domingo, 28 de novembro de 2004

CRÍTICA: FAHRENHEIT 11 DE SETEMBRO / Michael Moore, um americano de valor

Até que enfim estreou aqui o filme mais imperdível do ano, “Fahrenheit 11 de Setembro”, um programão obrigatório por ser o documentário mais popular e discutido da história do cinema. Mesmo quem não seja rabidamente anti-Bush deve ver essa última façanha do Michael Moore, de “Tiros em Columbine”. Mas talvez o que “F” tenha de melhor seja desmistificar a velha ladainha de que documentários são neutros. Como podem ser, se a neutralidade não existe? Michael deixa bem claro seu objetivo, o de tentar impedir que – sejamos imparciais – aquele verme incompetente do Bush seja reeleito. Embora signifique abdicar de ganhar seu segundo Oscar, o diretor vai passar o filme na TV americana agora, antes das eleições, pra alcançar um número maior de espectadores. É ou não é um ato heróico?

“F” já começa mostrando cenas surpreendentes do que foi a última eleição presidencial americana, decidida pelos votos da Flórida, que, por coincidência, era governada pelo irmão do Execrável. Parece que pra contestar uma eleição (que teve inúmeros indícios de corrupção) é necessária a assinatura de apenas um senador. E nem um senador dos EUA se prestou a assinar. Depois a gente fala mal da nossa democracia... Em seguida, Moore exibe o que foi a administração bushenta nos oito meses que antecederam o ataque de 11 de setembro – parece que ele jogou bastante golfe. E eis que surge a seqüência mais famosa de “F”, um vídeo da reação do Energúmeno ao ser avisado do SEGUNDO avião a se chocar contra as Torres Gêmeas. Ele já havia sido informado do primeiro avião, e mesmo assim decidiu ficar lendo historinhas pra crianças de uma escola. Mas algum assessor lhe comunica do segundo ataque e lá permanece o Coisa Ruim, olhando pro nada, com aquele rosto esperto que lhe é peculiar... durante sete longos minutos. O mais impressionante, pra mim, não é essa reação retardada do líder idem, mas que nenhum jornalista da maior “imprensa livre” do mundo tenha tido a idéia de procurar o vídeo. Coube ao Michael, que nem diploma universitário tem, fazer isso.

Bom, daí em diante “F” causa risos e revolta com igual intensidade. Risos pela narração, que fala da segurança nacional e exibe uma fronteira imensa sendo vigiada por UM patrulheiro – que trabalha meio período; ou por tocar os acordes de “Cocaine” ao citar que Bush não foi recrutado pelo exército; ou na hilária montagem sobre a “mãe das coalizões”. Assim como “Columbine”, “F” é divertidíssimo, muito mais que 99% das comédias produzidas em Hollywood. Mas também provoca nossa indignação ao provar que no dia seguinte ao ataque todos os 24 membros da família Bin Laden puderam calmamente deixar os EUA, ou que o Iraque foi invadido sem nunca antes ter assassinado um único americano, ou ao mostrar cenas de crianças iraquianas despedaçadas e soldados ianques torturadores. Todas aquelas dúvidas que tínhamos sobre por que diabos os States invadiram o Iraque vêm à tona. Afinal, se lá não tinha arma nuclear, nem Saddam tinha conexões com Osama, a desculpa final tinha que ser mesmo “pra salvar o país” (o Iraque, bem-entendido, não os EUA). E tem jeito mais eficiente de se salvar um país que destruindo-o? E não é curioso como os EUA adoram salvar nações abundantes em petróleo? Tão altruístas e queridos, esses americanos... O que seria do mundo sem eles?

Eu discordo da acusação que “F” fala mal dos Republicanos e glorifica os Democratas. Os Democratas são pintados como totais bananas, não saem bem na foto mesmo. Também tem muito patriota ianque bradando que esse tipo de filme faz um desserviço brutal à imagem dos EUA. Eu já acho o contrário. Pra gente que é anti-imperialista, é bom saber que nem todo americano usa chapéu de caubói e masca feno, sabe, que pessoas como o Michael existem. Tudo bem, às vezes me pego pensando o que eu sentiria se um documentarista de direita fizesse um filme assim contra alguém que eu admiro. E aí concluo rapidamente que não há gente de direita com esse humor sarcástico e essa inteligência do Michael. Bom, vamos torcer pra que os americanos não reelejam o Inominável. É só isso que nos resta fazer: reza braba contra o Crápula com C Maiúsculo.

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