domingo, 30 de novembro de 2003

CRÍTICA: OS NORMAIS / Apagão de ideias

Lá estava eu muito entediada vendo “Os Normais – O Filme”, quando a luz do shopping caiu e a sessão acabou. Isso na mesma semana que Floripa ficou às escuras durante uns dois dias. Em homenagem, o maridão imediatamente perguntou: “Joinville tem ponte? A Síndrome do Apagão se alastrou por toda Santa Catarina?”. A energia não voltou, vimos só a primeira hora da hora e meia da comédia, e confesso que não ficamos com a mínima vontade de ver o resto. Tudo bem, é possível que tenham deixado a melhor parte pro final, e que perdemos os trinta minutos mais divertidos da história do cinema. Assim como é possível que eu perca vinte quilos graças a minha dieta à base de chocolate.

É verdade que eu nunca fui fã da série de TV, mas o maridão até que era. Acho que eu não gostava porque, dos poucos episódios que assisti, nunca vi nada que não fosse clichê. E esse humor burguês cansa depois de um tempo. Tá, sei que eu e praticamente todos os espectadores de cinema somos classe média, mas, falando sério: piadinha sobre tamanho de pênis ainda tem graça? No filme, além dessa gracinha, ainda há umas quatro tentativas de fazer rir com a largura dos absorventes internos. Desconfio que isso só produza cócegas naqueles que consideram esses assuntos tabus. É o risinho nervoso da platéia que diz: “Olha só, o Rui falou ‘pau’! Uau, a Vani falou um palavrão pro padre!”. Essas reações me lembram algumas peças de teatro em que o autor enche o texto de palavrões pra parecer transgressor e matar parte do público de rir. Em “Os Boçais – O Filme”, os atores pronunciam bem os palavrões pra mostrar como a versão cinematográfica é diferente da televisiva. Os atores enchem a boca pra enfatizar as palavras proibidas. Como eles são ousados!

Eu até achei graça de alguns chistes mais visuais, que é a especialidade do diretor José Alvarenga Jr., que já fez comédias com os Trapalhões. Por exemplo, a primeira piadinha sobre jogar arroz nos recém-casados foi fofinha, mas a terceira reprise da mesma piada me deu sono. A Vani (Fernanda Torres) batendo num segurança é legal. No entanto, há flagrantes explícitos da mão pesada do roteiro. Na disputa pelo buquê da noiva, pode ser divertido, pra quem nunca viu isso antes, que uma moça derrube outra. Pode até ser divertido mostrar a moça no chão, desmaiada. Mas mostrar uma poça de sangue saindo da cabeça da moça já meio que mata a piada, né? Tampouco é engraçado exibir o Rui (Luís Fernando Guimarães) dançando logo depois. Os figurantes olham pra ele com pena, e a platéia também. Cá entre nós, se eu já não gostava dos personagens antes, não vou gostar agora que descobri que a Vani não apenas votou no Collor, como fez campanha pra ele. Nessa a roteirista Fernanda Young e o marido pegaram pesado mesmo. Aliás, é hilário presenciar Rui e Vani furarem todas as filas? Até quando a gente lê que a escritora e queridinha da mídia Fernanda tem orgulho de seguir o padrão na vida real?

Claro, eu posso estar enganada. As duas senhoras do meu lado riram bastante. Mais do que isso – elas telegrafavam as piadas. Assim: a Vani declara que vai dar pro primeiro que aparecer. Corta pro Rui num carro, indo naquela direção. A senhora do meu lado fala pra outra: “Ah, ele vai ser o primeiro a aparecer!”. Ela deve ser vidente. E, pelo jeito, ela não é a única apreciadora de gracinhas previsíveis. O filme já fez quase um milhão de espectadores só na primeira semana. Quem sabe? Talvez eu e o maridão fomos os únicos anormais a não reclamar do blecaute.

3 comentários:

Gueibs ManoMona disse...

Mesmo para quem não viu a série, eu acho que o filme é uma boa comédia. Aliás, melhor de todas.

Eu ri muito com quase todas as piadas. A prima caindo com a poça de sangue é muito trash e inesperado, porque na maioria dos filmes a pessoa desmaia com uma panelada na cabeça. Sem sangue, sem nada. E isso é meio impossível, né? ...se for mulher então, coitada, um tapinha já apaga a pobrezinha.

A Vany brigando com o segurança é ótimo.

Concordo que os palavrões em destaque e com a boca cheia sejam chatos. Mas a questão de falar pau e essas coisas, tem a ver com a série.

Porque as pessoas nas novelas e na televisão brasileira em geral, não falam essas palavras. Não são normais. Não são diferentes.

Você talvez tenha perdido a cena em que a Vany e o Rui brigam com seus respectivos pares. São as melhores.

Os normais é um filme de origem. Conta a origem de toda uma série. E é um dos melhores em fazer isso. Ele não perde a essência da série em nenhum momento. E é essa a graça. Não é só um episódio de 2 horas como é a sequência. É uma coisa inédita.

Eu acho legal a piada com tamanho do pau porque não é o clichê do seu pau é pequeno e tal. É a questão do Rui achar que o dele não é pequeno. Como a maioria dos homens pensa.

E a forma como os dois vão se aproximando e descobrindo as semelhanças é lindo.

Pra mim, é uma comédia romântica mais inteligente que todas as americanas que já vi. Sério.

PS: adoro quando eles passam de carruagem e o povo do prédio grita: piranha! piranha! ...e a vany ao invés de xingar, acena como se fosse elogio. É porque é o que eu faço quando me chamam de veado daquele jeito... mando beijo. E aceno.

Gueibs ManoMona disse...

Que coisa engraçada. Estou eu aqui depois de 7 meses de ter postado essa comentário e percebo claramente que me tornei outra pessoa. Quase senti vergonha do meu comentário. Comentei quando tinha acabado de conhecer seu blog e agora que o conheço bem, não sinto a mesma coisa. Absorvi o feminismo em minha vida de forma muita mais completa e não concordo com o que escrevi.

Incrível como enxergo coisas que não enxergava antes... e isso está registrado Lola... no seu blog... incrível (de novo).

Agora percebo que escrevi o comentário usando meus sentimentos de adolescente, pois tinha mais ou menos essa idade quando assisti o filme. E gostava muito da série e também não tinha consciência de nada.

Tirando minha paixão pela Marisa Orth que depois de uma pesquisa pode mudar... ainda acho que ela tem uma das caras mais engraçadas do mundo. Só olhar, que eu rio.

Novamente sobre o filme:

- A parte do sangue é ridícula. Primeiro que jogar buquê é ridículo. É armar um cirquinho para colocar em evidência a rivalidade entre mulheres. Depois, fazer chacota da vontade (imposta pela sociedade) da mulher em se casar. E o Rui dançando... meu Deus, ela tá morta, mas ninguém liga. Afinal, ela é a prima abusada da família. "O pai batia nela, depois teve três maridos... o três batiam nela." Essa é a frase que a Marisa Orth diz para explicar quem era a moça. Ou seja, descartável.

As pessoas na novela não são normais, fato. Nem os normais. Afinal, eles estão na rede globo de televisão e reforçam todo o elitismo da classe média brasileira. Nóh! Quidómimim! Estava aqui achando que falar palavrão por falar era transgredir alguma coisa.

A parte da origem eu mantenho, porque é o enredo do filme mesmo. E eu gosto disso. O filme não perde a essência da série, ponto pra ele. Mas quem me disse que a essência da série é boa?

Como eu pude dizer que a piada sobre tamanho do pau não era clichê!? Quem foi essa pessoa que roubou minha senha e veio aqui comentar sem nenhum senso crítico?

Ridicularizar os homens de pau pequeno e celebrar os de pau grande é consequência de um machis que diz que homem de verdade é o que "pega" (assim mesmo, no laço) mais mulheres. Justamente, o que faz com que a mulher seja puta quando faz o mesmo. É a mesma relação. Não te graça nenhuma. É agressivo até.

"Pra mim, é uma comédia romântica mais inteligente que todas as americanas que já vi"

Meu filho, você estava possuído quando escreveu, só pode. Lola, obrigado por me ensinar a ser autocrítico, porque essa frase me deu vergonha. Se bem que, as comédias americanas são tão ruins que essa brasileira aí pode até ser uma das mais inteligentes, pelo menos, no contraste.

A carruagem, a briga com o segurança e a quebradeira que ela arruma quando descobre a traição do marido, realmente são boas cenas, mas podiam ser melhores.

Por exemplo, na hora que ela soca o grandalhão é uma briga de verdade, coisa que as pessoas juram que uma mulher definitivamente não é capaz fazer: bater em um homem de verdade ou se defender. Podia ter seguido a sequência assim, mas ali ele agarra ela de cabeça pra baixo ficando com a cara na altura da vagina dela e a briga perde a graça.

Estou envergonhado, mas feliz. As pessoas evoluem, e esse comentário é uma prova que estou melhor agora.

Novamente, agradeço a ajuda.

Unknown disse...

Que legal, o mais interessante do texto foi o comentário. Essa característica que nós temos de estarmos sempre mudando, vivendo uma constante metamorfose é demais! Isso ter sido relatado é ainda mais legal,que bom que mudamos sempre. Que coisa linda