Terceiro caso de machismo contra mulheres que trabalham na segurança pública que chega até mim em menos de duas semanas!
O primeiro, vocês viram, foi de alguns PMs de Itapipoca, Ceará, que num grupo de WhatsApp decidiram opinar sobre como mulheres na corporação poderiam ser úteis a eles (servindo-os sexualmente para tirar o estresse). Isso causou um enorme mal estar a uma instituição que já peca por ser patriarcal, e uma revolta especial nas PMs e bombeiras. Eu publiquei uma excelente entrevista com uma delas (que preferiu não se identificar), que explicou como uma fala daquelas a fez pensar que ela corre risco de estupro no ambiente de trabalho.
Da campanha #Somos Todas Marias |
O outro caso eu vi primeiro num chan misógino de membros da mesma quadrilha que me persegue há anos. O chan é minúsculo e está na superfície, não na Deep Web. Alguém me enviou o endereço há alguns dias e eu decidi ver o que eles estavam planejando. O mesmo de sempre -- o meu assassinato, fantasias de novos massacres e do que ocorrerá quando Marcelo sair da cadeia, e pedidos para ajudar a atacar alguma mulher em particular.
Uma delas é a tenente-coronel Camila Paiva, bombeira militar em Alagoas.
Aparentemente o que atiçou a raiva do incel (celibatário involuntário) anônimo foi que Camila foi vítima de machismo dos colegas e não aceitou calada. Revoltada com o caso do Ceará, Camila iniciou um movimento, o #SomosTodasMarias, em que várias profissionais de segurança de todo o país relatam o machismo que sofrem.
Como represália, pouco depois uma foto sua, de biquíni, foi divulgada num grupo de futebol de oficiais da PM e do CBM no Whats, seguida de várias mensagens ofensivas.
Camila acionou a Corregedoria e protestou: "Tem homens, militares, oficiais, comandantes que postam foto de sunga, sem camisa, e isso nunca foi motivo para eles serem desrespeitados, virarem tema de roda de conversa, virarem centro de brincadeiras em grupo de WhatsApp. E nós, enquanto mulheres, não podemos postar foto de biquíni porque isso é uma desonra. Em pleno século 21, a gente tem que militar pelo direito de postar uma foto de biquíni".
Sua luta ganhou repercussão nacional. Numa entrevista ao O Povo, ela justificou seu posicionamento: Se eu, como tenente-coronel, a oficial mais antiga da corporação, estou sofrendo esse tipo de situação, imagine aquelas que estão na base, que têm uma patente inferior. Isso é muito grave. [...] O meio militar é extremamente machista e esse assunto é um tabu, não é discutido, não é falado. Há mulheres adoecendo, que tentaram suicídio, que sofreram aborto, depressão, que foram expulsas da corporação por machismo e assédio".
Doxxing de chan misógino |
Ontem eu vi uma ótima entrevista que ela deu à jornalista e candidata à prefeita de Maceió Lenilda Luna em que a tenente-coronel mostra saber perfeitamente contra o que está lutando. No Twitter, Lenilda pediu para que eu falasse com Camila. A essa altura, a bombeira do Acre já tinha enviado os prints que eu enviei pra ela do chan pra Camila. E ontem conversamos por DM.
Camila já fez um boletim de ocorrência por conta das ameaças. Hoje o Portal Eu Fêmea publicou uma matéria sobre tudo isso, e lançou outra tag: #SomosTodasCamilaPaiva.
Fico muito feliz que exista esta rede de sororidade que conecta Ceará, Alagoas, Acre, Minas, e tantos outros Estados, e que envolva mulheres dentro e fora dos quartéis. Estamos juntas pra enfrentar o machismo! Confio também que o fato de militares mulheres liderarem o combate ao sexismo humanize o trato das corporações com a população em geral.
2 comentários:
Se os bombeiros não tratam bem suas colegas será que eles tratariam bem suas vítimas? Queremos muitas como essas!!! É uma provocação: será que essa galera reclamando da Campanha do dias dos pais da Natura ficaria tão indignada se o modelo contratado fosse o goleiro Bruno?
Sou do Exército, e tive oportunidade de participar de uma missão da ONU, em que fiquei 6 meses no Haiti. Éramos somente 3 mulheres e mais de 200 homens quando eu fui. O machismo era escancarado. Não podíamos conversar com nenhum homem por mais que 3 minutos, que já virava assunto pra fofoca, onde diziam que estávamos nos envolvendo sexualmente com Fulano e Cicrano por causa de uma conversa... Era realmente insuportável o ambiente de fofocas e intrigas dentro da base onde ficávamos, e era muito chato me sentir observada e vigiada o tempo todo...
Mais pro final da missão, eu comecei a ter medo dos homens que me cercavam. Dentro da base não podíamos andar armados, mas ainda assim eu consegui uma faca enorme emprestada com o pessoal do rancho, e deixava ela embaixo do meu travesseiro. Sempre que eu saía da base para qualquer missão, mesmo que fosse ir a um orfanato fazer uma missão de caridade (levávamos comida a alguns orfanatos de lá), eu só andava armada. Meu maior medo não era que os rebeldes locais nos atacassem, e sim que algum(s) dos colegas militares que estavam na missão comigo decidisse(m) me estuprar... Não sei se meu medo tinha algum fundamento, ou se eu também já estava abalada psicologicamente (voltei da missão com meu psicológico em frangalhos), mas eu realmente não me sentia segura no meio daquele monte de homem machista que não conseguia olhar pra mim somente como a profissional que eu era. Foi um período tenso.
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