Ainda não vi o Especial de Natal do Porta dos Fundos, que está causando tanta polêmica que os reaças promoveram um boicote à Netflix. Eles, que são tão contra o politicamente correto, agora pedem a censura.
Eu só vi o trailer, e não me pareceu grande coisa. Eu continuo amando A Vida de Brian, um grande filme do Monty Python que a Igreja Católica boicotou em 1979.
E adorei esse sketch que o Saturday Night Live fez em 2013, o Jesus Uncrossed (Jesus Descruzado).
Deixo com vocês o texto que o padre Francys Silvestrini Adão SJ publicou no seu Facebook.
Algumas considerações sobre a polêmica do momento: cancelar ou não cancelar a assinatura da Netflix por causa do "Especial de Natal" produzido pelo grupo Porta dos Fundos.
1. Blasfêmia e sátira estão em dois campos de sentido diferentes. A blasfêmia é uma possibilidade de desvio dentro da comunidade de fé. A sátira é uma linguagem e um recurso crítico do campo das artes, de tipo humorístico.
O especial do ano passado ganhou o Emmy |
2. Quando, por diversas razões, os humoristas tentam entrar no campo religioso, é importante distinguir o “alvo” que querem atingir. O “alvo” da blasfêmia é Deus. O “alvo” da sátira é a imagem de Deus projetada publicamente por aqueles que dizem crer nEle. Os que se utilizam da sátira falam sobre nós, nossas crenças, nossas práticas; não sobre Deus.
3. A sátira se constrói com caricaturas: às vezes, exagerando traços que vão na linha da crença comum, para fazer enxergar o que não se vê; às vezes, construindo imagens chocantes, para provocar criticamente a crença comum.
4. Um grupo de humor não tem, em si mesmo, compromisso com o Jesus dos Evangelhos. As igrejas cristãs, essas sim, deveriam sempre ter. Num momento em que uma figura de Jesus domina a cena pública, com implicações políticas para toda a população, essa “figura” (que, como qualquer interpretação, nunca será idêntica a Jesus) pode se tornar alvo de todos os sujeitos de uma sociedade.
5. Ninguém precisa gostar de um grupo de humor (este, pessoalmente falando, não é o estilo que aprecio). Mas este desconforto e revolta que vários cristãos estão sentindo podem ser um alerta: a sátira, talvez, nos coloque diante do verdadeiro risco de blasfêmia que estamos correndo (nós, que cremos). Não esqueçamos: nas Escrituras, Deus transmitiu sua mensagem até mesmo pela boca de uma mula!
6. Ocasião, então, para um exame de consciência: a imagem de Jesus que temos projetado publicamente (em palavras e em gestos) é, realmente, aquela que nos transmitem os Evangelhos? Trata-se dAquele que, encarnando-se na periferia da periferia daquele tempo, veio trazer Vida em abundância para todos? Somos reflexo do Jesus que -– para anunciar a vitória da graça sobre as infidelidades de todos nós -– preferiu caminhar e conversar com pecadores, prostitutas, pobres e doentes, ao invés de convencer sacerdotes do Templo, mestres da Lei e fariseus?
7. Será que a caricatura satírica, para muitos desagradável, deste controverso “Especial de Natal” não seria uma ocasião favorável para examinarmos a possível caricatura blasfemadora que muitos de nós, crentes, estamos projetando no espaço público de nosso país? Declaramos guerra a um “mundo perdido”, sem considerarmos nossa sempre necessária e contínua conversão à Santidade de Deus, que deseja que nenhum de Seus filhos se perca?
8. Neste tempo de Advento, façamos nosso próprio “Especial de Natal”, agradável a Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo: cancelemos todas as falsas imagens de Jesus que estamos consumindo e divulgando. Abracemos, de modo definitivo, o Jesus dos Evangelhos, o Cordeiro manso e humilde de Deus, o Anunciador incansável da Misericórdia do Pai, o Único que é uma Boa Notícia para nós e para todos.
PS.: Não estou jogando com teorias... Se não ficou claro, que fique agora: há, no mínimo, silêncio nosso diante dos feminicídios, invasões e assassinatos em terras indígenas e quilombolas, precarização do direito dos idosos, truculência com pessoas pobres que não cometeram crime (inclusive crianças!)... Segundo a mais sólida doutrina cristã, essas pessoas são "imagem de Deus". O risco de blasfêmia ao qual faço alusão é absolutizar símbolos (ainda que importantes) e relativizar vidas (sempre insubstituíveis). Seria o contrário do que fez Nosso Senhor Jesus Cristo.
As imagens usadas para ilustrar o post são escolhas minhas, não do padre |
8 comentários:
Boicote não é censura.
É só mais um programa engraçado da Netflix; quem não quiser, é só não assistir.
O empresário Luciano Hang perdeu seu processo na segunda instância contra um comediante que desejou a sua morte.
A Justiça considerou que se tratava de uma piada, quando ele pediu para alguém “matar o veio da Havan”.
Ameaças de morte em tom de piada tá liberado, ouviram?
Sou cristão e digo, que texto perfeito.
Mas crentelho reclamar de politicamento correto é hipocrisia
Agora, as piadas do Gentili são outra coisa... como sempre a esquerda posmo falando groselha. Sou contra censurar o porta dos fundos assim como censurar o Gentili. Seria bom se vocês atuassem com certa coerência.
Excelente texto! Por mais padres como o Francys!
Ótimo texto. Perfeito! Adoro ver religiosos como esse padre, ou o próprio papa, que APESAR da religião, ainda assim conseguem ser boas pessoas.
Independente do que se acredita (que Jesus foi um enviado de Deus, se foi um homem comum ou se é somente uma lenda), o Cristianismo é lindo, a mensagem é maravilhosa. Mas os cristãos, de maneira geral, conseguem estragar tudo... É bom encontrar exceções.
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