domingo, 26 de julho de 2009

AMO O FESTIVAL DE DANÇA

São Paulo Companhia de Dança em ação.

Como eu amei o Festival de Dança de Joinville deste ano! Bom, não é novidade. Não é só este ano. Esta já é a 27a edição. Ano passado eu não pude ver nada, porque estava em Detroit. E ano retrasado devo ter visto bem pouquinho, porque estava me preparando pra ir pra Detroit. E eu não lembro de absolutamente nada que aconteceu em julho de 2007, por causa dos preparativos da viagem. Uma amiga minha jura que passou três noites aqui em casa na semana anterior a nossa viagem, mas eu e o maridão não acreditamos nela. Ela diz até que jogamos pôquer e vimos Clube dos Cinco juntas. Não pode ser, eu teria notado. É muito engraçado quando comento isso com o maridão, porque ele não tem a menor recordação d'ela ter ficado aqui em casa. Aí eu penso: se ele não percebe que uma moça linda passou três noites na nossa casa, não existe nenhuma chance d'ele me trair.
Tá, tá, mas tô falando do Festival. Eu adoro como fica a cidade nos dez dias de dança. Cheia de gente alegre, jovem, bailando pelas ruas. E é ótimo porque há apresentações em shoppings, praças e fábricas. Ano passado saiu no Guiness que é o maior festival de dança do mundo. Eu acho o máximo que a cidade seja conhecida por algo tão legal quanto a dança.
Este ano fomos a três noites de apresentações, duas competitivas e a Noite de Gala. Numa competitiva, vimos sapateado e balé clássico de repertório. Esta última é um tanto chatinha, porque sempre acaba tendo apresentações repetidas - três mocinhas dançando Harlequine, por exemplo. Mas as mostras competitivas sempre me emocionam mais. É, eu sou do tipo que às vezes chora vendo um número de dança. A outra noite que vimos, que teve balé clássico e danças populares, foi até melhor. Eu não entendo necas de dança, pra mim todo mundo se apresenta bem, mas o grupo que mais gostei nas danças populares foi sem dúvida um de senhoras de Nova Veneza, SC. Elas pareciam estar patinando! Faziam movimentos que não pareciam possíveis de serem realizados por pessoas sem patins. E como as saias delas iam até o chão, eu me convenci que sim, elas estavam de patins. Vou morrer jurando isso. Ah, elas ficaram em segundo lugar, maravilha.Deixamos pra comprar os ingressos em cima da hora e, portanto, pegamos os últimos lugares. Mas aí, olha a surpresa: a Fundação Cultural me mandou dois ingressos pra Noite de Gala. No camarote, muito chique (que na realidade não é tanto melhor que na arquibancada. É quase a mesma altura. A diferença é que as cadeiras são melhores e, principalmente, que dá pra apoiar os pés no chão. De alguma forma, isso faz as costas doerem muito menos após três horas sentada). Quem se apresentou nesta noite de gala foi a São Paulo Companhia de Dança, grupo criado ano passado pelo governo de SP. Saiu uma reportagem interessante falando que houve uma seleção em que 800 bailarinos concorreram a 40 vagas. Hoje esses 40 trabalham 44 horas semanais, com registro em carteira, e os salários variam de mil a 6,5 mil reais. Não é muito, se a gente considerar que a carreira de um bailarino é bem curta. Enfim, a apresentação deles foi dividida em duas. A primeira, com a coreografia Les Noces, eu não amei tanto assim. Mas a segunda (Serenade), nossa. Foi incrível. No final, três moços levantaram uma bailarina no alto. Mas é difícil explicar o que eles fizeram. Não foi um pulo, não foi que ela escalou e subiu lá no alto e ficou. Ela meio que se materializou em cima deles, e virou estátua. E eles começaram a se mexer, e ela continuou imóvel. Nem uma tremidinha, nada. Sabe quando o público lança um oooohhhh coletivo? Foi assim. Pra humilhar, teve uma hora que ela lá em cima, estátua, se inclinou pra trás. E saiu carregada do palco dessa forma. É complicado pra uma leiga como eu explicar. Mas acredite, todo mundo que tava lá sentiu que viu algo fenomenal. Ah, encontrei uma foto, que não faz justiça ao desafio à gravidade que presenciamos.Ano que vem, se a gente ainda estiver morando em Joinville (e, pelo andar da carruagem da preparação pro meu concurso... ahn, não quero falar sobre isso), vou querer ir ao Festival todas as noites. E minha querida Yallah, que tem uma escola de dança do ventre em Brasília, por que você não vem se apresentar aqui? Venham todos pra Joinville prestigiar o Festival! (mais fotos aqui).

sábado, 25 de julho de 2009

COISINHAS AINDA NA MINHA CABEÇA SOBRE O LINGERIE DAY

Sei que não deveria, mas vou falar só mais um pouquinho sobre o lingerie day. Não faz nenhuma diferença pra Lu e pra Aline, porque elas não me leem, e já tem mais de meio ano que decretaram que, pra elas, eu não tenho nenhuma coisa importante pra falar. Mas eu queria falar pras pessoas insistentes e acima de tudo sofredoras que me leem. Ainda estou tentando entender por que Aline e Lu participaram do lingerie day. Aliás, minto. Porque colocaram o avatar de lingerie tá claro nos posts: a Aline, foi por discordar do post da Ana Carolina sobre o evento. A Lu, foi pra cutucar a minha amiga Cynthia”. Então o porquê, pra mim, tá claro, e não deve ser minimizado: não é que elas ouviram falar do lingerie day, acharam fofo, e decidiram participar. Não. Elas viram o post da Ana (devem ter visto os comentários também, chamando-a de mocreia mal-comida etc), e resolveram participar em oposição a esse post. Ao invés de serem solidárias com uma blogueira que foi atacada, foram solidárias com a campanha. E olha, por mim tudo bem. É o direito delas. O que eu queria entender é o que elas esperavam com essa atitude. Aplausos de outras feministas? Que todas as outras mulheres posassem de lingerie também?
Pelo que eu vi nas caixas de comentários das duas, o clima tá bem hostil. E juro que não é minha intenção ofendê-las, até porque, como eu disse, elas não vêm aqui. Convido todas as leitoras(es) a irem lá e tirarem suas próprias conclusões. Eu destaco alguns pedacinhos (fora do contexto, é verdade, mas parece que contexto é algo em baixa ultimamente, já que cada um pode criar o seu) do post da Aline (tudo sic):
eu não estava pensando em melhor a sociedade em que vivemos. Como eu disse, não sou da turma da vigília. Meu ato era de curto alcance, sim, deliberadamente. No máximo, eu queria ver a reação das pessoas que eu conheço e que me conhecem, que estão nesse círculo mais próximo, sobre minha exposição. Ver a reação, eu disse, e não ser atropelada por ela”.
Eu não sei ainda. Onde e como eu poderia ser sensual. Se não numa página de internet. Se não num #lingerieday, onde então? Em casa, pro marido? É esse o espaço que me sobra pra exercer minha sensualidade? Porque a única coisa que eu vi ser defendida é a negação total do #lingerieday”.
E eu, nisso tudo? Eu-me-di-vir-to. Porque eu coloquei minha foto lá, recebi um monte de elogio, apoio, carinho, recebi críticas, afastei um monte de gente azeda e machista de perto de mim” (essa parte da diversão é contraditória, porque em resposta a outros comentários ela diz que “tudo isso tá machucando de verdade”. E acho que todas somos unânimes em não querer que ninguém se machuque).
Pra mim tem algumas coisas que não batem, mas isso é da linha do feminismo de cada uma. Feministas pró-pornografia costumam achar, como disse a Aline, que “a eventual excitação de uma ou várias pessoas ao verem a foto da mulher não a reduz”. Outras feministas, principalmente as anti-pornografia, consideram que a pornografia reduz a mulher, que vira objeto (geralmente sem rosto) para ser usufruído pelo prazer do outro. Noutro ponto que discordo, Aline diz: “Mas pra mim não cola isso. De que a sexualidade tá banalizada e isso denigre as mulheres”.
Mais difícil ainda é aceitar que, quando uma leitora escreveu no blog da Lu sobre a Mayara (que foi reduzida a uma bunda pela mídia), Lu diga que não, ela não foi objetificada: “A Mayara continua sendo a Mayara”. É um argumento banal esse. Óbvio que a Mayara em si não virou uma bunda ambulante e deixou de ser uma pessoa inteira, assim como a Lu e a Aline não se transformaram em peças de lingerie. Mas a mídia, no caso da Mayara, não quis nem saber se ela era representante da Unicef, suas ambições, suas conquistas. Ela só virou notícia por causa do olhar que dois presidentes lançaram pra sua bunda. Isso é redutor. E não dá pra dizer que isso não afetou a Mayara (quem sabe até de forma positiva, vai saber). Será que os caras que chegaram aos blogs da Aline e da Lu após verem as fotos e escreveram “Uau, que peitões!” e “Gostosa, vou te chupar todinha” leram os posts? Tomara que sim. Mas pra mim, reduzir uma mulher a seus peitos ainda é uma redução. Pra elas não, e o blog é delas.
Mas, por ignorarem o contexto, elas não veem nem o público com quem estão lidando. Tem machista que não consegue ver a diferença entre feministas que aderiram à campanha e as que ficaram contra ela. Tipo, esse comentário eu tirei do blog do Morróida, outro dos idealizadores da campanha: “Bando de bigodudas mal comidas, olha só o que essa fala da besta do Morroida: [e dá link pro post da Aline!]. Essas idiotas que ficaram nervosinhas e ficam fazendo um tratado pra discutir a porra dessa brincadeira nos provam que são mesmo umas gordas bigodudas mal comidas, porque se não fossem, iam dar risada e sair pra dar pro namorado ou algum outro qualquer”. Eu não sei bem como interpretar um comentário desses além de “Cala a boca e tira a roupa, muié!”.
O que eu entendi após ler as respostas delas aos comentários nos seus blogs foi que elas acreditam que: a) a campanha do lingerie day não foi e não é machista; b) elas não foram objetificadas pelos homens; c) foram as feministas radicais que as ofenderam; d) elas não faziam e não fazem parte desse feminismo repressor, anti-sexo, anti-exibição do corpo da mulher, e) elas são contra o cuecas day; e f) o post da Ana Carolina foi agressivo e mereceu as respostas que recebeu. Como a Srta. T diz que elas não disseram isso, cito dois comentários da Aline: “Só foi provocada e ofendida quem provocou e ofendeu”, e “partimos do mesmo princípio que o texto [da Ana] foi provocativo. Ele não tem outra dimensão a não ser reclamar e criticar a campanha e estereotipar os caras q a fizeram. 'Os Homens'. Direito da autora? Sem dúvida. Mas aí gerou reações. Agressivas e toscas tbm, mas e agora? Os caras ficaram putos com a bronca q tomaram e rebatem na moeda provocativa: vc não quer se mostrar? então é gorda e feia”.
Mas a minha maior conclusão é que, se Lu e Aline não fossem feministas, este debate nem estaria acontecendo. Porque não tem nenhuma feminista aqui atacando mulheres (em geral) que participaram do lingerie day. Ou, em outra escala, atrizes que fazem filmes pornôs, ou prostitutas que partipam da prostituição. As feministas criticam o sistema, não os indivíduos. E a Lu sabe disso, e quer que, no fundo, a gente pare de criticar o sistema: o lingerie day, a prostituição, e, principalmente, algo que lhe é muito caro, a pornografia.
O Victor fez uma pergunta totalmente pertinente no post da Lu: “Eu só queria ler a sua posição: por que colocar foto do sutiã no twitter é uma atitude feminista?”. E a Lu respondeu, diretamente: “claro que não é uma atitude feminista isso. é uma atitude minha, pessoal. eu não falo em nome das mulheres e não as represento – nem positivamente, nem negativamente”.
Acho que essa resposta, pra mim, pode encerrar a questão. Porque o nosso erro foi ver o que elas fizeram como parte de um ato feminista, e apontar que esse ato, e essa campanha, não tem nada de feminista. E o erro delas foi colocar a foto em resposta a um post feminista. Victor deixou um comentário muito lúcido aqui:
Em não sendo atitude feminista, se não é machista, ela é ao menos omissa. Se você me diz que está brincando sem se preocupar com a política envolvida aí, qual é o ponto de se sentir ofendida quando uma outra feminista ressalta o ponto objetificante da campanha? [...] Devo dizer que o que vejo da discussão toda é uma polêmica falsa. Porque está todo mundo concordando que a atitude de mostrar os peitos no twitter a pedido de homens não é feminista. E, portanto, é no mínimo omissa. A partir daí, é tudo ponto de vista e vontade de participar ou não. E tudo é alvo de crítica. Só não dá para se sentir ofendida quando alguém diz que você foi objetificada, frente à massa de twitters, por uma campanha que você sabe que foi objetificante, e quando alguém diz que *naquela* atitude você não foi feminista, porque você mesma admite. E se você acha válido participar, e se você sabe que pra você aquilo parte de um outro entendimento, ótimo. Só não ignore o resto do mundo, que é basicamente o que o pessoal está dizendo na posição no debate contrária a elas”.
Eu não poderia dizer melhor.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

EU NÃO RESISTO: MINHA OPINIÃO SOBRE O LINGERIE DAY

Ai, ai, será que eu falo nisso, sendo que só descobri o barraco todo ontem de madrugada, e que a Marjorie escreveu um texto incrível sobre isso? Bom, seguinte, deixa eu resumir, lembrando que nenhum resumo é neutro, já que é um recortezinho, uma visão, de um acontecimento: alguns blogueiros homens organizaram um tal de Lingerie Day, pedindo pra que as tuiteiras (se você precisa que eu traduza o que é isso, tá como eu: tuiteira vem do twitter, aquele micro-blog de 140 caracteres por postagem. Eu não tô lá nem vou entrar. Sou prolixa) trocassem seu avatar (acho que é o perfil, onde colocam foto) por fotos de lingerie. Um deles até fez a piadinha de praxe: se você for gorda, pelamordedeus, não participe! Eu só fiquei sabendo disso depois que a Marj chamou a atenção pra um post da Ana Carolina (eu não conhecia). Ana se opôs ao lingerie day, disse que a proposta era machista, e que isso era bem coisa desse mundo. Bom, ela fechou o espaço pra comentários quando já havia 107, a maior parte ofensas. Ofensas do tipo: “Você só pode ser feia, gorda e mal-comida” e “precisa tirar essa areia da vagina”. Nada diferente dos clichês que a maior parte das feministas já ouviu N vezes - se reclamamos da opressão às mulheres, só pode ser porque não estamos desfrutando das milhares de vantagens da nossa condição feminina (como, ahn, poder ser desejada pelos homens e ficar em casa cuidando dos filhos, sem ter que trabalhar).
Duas blogueiras feministas, após verem o post da Ana e a repercussão ultra-machista (ou há dúvida que chamar a blogueira de mocreia frígida é machista?), decidiram participar do lingerie day e puseram uma fotinho sua de calcinha e sutiã, pra provocar e fomentar o debate. E é nesse ponto que eu fico meio com o pé atrás de falar qualquer coisa, porque as duas blogueiras em questão são a Lu e a Aline, com as quais eu me desentendi faz tempo. Com a Lu foi basicamente por eu ser anti-pornografia, e ela tem uma ideia de que a pornografia é algo extremamente benéfico pra humanidade, principalmente pras mulheres (num post recente, por exemplo, ela disse que a pornografia ajuda as mulheres a gostarem mais de suas vaginas). Com a Aline foi porque eu discordei de um post que ela escreveu, e expliquei minhas razões, suponho que educadamente. Sua reação foi ficar super ofendida com a primeira crítica que eu lhe fiz (antes disso, comentei várias vezes pra elogiá-la) e me tirar do seu blogroll. Picuinhas da blogosfera, que todo mundo já tinha me avisado que aconteciam, eu é que não conhecia. Mas, sinceramente, nada tenho contra as duas. Às vezes visito seus blogs e, embora haja um monte de coisa que elas escrevem que eu não concordo, eu não as desqualifico. Considero ambas feministas, cada uma do seu jeito. Não é a minha linha de feminismo, mas o feminismo é plural, tem mil e uma correntes, e eu não sou de achar que só a minha está correta. Outras leitoras as indicaram para o meu concurso de blogueiras, cujo tema é feminismo, e eu as incluí na enquete, na boa.
Agora que já expliquei minhas reservas pra falar sobre o assunto, será que finalmente posso falar sobre ele? Ah, opa, ainda não! Preciso contar antes como a história do lingerie day continuou: Lu e Aline foram criticadas por outras feministas como a Mary W. e a Cynthia (e o Túlio) por participarem da campanha. Lu e Aline reagiram com posts (aqui e aqui) dizendo que foram objetificadas não pela campanha, mas pelos críticos à campanha.
Considero ingênuos seus argumentos de “Quem faz o contexto sou eu, então não vou ser vista como objeto porque eu que escolhi participar da campanha”. Mas, como eu disse, a Marj já rebateu isso num post brilhante. Não acho que as duas devam ser linchadas pelo que fizeram (tampouco vejo tentativa de linchamento, pra ser franca. Só se for tentativa dos trolls em linchar a Ana Carolina). Eu achei a atitude delas tolinha e vazia, por ignorar todo um contexto machista. Agora, vinte vezes mais sério, na minha opinião, do que colocar foto de sutiã, é afirmar que a Ana Carolina mereceu os comentários trolísticos que recebeu, porque o post estava agressivo. E o que me incomoda é ver gente, homens, em sua maioria, comentando nos blogs da Lu e da Aline e chamando as feministas “radicais” (ou seja, as que não posam de lingerie) de feminazis, histéricas, gordas, feias, mal-amadas, e todos os clichês do gênero. E a Lu e a Aline agradecendo com “é isso aí, obrigada”. Ou a Lu dizer que esse tipo de feminismo “radical” só se vê na blogosfera, como se “feminismo da blogosfera” fosse uma categoria fútil, como se ela mesma, ué, não fosse uma feminista da blogosfera.
Estive pensando noutra coisa também, que até agora não vi ninguém mencionar. Isso de “I'm a liberated feminist, hear me roar!” (“Eu sou uma feminista liberada, ouçam o meu rugido!”) é tão relativo... Quer dizer, isso de que ser pró-pornografia e posar de calcinha e sutiã ou nua é ser liberada, e quem é contra é puritana e anti-sexo. Primeiro, que negócio é esse de se expor? A mídia está tão saturada de imagens de mulheres semi-nuas que isso não chega a ser exatamente uma exposição incomum, né? Além disso, que a gente tire a roupa é justamente o que se espera de nós, mulheres. Não estamos indo contra nenhum padrão ao aderir a uma campanha e posar de sutiã.
Isso de exposição, pra mim, é mais embaixo. Ou melhor, mais em cima. Vamos falar dos rostos. Lu e Aline não mostraram, que eu saiba, não mostram, seus rostos. E assinam ou com pseudônimo ou apenas com o primeiro nome. Há outras feministas na blogosfera, como eu, Marjorie Rodrigues, Cynthia Semiramis, Denise Arcoverde, e a própria Ana Carolina Moreno, que mostramos nossa cara e assinamos com o nosso nome completo. Quem se expõe mais? Não estou dizendo que todo mundo devia publicar foto de seu rosto e nome completo. Mas não faz sentido pensar que a exposição é maior pra quem posa só de lingerie - e fazendo o jogo de machistas, ainda por cima. Tipo, o que tem mais na internet? Blogs machistas ou feministas? O que vai me trazer mais amiguinhos, posar de sutiã ou criticar o lingerie day? Desde quando é ser contra o sistema fazer direitinho o que ele manda?
Agora, pô, se aliar a um sujeito como o Gravataí Merengue? Não dá, né? As duas andam chamando-o de “boss”, chefinho, em tom de grande fraternidade. Eu mal conhecia o Gravataí até pouco tempo. Ele tem blogs desde 2001, eu é que estou sempre atrasada. Bom, o Gravataí, além de um dos idealizadores do lingerie day, foi chefe de gabinete da vereadora Soninha. Quando Soninha fez sua guinada pra direita, Gravataí fez também a sua - e como! Hoje um dos seus blogs, o Imprensa Marrom, troca figurinhas com o Reinaldo Azevedo. É do tipo que chama o Lula de analfabeto e as pessoas de esquerda de petralhas e apedeutas, se você me entende. Mas Gravataí tem também outro blog, em que pode manifestar seu machismo por inteiro. O último post que vi se chamava “Como namorar uma feminista”. Noutro, ele reclamava que a “blogosfera mulêzinha tem ficado excessivamente feminista”, o que deve ser um pé no saco pra um cara divertido como ele. Gravataí perdeu o que restava da sua credibilidade quando descobriram que um blog anônimo feito apenas para atacar o Luis Nassif tinha o endereço da casa dos pais de Gravataí, onde ele mora desde que se divorciou. Fora isso, ele também é conhecido por criar outros blogs anônimos para difamar seus desafetos (vai que ele cria um só pra mim). Quer dizer, mesmo que eu não achasse o lingerie day machista, eu veria a assinatura do Gravataí e prestaria mais atenção ao que Luis Fernando Veríssimo sabiamente disse: "Antes de se juntar ao coro, é melhor saber quem vai estar cantando ao seu lado". Não é por nada não, mas se o Gravataí fizesse uma campanha pra acabar com a fome das criancinhas na África, eu não iria aderir. Por que diabos uma feminista vê o chamado selvagem pra tirar a roupa vindo de um blogueiro dessa estirpe e pensa: “Uau, que ótima ideia!”?
Pronto, falei o que queria falar. Obrigada. Agora vou estudar pro meu concursinho, que é o que eu devia fazer se fosse uma senhora séria.

EU TE DESACATO, AUTORIDADE

E sobre isso de desacato à autoridade, acho o maior absurdo. Se não estivéssemos falando de um país democrático como os EUA, que nunca passou por um regime de exceção, eu diria que é bem isso, resquício da ditadura. Mas o princípio é parecido: pra que haja desacato à autoridade, é preciso que haja uma autoridade. Que não possa ser questionada, ou sequer criticada. Sou totalmente contra isso. Quero que essas hierarquias se explodam.
Uma amiga minha certa vez foi presa por desacato à autoridade também, assim como o professor universitário de Harvard. O que aconteceu? Ela foi pegar alguém que ela gosta muito no aeroporto de Floripa. O voo atrasou, a pessoa não deu notícias, e minha amiga meio que entrou em pânico. Ficou muito nervosa. Agora, vejamos: se você é policial e está perto de uma pessoa nervosa que não é uma marginal, nem está cometendo nenhum crime, o que você faz? Tenta acalmar a pessoa, tranquilizá-la, quiçá ajudá-la, ou a prende por desacato à autoridade? Sinceramente, acho que tem que ser um policial muito ruim (tanto aqui quanto nos EUA), que desconhece o valor do seu trabalho, pra simplesmente algemar o cidadão. Posso estar enganada, mas pra mim polícia é prestadora de serviço. E seu serviço não é apenas correr atrás de marginais e prendê-los. É, inclusive, impedir que um crime aconteça, com trabalhos preventivos, de conscientização, e também trazer paz às pessoas. Criar um ambiente seguro pra todo mundo. Todo mundo quer dizer até alguém que está nervoso e precisa de ajuda naquele momento. Quer dizer, imagino que um policial, como profissional que é, tenha recebido treinamento pra saber lidar com pessoas nervosas. Que benefício há em prender a pessoa nervosa? Nenhum. Alguém vai ter que levar essa pessoa à delegacia, será aberto um novo processo, que mais uma vez sobrecarregará o sistema judiciário. Acho que essa atitude de prender é só pra restaurar a ordem mesmo. Mas não a ordem do local - porque, tanto no caso do professor de Harvard, preso em sua casa, quanto no caso da minha amiga, presa no aeroporto, eles não estavam pondo em risco a vida de ninguém. “Restaurar a ordem”, nessa ocasião, parece ser colocar as pessoas nervosas no seu devido lugar, de subalternas. Isso é de um autoritarismo insano. Não é o tipo de polícia que eu quero, não.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

ARGUMENTOS CIRCULARES PRA CONTINUAR COM O RACISMO

Um dos assuntos do momento nos EUA diz respeito à prisão de um professor universitário. Henry Louis Gates Jr, um negro de meia idade e professor de nada mais nada menos que Harvard, voltava ao seu lar após uma semana pesquisando na China. Encontrou a porta da sua casa emperrada, e tentou, com a ajuda de seu motorista, também negro, forçá-la um pouco para poder entrar. Nem preciso continuar contando o que aconteceu, né? O nosso conhecimento prévio já se encarrega de terminar. Aqui no Brasil é igual: quando alguém numa vizinhança predominantemente branca e de classe média vê dois negros forçando a porta de uma casa, chama a polícia. Se isso não é racismo, eu não sei o que é. Mesmo assim, um monte de gente insiste que não, não somos racistas. E que, nos EUA, o racismo morreu e foi enterrado com a eleição do Obama. Pelo jeito crer nessas fantasias aplaca a nossa culpa. É meio como criança acreditar em Papai Noel e coelhinho da páscoa.
Mas continuando: quando a polícia chegou à casa de Henry, ele já estava dentro, e seu motorista havia ido embora. Henry, supreso, apresentou documentação ao policial branco para provar que aquela era a sua casa. Mas, indignado, disse: “É isso que acontece com homens negros na América”. O policial não gostou, eles discutiram, e o tira da pesada o prendeu por desacato à autoridade. Henry foi levado de sua casa algemado. Depois da divulgação do caso, a polícia retirou as queixas. Henry segue revoltado. Por que será?
O engraçado é que tem um monte de americano branco analisando a notícia e chegando à brilhante conclusão que a polícia estava certa e Henry, errado. Pior: as análises são todas do tipo “se fosse comigo, eu...”. Meu amigo, não é com você. Você é branco. Por mais que você acredite piamente que o racismo não existe, a realidade te desmente. A maior parte dos negros, tanto nos EUA quanto aqui, já sofreu discriminação. A justiça não é cega coisa nenhuma. A polícia certamente não trata brancos e negros da mesma forma. A própria avó do Obama, branca, declarou certa vez que, por medo, mudava de calçada ao ver um negro se aproximar. Deve ser ótimo ser negro e ver todo mundo desconfiar da sua honestidade.
Esta semana, por coincidência, foi divulgado um estudo da Unicef mostrando que rapazes negros, no Brasil, tem 2,6 vezes mais chances de serem assassinados que rapazes brancos. Aí a gente lê os comentários e lá tá escrito (não sei porquê, mas aposto que escritos por brancos): “Qual a novidade? Os negros são pobres!”. O funcionamento neurológico dos comentaristas não permite que eles deem um pulinho e façam essa simples pergunta: por que tantos negros são pobres? Pra responder essa pergunta inconveniente, das duas uma: ou você culpa um sistema de profunda desigualdade, ou assume seu racismo. Se você crê que as oportunidades são iguais pra todos, vai ter que explicar por que os negros não aproveitam esse mar de oportunidades. Será incompetência? Negros são burros? Alguma desvantagem genética que os faça menos capazes? Hoje só a extrema direita tem coragem de mentir em público e confirmar essas asneiras. Mas e o resto, que não acredita em racismo e tem certeza que não é racista? Como explica essa desigualdade, que é inegável?
O argumento muita vezes é circular, e nunca chega ao x da questão. Pra responder por que a maior parte dos pobres é negra, o pessoal que não crê em racismo alega: “Ah, negros são pobres porque têm baixa escolaridade”. Então vamos perguntar a razão dessa baixa escolaridade. Por que são raríssimos os casos como o de Henry que, apesar de ser negro, conseguiu estudar e virar professor universitário? Por que na USP os professores negros não representam nem 1% (0,2%, pra ser extata) do quadro docente? Por que há tão poucos negros estudando nas universidades públicas? Quem crê que o problema está em uma sociedade ser injusta, e não em um indivíduo (negro) ser incompetente, tem que ser a favor das cotas raciais.
As coincidências não param aí: o DEM, nosso partido mais à direita atualmente, decidiu entrar com representação no Supremo contra as cotas nas universidades. Para eles, as cotas são inconstitucionais, já que todos os homens são iguais perante a lei e vivemos numa sociedade igualitária e... o resto você conhece. A direita está eufórica com essa representação do DEM, porque, segundo ela, não é a sociedade que é discriminatória, é a política de cotas que é racista. E o fato de haver tão poucos negros nas universidades é mera coincidência. Ou seja, vamos continuar tudo como está, por favor, que nós, brancos de classe média, não queremos perder nossos privilégios. Isso sim é justiça! Ah, justiça - só se for divina. Quem é contra as cotas já vem com um discurso de “o que precisa ser melhorado é a qualidade das escolas públicas”. Bom, todo mundo concorda com isso. Mas geralmente esse discurso vem atrelado a um posicionamento contra o governo Lula, como se a má qualidade de ensino tivesse começado há exatos seis anos. Os quinhentos anos de governantes da mesma ideologia do DEM que vieram antes não tiveram nenhuma responsabilidade, e muito se empenharam em criar e manter boas escolas.
Com as cotas, talvez mais negros possam estudar e alcançar a invejável posição do professor de Harvard e virarem, eles também, professores universitários. E com uma discussão franca sobre racismo, talvez professores universitários negros, os poucos que existem, deixem de ser vistos como criminosos pelos vizinhos e de ser presos pela polícia. Talvez.