a polícia vai atrás dele, o maridão pensou que ele fosse gritar: “Mas tenho que desarmar uma bomba que vai matar o presidente americano!”. Creio que a vantagem de se ver “Roubando” é que lá mostram os seios da Angelina, a quem interessar possa. Se bem que desconfio que eles já devem ter aparecido em, sei lá, “Pecado Original”, pois um filme com esse título ou contém várias cenas de sexo ou é um longo comercial dos produtores de maçãs. No final de “Roubando” eu já tava tão pouco me lixando que, quando um personagem surge tomando uma injeção, eu me lembrei de ter esquecido de ser vacinada contra a gripe. Nessa hora sim não me contive e soltei um gemido de terror. Mas foi o único.

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