domingo, 28 de novembro de 2004

CRÍTICA: HOMEM-ARANHA 2 / Azul e vermelho, as cores da moda dos heróis

Aqui estou eu novamente, mais resistente que teia de aranha. E por falar nesses insetos que não são insetos, mas ninguém sabe a diferença mesmo, fui ver “Homem-Aranha 2” e gostei. Muito. Não sei se mais que o primeiro, como todo mundo anda dizendo. O primeiro tinha o elemento surpresa. Mas pelo menos o vilão deste filme é melhor que o Duende Verde, e o facínora não morre cruelmente. Pelo menos ninguém joga latinhas de refrigerante pra deter o vilão. Mas este não tem beijo de ponta-cabeça. Há vários pontos positivos que continuam: o bom humor, o excelente ritmo, os enquadramentos típicos das histórias em quadrinhos. Infelizmente, há as bandeirinhas americanas. Parece que toda casa de lá tem uma na varanda. E olha que eles nem acompanham Copa do Mundo. E tem ainda mais sermão que no primeiro, e eles cansam. É gente demais querendo dar lição de moral no Peter Parker, tadinho.

Como se o rapaz já não tivesse uma vida difícil sem levar broncas do chefe, do professor, do dono do apê, do amigo, dos tios, da paquera... Deve ser esporte nacional atazanar o Peter. Pessoalmente, se eu fosse super-herói (como assim, “se”?!) eu teria crises de consciência maiores que as do Peter. Por exemplo, eu não cogitaria abandonar meu metiê de salvar a humanidade, como faz o atormentado Peter. Pelo contrário, eu pensaria em virar salvador da pátria full-time, não só meio-período ou nas horas extras. E não sei se eu exigiria um aumento de salário, mas gostaria de ao menos ter um lugarzinho pra dormir, não ter que entregar pizza pra sobreviver, e, ahn, se não for pedir demais, não precisar escrever a tese de mestrado, sabe? Não é por nada não, mas por que cargas d’água um todo-poderoso freqüentaria uma faculdade? Ah sim, tem o saber, o conhecimento enobrece o homem, blá blá blá. Pausa pro meu bocejo. Por que o Aranhinha não pega um dos sacos de dinheiro do banco, só unzinho, pra pagar a casa da tia? É pra isso que serve um super-herói, pra proteger fortuna de banqueiro?! Pra isso a gente já tem o Proer.

Breve lista do que mais gostei na película: o Tobey Maguire é um fofo, o Alfred Molina (o prefeito de “Chocolate”, o marido de “Frida”) vive muito bem o Dr. Octopus, e o J.K. Simmons tá idêntico ao dono do jornal dos quadrinhos da Marvel e rouba todas as cenas. Que mais? Coisa raríssima, uma moça magérrima é vista como... uma moça magérrima, não um ideal de beleza. Se bem que a Kirsten Dunst é magra pra chuchu também. Mas ela é bonita, sério mesmo? Voltando: a seqüência do elevador é divertida, é legal ver o uniforme do aracnídeo manchando suas outras roupas (advertência: vestir as cores da bandeira ianque dá o maior preju), e só a releitura irônica de “Raindrops” já vale o filme. Há também um truque muito baita no início. Um carro vai esmagar um grupo de pessoas. A música aumenta, o pessoal grita, e de repente a ação pára, trilha sonora inclusa. O Aranha detém o carro. Pra resumir: sem dúvida, esses dois primeiros HA são as melhores adaptações de quadrinhos desde “Superman”, com todo o respeito aos fãs de, hum, “Demolidor” (eles devem existir).

Agora do que não gostei. Por algum motivo mal-explicado, o Aranha desfila por aí sem máscara. Metade de Nova York vê o seu rosto, e todo mundo jura que não vai contar pra ninguém. Me engana que eu gosto! Se isso fosse verdade, bem, se um herói mascarado vestindo roupa justa andasse pulando por aí, e alguém descobrisse sua identidade, duvido que no mesmo dia não haveria edições extras nos tablóides. Outra: o HA não pode ficar com a Mary Jane porque ele tem inimigos e a MJ correria risco de vida. Sério? Mais ainda do que ela já corre? Pelo que eu me lembre, ela sofre bastante no primeiro filme, e aqui ela deixa de ser decapitada e esmagada por um triz uma pá de vezes. A tia do Peter é outra que não pode saber da identidade do sobrinho, e mesmo assim vira um iô-iô humano nas mãos do vilão. E o Dr. Octopus, embora convincente, vai pra casa do melhor amigo do Peter no meio da noite pra pegar um troço aí. O carinha lhe diz que fornece o negócio se o vilão trouxer o HA, e pra encontrá-lo é só procurar o Peter. O que a gente espera que o malvado, que não tem mais nada pra fazer na vida além de construir uma geringonça, faça? Ir direto atrás do Peter, certo? Não. Passam-se dias, eta vilão paciente.

Claro que a gente pode ler uma história dessas de várias formas. Uma bem ingênua é achar que ela é uma fantasia escapista louvando a força dos nerds. Outra é que toda a saga do HA, e dos bam-bam-bans em geral, é uma homenagem ao imperialismo americano. Afinal, o Aranhudo podia não usar tanto poder e ser apenas o Peter. Mas ele não suporta ver gente sofrendo... Entendeu? É mais ou menos a justificativa pros EUA invadirem tudo que é país. Essa ladainha de “com grande poder vem grande responsabilidade” tá deixando de ser ambígua pra se transformar em hino da direita. E, sinceramente, a gente precisa de heróis? Ou melhor: QUEM precisa de heróis de azul e vermelho?

Bom, provavelmente os adolescentes que tavam na mesma sessão que euzinha. Acho que eles gostaram da empreitada, se bem que vibraram mais no original. Eles certamente adoraram o “Vá pegá-los, Tigrão”, e seu sonho de consumo, imagino, passou a ser que a futura namorada os chame de “Tigrão”. Mas eles perderam a esportiva nas cenas românticas do final e começaram a imitar barulho de beijo, sabe, smac smac. Já é um avanço. Da última vez, uma galera teen entoou um coro de “Viado! Viado!” pro seu herói favorito.

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