quinta-feira, 15 de outubro de 2015

GUEST POST: DOIS ESTUPROS, UM ABORTO, UMA CHANCE PARA RECOMEÇAR

O aborto é permitido no Brasil em três casos: fetos anencéfalos, risco de vida para a gestante, e gravidez decorrente de estupro.
É uma das legislações mais restritivas do planeta. E vale lembrar que, mesmo com o aborto permitido nesses casos, encontrar atendimento para interromper a gravidez é dificílimo. 
Há muitos homens no Congresso querendo tirar o direito das mulheres ao aborto até nesses casos. Para esses fundamentalistas religiosos, o embrião ou feto vale mais do que a vida da mulher ou menina (já que muitas das vítimas de estupro que engravidam são meninas com menos de 14 anos). 
A Ana corajosamente conta o que ela passou. 

Quando eu fui estuprada pela primeira vez, eu nunca havia visto um pênis, nem em foto, nem em vídeo, somente desenhos nos livros de biologia da escola. Eu tinha quinze anos. Não lembro muito bem o ocorreu durante o estupro, mas lembro em detalhes dos três dias seguidos de calafrios, dores pelo corpo, dificuldade pra urinar e sentar, e uma dor de cabeça que não dava trégua. 
Também não me abandonaram durante mais de 20 anos a culpa e a vergonha por ter entrado em choque ao perceber que seria estuprada. Eu ainda não havia sequer compreendido e aceitado que havia sido estuprada quando, pouco mais de três anos depois, fui vítima de um segundo estupro.
Se o primeiro estupro havia me tirado quase todos os sonhos, o segundo me tirou a vontade de viver, principalmente quando descobri que estava grávida. Quis morrer, até ingeri uma quantidade enorme de remédios na esperança de, quem sabe, ter uma morte tranquila. Consegui somente uma lavagem estomacal e uma centena de sermões do médico e das enfermeiras que me atenderam, dos meus parentes e vizinhos. Todos achavam que eu tinha uma vida inteira para viver, que era bonita, tinha uma vida boa e nada do que reclamar. 
Todos que são contra também
Enquanto isso, ninguém ao menos desconfiava que no meu útero continuava a crescer um feto que carregava metade do DNA do meu agressor. Sofri calada. Não tinha coragem de ir à polícia e me submeter aos constrangedores interrogatórios, exames médicos, ao julgamento e aos sermões que iria sofrer na delegacia. Por isso, pedi a um ex-namorado que me ajudasse com o aborto.
No Paraguai o aborto é proibido em
casos de estupro. Uma menina de 10
anos que havia sido estuprada foi
impedida de abortar. É isso que
queremos no Brasil?
Desde que descobri a gravidez tinha pesadelos de que a criança era um monstro que consumia minhas vísceras ou que daria a luz a um demônio. Não consigo imaginar como amamentaria uma criança que seria metade do meu agressor. Nunca me restou dúvidas que toda vez que eu olhasse para o rosto dela, veria passar um filme na minha cabeça e vivenciaria repetidamente a angústia que passei durante aqueles instantes e a sensação de morte que tive nos braços dos meus estupradores. O mais lógico seria culpar a criança por todo e qualquer problema ou sofrimento que eu viesse a ter. Nenhuma criança mereceria ser tratada assim. 
Optei pelo aborto como estratégia de sobrevivência. Ainda assim ainda me restava enfrentar outro drama. Onde conseguir interromper essa gravidez de forma segura? Eu estava sozinha, não tinha dinheiro e ninguém sabia que eu havia sido estuprada. Para complicar ainda mais a situação, a única pessoa que poderia me ajudar com o abortivo era o ex-namorado (que se tivesse prestado atenção no exame perceberia que não teria como ser o pai, e que por sinal era contra aborto). 
Mesmo correndo o risco de não conseguir apoio para o aborto, recorri a ele dizendo que estava grávida e que ele seria o pai e logo revelei que não tinha interesse em levar a gravidez adiante e que precisava de dinheiro para interromper a gravidez. Interessante é que apesar de ouvi-lo dizer que o aborto era crime hediondo, que a criança não tinha responsabilidade pelos erros dos pais, ele sequer pensou em me dissuadir da ideia. Comprou ele mesmo os comprimidos abortivos e ainda me acompanhou durante o uso.
Enfim, coloquei o remédio por volta das 6 horas da manhã e por volta das 6:45 comecei a sentir as contrações. Em torno das 10 horas passei a sangrar e lá pelas 16 horas as cólicas começaram a diminuir. Sangrei por mais quatro dias. Uma semana depois fiz novamente o teste de gravidez. Ao receber o resultado negativo senti que eu realmente poderia seguir minha vida sem carregar meu agressor comigo.  
Mesmo não tendo me restado um filho para me fazer lembrar todo o horror que passei, foram necessários mais de 20 anos pra que pudesse falar sobre os estupros ou pensar neles sem que eu sentisse nojo de mim, vontade de morrer ou de me imolar. Hoje ainda trago marcas no corpo e na alma por conta da violência. No entanto, eu superei toda dor e medo, não tenho mais insônia ou acordo no meio da noite em sobressalto com pesadelos.
Há mais de 5 anos não bebo (eu bebia muito), não tenho mais ideias suicidas (eu vivia planejando suicídio) e hoje consigo abraçar naturalmente, sem sentir náuseas pelo contato físico. Infelizmente, outras mulheres não têm a chance que eu tive, algumas se suicidam, outras passarão ou passaram a vida inteira tendo uma vida de cão.
Isso que contei aconteceu no início da década de 90. Hoje tenho 41 anos, um casamento estável que está beirando 18 anos. Não tenho filhos porque tive a oportunidade de escolher. Outras mulheres não têm a chance que eu tive de recomeçar, de seguir em frente sem ter que assumir a responsabilidade por um filho que ela não desejou ou de carregar o fruto de uma violência no ventre por nove meses -- um feto pelo qual ela talvez não desenvolva nenhum afeto. 
Não se pode querer deliberadamente perpetuar o estupro de uma mulher. Eu precisava do aborto tanto quanto eu precisava respirar. Muitas outras mulheres também precisam. Tenho todo o respeito por mulheres que decidem ter um filho gerado por estupro, mas obrigar todas a prosseguirem com a gravidez me parece de uma desumanidade sem tamanho.

Leia a resposta da Ana aos comentários: Parem de culpar a vítima, p*rra!

106 comentários:

Anônimo disse...

Ta cheio de erros em cima porque o tablete ta ruim...mas a mensagem da p entender

Anônimo disse...

Por mais que o procedimento seja burocrático, constrangedor e doloroso porque a autora do relato não foi a delegacia e fez o aborto legal? Preferiu se sujeitar a comprar remédio ilegalmente, correndo o risco de ingerir medicamento que poderia ser falso ou vencido, fazer o procedimento de forma insegura, se fosse pega poderia responder a processo.... E ainda mentiu, envolveu alguem que não tinha nada a ver com a história, fez o ex se envolver em algo ilegal, comprar o remédio para ela e ainda fez o cara acreditar que poderia ser pai e que estaria abortando o filho.... Bem legal essa menina!!!! Sou totalmente a favor do aborto, ao direito das mulheres ao seu próprio corpo, acho que todo castigo para estuprador é pouco (é um crime absurdo), mas essa história foi um festival de falta de bom senso.

Jamile disse...

Caro Anônimo,
pelo visto vc nunca foi a delegacia, ao IML pra ver o atendimento que se recebe nesses locais. Talvez ela errou em ter mentido, sim, mas quem somos nós pra julgar alguém que tenta uma coisa em uma situação de desespero? E outra...o ex ajudou pq quis. Se ele nao queria se "envolver em algo errado" entao pq se envolveu?

Rafael disse...

O aborto é legal no caso da Autora, porém não é tão fácil quanto parece, estamos em um país atrasado, extremamente conservador, em vias de se tornar um Estado Teocrático, some-se a isso a ausência de auxilio psicológico e médico para as vítimas de estupro, e diga-se de passagem não ficaram claras as circunstâncias que ocorreram os crimes, ou seja, a prova talvez fosse dificil pra moça,esse contexto todo faz da permissão do aborto nos casos previstos letra morta.

Somando a isso, é uma questão tratada pelo Legislativo com um amadorismo e escárnio de dar medo, onde já se viu trazer um padre paranoíco para debater esse assunto no Parlamento? Seria como levar um ufólogo para opinar sobre a compra de caças pela força aérea.

De outro ponto,eticamente com o ex-namorado não há como defende-la.

Jamile disse...

Lola,
acho que seria interessante vc fazer um post sobre o outubro rosa! vc tem um alcance gigantesco, e essas ações de conscientização são sempre muito importantes, pq muitas vezes as pessoas sabem, mas sempre tem aquela ideia de "ah nao vai acontecer comigo".
Mais uma coisa, sobre a campanha desse mês que usou o outubro rosa pra vender maquiagem e em nenhum momento da campanha sequer mencionou o que significa o mês de outubro para prevenção e cura de câncer de mama. Escrevi um pouco sobre isso aqui: http://naocurtiacheiofensivo.blogspot.com.br/2015/10/transformaram-o-outubro-rosa-em.html

Anônimo disse...

Lola, feliz dia dos professores!!!

Bom. Ainda estou absorvendo a história do guest post.

Sobre a questão do aborto, eu sou a favor da descriminalização da prática, porém com um limite de tempo gestacional bem estrito (até o momento da formação do sistema nervoso - que possibilita a sensação de dor por parte do feto - o que se dá, pelo que sei, até a 8ª semana). Muitos devem considerar esse tempo curto demais para se perceber uma gravidez, mas pensem comigo: 1) o casal fez sexo desprotegido, e por sexo desprotegido entende-se qualquer relação sexual que não envolva ao menos 1 método contraceptivo usado corretamente, considerando ainda os dias férteis da mulher (que é algo que deve ser mais ensinado nas escolas: método billings); 2) depois do sexo desprotegido, não foi tomado o cuidado de usar a pílula do dia seguinte; 3) nessa situação, qualquer pessoa normal estaria preocupada e atenta com a possibilidade de uma gravidez não planejada, ou seja, prestaria atenção no corpo e faria exames de gravidez que detectam o início da gestação.
Ao contrário de muita gente favorável ao aborto, eu considero sim o feto uma vida. Sendo esta vida capaz de sentir dor (ainda que inconscientemente), acho digno poupá-la. O nosso direito de escolha não se sobrepõe ao direito de dignidade e vida do feto. VEJAM bem que nosso direito não está sendo cerceado e sim delimitado: o aborto é permitido no período dos dois meses iniciais da gestação.
Claro que não levei em conta a burocracia que é hoje conseguir realizar um aborto legal (estupro/risco materno/anencefalia). É ótimo que a mulher hoje não precise realizar registro da ocorrência do crime para solicitar o aborto (basta a declaração, no hospital, de que sofreu um estupro). Ocorre que poucos são os hospitais habilitados para tal prática e exite ainda a questão médica: pelo que sei (corrijam-me se eu estiver equivocada), o médico pode alegar escusa de consciência e acho isso correto. Não havendo urgência imediata (risco de vida iminente para a mãe, por exemplo), o médico deve poder se recusar a realizar o procedimento de aborto. Obviamente se o médico faz parte da equipe de aborto montada pelo SUS, ocupando essa função específica, ele deverá realizar (é o mesmo que, no caso da adoção da pena de morte, alguém prestar concurso para "carrasco" e se recusar a cumprir a sua função porque é contra a pena de morte). Acontece que poucas equipes específicas assim existem no brasil (insuficientes hoje para os casos legais hoje, imagina se descriminalizar a prática?).
Então antes da descriminalização, deve-se estruturar o sistema de saúde como um todo para receber a demanda. Paralelamente, a educação sexual nas escolas é imprescindível para que se evite ao máximo chegar ao ponto da necessidade de realização do aborto para evitar o nascimento não planejado de filhos. O é um direito, mas ao meu ver não deve ser estimulado por motivos éticos e de saúde.

Enfim.

Sobre a história do guest post, sinto muito pelo que a autora passou. Um estupro já é o suficiente para desestruturar a vida de alguém, imagina passar por isso duas vezes. Além do mais, você decidiu enfrentar tudo sozinha, talvez tivesse sabido lidar melhor com tudo (e superado antes), se tivesse podido contar com sua família e amigos próximos... Também não achei legal envolver uma pessoa que nada tinha a ver com a história (seu ex), ainda mais ele sendo convictamente contra a prática (não vou entrar no mérito da hipocrisia dele), e pior, sendo uma prática ilegal, ele podendo ser responsabilizado por isso (claro, ele sabia que era ilegal e participou porque quis), mas enfim. Já foi. Fico feliz que você tenha superado e hoje esteja bem. Você não entrou em detalhes sobre a sua história, espero que você não seja hoje obrigada a conviver com os dois criminosos que dilaceraram sua vida...

Anônimo disse...

Lili

Lola querida, desculpe não comentar sobre a história dessa moça, mas deixa eu te pedir uma coisa.
Por favor no post dos bombeiros, apaga o comentário misógino do troll de 14 de outubro das 20:32.
Ninguém merece ler aquele show de ódi, deboche e misoginia contra as mulheres.

Rê Bordosa disse...

"Todos achavam que eu tinha uma vida inteira para viver, que era bonita, tinha uma vida boa e nada do que reclamar."

Sempre assim...

Anônimo disse...

A parte dos homens parecendo cachorros no cio, trepando com várias por semana vocês esquecem.

Os homens também, desfazem dos filhos com uma maior facilidade e querem pagar de moralistas.
Eu quero ver quando, essa guarda compartilhada for exigida o que não vai ter de homem pedindo aborto.

Rê Bordosa disse...

Excelente comentário, Mariana!

Anônimo disse...

Para concepção de um filho é necessário um esperma ,que sai do homem.
Mas o machismo como sempre acha que a responsabilidade sobre o filho é da mulher, mas na hora do aborto é de todo mundo o direito de se meter, inclusive de homens que tem filhos e muitas vezes nem sabem que são pais. A viúva só descobre na hora do enterro que vem um monte de herdeiro atrás do que é seu. Então se vocês não querem que mulheres abortem, tratem de fazer vazectomia!

Anônimo disse...

Bem colocado! Sempre acham que o filho é responsabilidade única da mãe. Mas na hora que a única responsável decide não querer ter essa responsabilidade os irresponsáveis se metem.
Se não quer que mulheres abortem, vão lá ser pais solteiros e brigar pela guarda do filho. Aí nenhum homem quer né, perder noitada por causa de filho.

Anônimo disse...

Cara Jamile, obvio que o atendimento em delegacias e IML não é uma coisa agradavel, mas não deve ser pior do que passar pelos riscos de um aborto clandestino como ela fez. Não é possivel que alguem escolha passar por isto simplesmente por achar que o atendimento em delegacia/IML é ruim, ne?

Anônimo disse...

Mulher nunca tem do que reclamar. Pra essa gente machista e idiota, mulher tem crise de frescura, não motivo pra reclamar. Dá nojo. Meu apoio e muita força pra você Ana.

Mascus que vão chegar aqui hoje pra protestar "mimimi a vidinha o fetinhu" SE CASTREM logo antes que seja tarde demais. Cortem suas bolas fora de uma vez.

lola aronovich disse...

Jamille, sim, preciso publicar pelo menos um post sobre Outubro Rosa! Alguém se habilita a escrever um, por favor? Jamille, vc gostaria de contribuir?
Aliás, tá cheio de temas que dizem muito respeito a mim e, mesmo assim, não sei o que escrever. Preciso de ajuda para escrevê-los, preciso de guest posts. Menopausa, por exemplo. Não tem um só post no blog sobre menopausa! Eu estou quase nela e não posso contar com meu próprio blog pra isso!

Lord Anderson disse...


Parabens pelo dia dos professores Lola, obrigado por tanto que ensina a tantos de nós :) .

Lord Anderson disse...


E Ana, lamento tanto que vc e outras tantas mulheres tenham que passar por isso.

Felizmente vc esta conseguindo lidar com tudo.

Minha torcida pelo seu recomeço.

Rê Bordosa disse...

Parabéns pelo dia dos professores, Lola!

Rê Bordosa disse...

É incrível como num post que descreve uma experiência traumática como essa, um assunto tão delicado, o primeiro comentário é pra julgar a moça e dizer o que ela deveria ter feito ou deixado de fazer... Empatia e sororidade que é bom ta em falta, heim?!!!
Muito fácil pra quem ta de fora julgar, não ta na pele dela pra saber.

Um abraço, Ana! Parabéns pela coragem que teve pra superar as dificuldades e seguir com a vida!

Anônimo disse...

Parabéns pelo dia das PROFESSORAS Lola!
Queria ser sua aluna. :)

Gisele

Rê Bordosa disse...

Me falta saco pra aturar bobagem quando vejo vítima ser julgada. Que nem quando uma moça diz que não teve coragem de denunciar o agressor e vem o mimimi "ai, que errado, ela tinha que denunciar, tinha que dar exemplo".

Exemplo de cu é rola! Ninguém tem que dar exemplo de nada não! Ela ta sofrendo e seguindo com a vida dela do jeito que consegue. A vida dela e as experiências dela são de âmbito privado! Mulher não é patrimônio do movimento feminista não! Ela não é obrigada a fazer da vida pessoal dela exemplo para campanha e militância. Quem quiser que levante a bunda da cadeira e milite.

Há uma grande, grande diferença em debater atitudes/comportamentos de maneira geral e debater a vida alheia!

Rafael disse...

O que vejo na prática profissional e observação pessoal é que a mulher assume todo o ônus da criação, a começar pelo risco de morte presente no parto, depois pela própria criação da criança, o peso maior sempre é da mulher,logicamente há exceções de pais que criam filhos sozinhos etc, mas em geral isso ocorre em situações extremas como morte da parceira, e o povo ainda acha que esses caras são heróis por aceitar um "fardo" que necessariamente deveria ser da mãe.É um negócio tão enraizado culturalmente que as próprias mulheres já tomam como sua essa responsabilidade, dando as vezes pouco espaço ao pai que quer participar mais.

Dai, quando ela não quer ter o filho, levantam-se tropas e tropas de moralistas crucificando-a.Sendo o primeiro deles, via de regra, o paizão do facebook.

Marcia disse...

Ana queridona, que triste história. Mas eu espero que você saiba que é uma mulher fantástica por ter enfrentado o horror, sobrevivido e decido reconstruir sua vida. Não ligue para os julgamentos, infelizmente eles parecem fazer parte do 'pacote' de ser mulher nessa merda de sociedade machista.
Eu já sofri violência sexual e fiz a opção de denunciar. Não foi estupro, foi assédio. E posso lhe dizer que mesmo sendo formada em direito, feminista, pós-graduanda da ciência política e estar acompanhada no momento da denúncia, fazê-la foi horrível.
Recontar como alguém parou para me agredir na rua, tocar meu corpo, falar coisas horríveis a meu respeito, mesmo eu sabendo que tudo isso não é legítimo, que eu tinha a razão, que eu não era culpada, foi terrível. Eu quis sumir várias vezes da sala da delegada, eu que bem ou mal já estava acostumada as instituições do direito e seus procedimentos.

É um tipo de dor que parece não ter espaço ou palavras que a legitimem, não é algo que se possa expressar e muito menos convencer os demais de que é real, machuca e te faz querer ficar em silêncio.

Quando você diz o que aconteceu com você, parece que tudo é mais real, mais assustador, mais vergonha causa, mais culpa suscita, mais vontade de ficar em silêncio você tem. Somos criadas numa sociedade que socializa o silêncio sobre a violência como um virtude. Quebrar com essa socialização é, literalmente, arrancar pedaços da própria alma e se reconstruir novamente.

Revivi essa história muitas vezes nos meus anos de militância online. Sempre as mesmas histórias: uma estudante de pós-graduação me procura, eu escuto sua história de horror (meu orientador me cantou e depois ameaçou 'acabar com minha tese', 'fui a uma festa, bebi, acordei nua numa casa estranha, não sei quem me estuprou', um colega me agarrou, fiquei em choque, deixei que ele me violentasse' e por aí vai. Elas sempre me perguntam: como contar? Tenho medo, tenho vergonha, dói muito falar sobre o assunto.

E eu sei que doí horrores quando ela me fala, eu vou, faço a busca de todas as instituições onde se pode fazer a denúncia mais perto da casa dela, me disponho a acompanhar e realmente o faço. E isso nunca é capaz de fazer a dor passar ou de torná-la mais suportável. Onde moro há um dos poucos hospitais públicos que realizam o aborto legal no país. E vou lhe dizer: sempre há uma dose de violência institucional para todas as vítimas que procuram o local. 'Mas você não se cuida'? Não toma anticoncepcional? Como assim bebeu muito numa festa? Quer mesmo fazer o aborto?' Essas são algumas das perguntas que já tive o desprazer de tomar conhecimento na ante sala da avaliação para o aborto. O que deveria ser um direito é tratado como um favor que se faz a uma 'alma perdida'.

Fico de cara com o cinismo de quem acha que é 'super simples' em termos emocionais denunciar um estupro e fazer um aborto.

Testemunho sem dor ainda é um debate longo e muito distante da realidade de muitas feministas, quem dirá das instituições oficiais, onde a violência do transformar tudo em dados, converter as pessoas em estatísticas, está profundamente instituída como uma forma de poder.

Esse ciclo de culpa e dor é terrível e antigo, mas hoje Ana, por que você teve a coragem de escrever e contar, a coragem de sobreviver e reconstruir sua vida, há mais chances de que outras mulheres sigam o seu exemplo e falem, e busquem ajuda para curar suas dores. Hoje por quê você falou, há mais esperança. Obrigada por compartilhar.

Um abraço e dois beijos carinhosos, se cuida guerreira.

Rê Bordosa disse...

Aplaudindo aqui, Márcia!

@vbfri disse...

Deixa eu contar uma coisa pra vocês... Vamos lá....

Vou explicar como é feita a denúncia de um estupro no nosso lindo país.

Em primeiro lugar, a maioria dos estupros é cometida por alguém próximo à vítima. Pai, padrasto, irmão, primo, marido/namorado, amigo pessoal ou amigo da família da vítima. Estupro de beco, esquina, matagal é minoria.

Aí a mulher passa por uma violência dessas. É estuprada, normalmente por uma pessoa PRÓXIMA, ou seja, uma pessoa por quem ela tem carinho, alguém do convívio próximo.

A primeira dificuldade em denunciar está aí: é uma pessoa que é próxima.
Segunda dificuldade: sentimento de culpa. Está enraizado em nós a sensação de que se a mulher é estuprada, ela fez algo MUITO errado. Por exemplo: ela pode ter ido a uma festa e bebido (como se isso fosse crime). Ela pode ter brigado com o marido e ele ficado com raiva e a estuprou. Ela pode ter feito mil coisas e vai procurar onde estava a "culpa" dela pelo estupro. Porque ela pode, simplesmente, pensar que deu azar. Não deveria ter saído de casa. Ou DEVERIA ter saído de casa (se o estuprador for alguém próximo)

Terceira dificuldade: (falta de) tratamento humanizado na polícia. Porque o estuprador é, via de regra, uma pessoa próxima à vítima, ela é novamente culpabilizada. Perguntas como "o que você estava fazendo", "o que você estava usando", "por que você reagiu" são comuns e, frequentemente, há uma culpabilização, desta vez por parte dos agentes, sobre a mulher.

Essa é uma nova violência.

Aí vem as perguntas do tipo "mas, ain, tem certeza que você não queria? Você não provocou? Você não fez sexo e se arrependeu por isso?"

Se ela sobreviver a isso, vem a parte do IML.

Uma pessoa (nem sempre uma mulher, tá?) vai colocar a mulher NUA, deitada naquelas macas de ginecologistas (o que, convenhamos, já é uma merda, mesmo quando você não passou nunca por uma situação de violência. Ela vai ser futucada, apalpada, examinada, virada do avesso e, AINDA, vão TIRAR FOTOS (que é o que é usado para o processo penal).

Aí ela vai para o hospital receber os medicamentos e, ainda, estipular um prazo para a realização de novos exames.

Mais médicos estranhos, mais pessoas lhe apalpando, tocando, examinando, julgando.

Devia estar pedindo. Deve ter dado e se arrependido. Devia estar com roupa curta. Devia estar bêbada.

Aí se ela se descobre grávida, o médico NÃO É obrigado a fazer o aborto. Pode alegar que acha pecado e boa sorte pra ela encontrar um que faça.

Porque é uma vida que não tem nada a ver com isso.
Porque é um inocente.
Porque é um "anjinho"
Porque ele pode ser um PRESENTE.
Porque... Porque... Porque....

Então, antes de julgar, coloquem-se no lugar dessa mulher.

Porque, olha, é difícil passar por isso sem cortar os pulsos.

"Ain, mas ela devia ter denunciado".

Leia mais uma vez tudo o que ela escreveu. Pense e reflita sobre o que eu escrevi. Agora imagina você passando por isso.

Pensou? Ainda acha que ela deveria ter feito? Ainda acha que no lugar dela você denunciaria?

Parabéns. Toma uma estrelinha dourada para você.

Aproximadamente 90% das vítimas não denuncia. Por causa disso tudo o que eu escrevi.

Denunciar ou não cabe à pessoa. É decisão dela. É ela quem sabe se tem estômago para passar por tudo isso.

Anônimo disse...

Nao muito relacionado com o post...
mas eu fiquei pensativa quando falam que quem engravidou a mulher nao tá nem aí (de modo geral)..nem sei se foi falado isso nesse post, mas sempre em assunto de aborto , alguem comenta ao vivo "é... o pai some, tá nem aí..."

de todos os casos que eu conheço, lembro apenas de 1, sim, só 1, que o omi se mandou... (eu sei, 1 caso ja é suficientemente horrivel)

conheço alguns casos de moças que engravidaram do peguete (em alguns, dizem, em encontro de 1 dia apenas), e nao apenas o pai, como a familia deles, abraçaram a criança com todo amor que a criança merece.

Anônimo disse...

Tenho uma amiga que foi estuprada e ela não conseguia falar nada sobre o ocorrido. A mãe dela ligava para todo mundo e pedia que a gente conversasse com ela (forçando a barra pra que ela falasse algo) demorou muito pra que todo mundo percebesse pelo que ela passava. Na época ela tinha 16 anos. Ela ficou em choque, não falava com ninguém, não comia direito, e ficava chorando por horas. Depois de começar um tratamento com um psicólogo e após dois anos de tratamento, um dia ela chorando conseguiu contar que havia sido estuprada pelo noivo, eu tava na casa dela no dia, eu, a mãe dela e uma prima. Ela conseguiu desabafar e contou muitos detalhes. Ela me confessou que o pior não foi falar sobre o ocorrido, ela me disse que falar sobre tudo lhe fazia bem. Mais o que deixava ela completamente desnorteada eram os olhares de desaprovação quando ela contava que havia sido estuprada pelo noivo, na casa dele após ter ingerido bebida alcoólica.

Ela me disse que a pior coisa são os julgamentos, as pessoas apontando o dedo. Os parentes dele que ela encontra e que não conversam mais com ela..Isso sem contar todos os comentários maldosos.

Não julgue, você nem imagina o que a pessoa pode estar passando.

Anônimo disse...

Anônimo

Também vejo muito isso, tem mulher irresponsável também, sai distribuindo por ai e depois quer culpar o homem(também responsável), pixar o cara de malandro, pô pera lá, nem toda mulher é feministas-autosuficiente-prafrentex- tem pilantra e mal caráter entre elas e aos montes.

Anônimo disse...

E Ana, continue, siga em frente, você é guerreira e guerreiros não desistem! Parabéns pela sua força!

Anônimo disse...

sou o Anon das 14:49

se ficou mal explicado,
eu nem chamei ninguem de irresponsavel por engravidar na primeira vez (a camisinha pode estourar, por ex)
mas é que eu acho que a situação está mudando...
o unico caso que conheço que o pai nao esteve nem aí, foi um caso dos anos 90... e ainda assim, ao que me consta hoje, o pai ficou bastante arrependido e tentou uma aproximacao (ainda que tardia)

Apesar de nao conhecer, ja ouvi casos de maes que criaram os filhos sozinhos, mas isso antes de eu nascer, nao sei quem sao essas pessoas e sinto muito por elas. Esses homens realmente sao pessimos, no minimo.

Mas atualmente... todo caso que eu fico sabendo de gravidez fora do casamento (seja namorado, peguete, ficante de 1 dia) nao vejo ninguem fugir das obrigaçoes....e vejo as familias abraçando a causa... o que me deixa feliz, afinal, a criança nao tem culpa de nada... e criança sempre vem pra somar...

Anônimo disse...

Eu acho sinceramente que uma gravidez não planejada gera uma tensão para todos os envolvidos.
A mulher, claro, é onerada com uma carga muito maior, mas os homens minimamente humanos também se importam e também se envolvem na questão.

Tenho um exemplo pessoal recente. Um amigo próximo meu ficou com uma moça que conheceu na balada, se encontraram umas 3 vezes na noite e acabou acontecendo de ela engravidar. Ela procurou ele pra conversar 3 meses depois (ele não fazia idéia do motivo, achou que ela só queria ficar com ele de novo), preparada para o pior (ele sumir e não querer assumir a criança - não apenas no sentido financeiro, porque ela é médica e pode muito bem arcar com a criação sozinha, mas ser pai não é só pagar pensão né?). Ele não apenas disse que ela podia contar com ele pra tudo, mas que também ele quer participar de tudo durante a gravidez e depois e, ainda, se for para acontecer deles se conhecerem melhor e ter um relacionamento, ele está disposto a tentar. Desmarcou uma viagem com os amigos pra ocktoberfest e foi com ela na ultrassom. Ele é um engenheiro bem sucedido, solteiro e que não estava pensando em filhos no momento, assim como ela.

Enfim. Acho que não são só histórias ruins né, gente? E outro questionamento que fica pra mim dessa história do guest post: se o cara tivesse tentado dissuadi-la de realizar o aborto, ele estaria interferindo no direito de escolha dela? Mas se ele decide só acatar a decisão dela ele está sendo hipócrita por fingir um posicionamento e, quando é com ele, mudar?
É uma situação dificil de julgar também né.

Concordo com quem disse acima que a vida de ninguém é bandeira de militância feminista e é muito, muito dificil se colocar na situação do próximo.

Rafael disse...

Mariana foi brilhante.

Realmente é difícil se colocar no lugar do outro.

Lord Anderson disse...

Anon

Qe otimo que vc não conheça casos assim. Infelizmente eu ja vi mais de um acontecer :(.


Sem contar os casos mais extremos, onde o homem mata a mulher por causa da gravidez (principalmente pq ele é casado).

Raven Deschain disse...

Ana, sinta meu abraço.

Anônimo disse...

Povo vem pra cá, num guest post sobre estupro, diga-se, a pior das piores violências que uma mulher pode sofrer, falar, explanar, doutrinar sobre a exceção da exceção!! Aff, falta de timing, empatia e noção.

Anônimo disse...

Anon 15h30min

Meu caro, acho que em nenhum dos meus comentários deixei de demonstrar a empatia que sinto pela autora do guest post. Todos aqui estamos compartilhando histórias e, como não existe pesquisa do IBGE para embasar seu posicionamento que homens que se responsabilizam são a exceção da exceção, acho pertinente que estas histórias também sejam contadas aqui.
Isso não significa que o homem tenha que ser aplaudido só por ter feito algo que é sua obrigação, ou que a ANA tenha agido errado em não se abrir, não registrar a ocorrência policial, etc.

O post nem é sobre responsabilização masculina, pra mim o propósito é falar sobre aborto (que foi o que tentei fazer no meu primeiro comentário, mas ninguém seguiu a deixa, preferiram ficar falando da trajetória da autora).


Jamile disse...

Lola, eu poderia escrever sim! Não sei tudo sobre, mas posso pesquisar mais pra escrever mais fundamentadamente sobre o tema!

Anônimo disse...

@vbfri

Ok, deve ser terrivel ser estuprada por alguem da convivencia, com certeza.... Ainda assim, denunciar é preciso! Um crime como esse não pode passar sem uma pena!
Ok, ir a delegacia, passar por todo o procedimento de pericia, exames prolonga ainda mais o sofrimento da vitima. Ainda assim, denunciar é preciso! Depois de passar por isso a vitima precisa saber se pegou alguma doença, tomar remedios preventivos e a pilula do dia seguinte, para evitar casos terriveis como esse. Foram bem legais as suas explicações, obrigada por compartilhar! :-)

Anônimo disse...

Se todo mundo seguir o caminho da moça do post podemos fechar as delegacias das mulheres, esse raciocínio de que "ah o atendimento é ruim, ninguem vai passar a mão na minha cabeça" não ajuda em nada, temos que reclamar do procedimento, atendimento e o escambau, mas sempre usar o caminho correto, para chegarmos a ter uma delegacia de mulheres e essas brechas na lei muitas irmãs apanharam, lutaram e brigaram.

Rê Bordosa disse...

A boca é minha, anônimo de merda! Minha boca, meu corpo, minhas regras!

Marcia disse...

Anon, não quero dize que sua experiência de vida é errada, por que viver não é errado. Mas olha só, todo mundo experiencia a vida de forma única. Eu li seu comentário, virei a cabeça e contei 4 mulheres na minha sala de trabalho que criaram os filhos sozinhas, sem a presença do pai, sem apoio financeiro algum. Duas delas me disseram que os parentes as desprezaram por muitos anos por que tiveram filhos fora do casamento.

Para mim, para elas, abandono paterno é ainda muito real e presente. Também fico feliz que não seja no seu meio, que isso seja muito comum em breve, amém.

Agora vem cá, o que você acha que significa esse tipo de comentário num post sobre estupro seguido de aborto? Que isso apoia ou desacredita a história da Ana? Acho que todo mundo lê nas entrelinhas que você, mesmo que inconsciente, está convencido de que precisa desacreditar a história da Ana.

Para alguém que está festejando a responsabilidade masculina por assumir os filhos (vou deixar muito clara minha opinião: é mera obrigação), quando é que você vai se mostrar responsável por mostrar empatia a vítimas de estupro?

Ou você acha que isso não é sua obrigação moral?

Rê Bordosa disse...



Sabia que existe diferença entre PROIBIDO,
PERMITIDO e OBRIGATÓRIO?

A vítima PODE denunciar, não é OBRIGADA! E nem deve ser julgada por suas decisões.
Quer incentivar uma mulher que foi violentada a ir a delegacia? Beleza. Mas não tem o menor sentido ficar apontando o dedo e dando lição de moral na autora do post por algo que aconteceu há décadas! Até pq na hora de ajudar não era vc que tava lá do lado, aparecer agora pra ficar de mimimi do conforto da sua poltrona é muito conveniente!

Anônimo disse...

Gente,

peralá: as histórias sobre responsabilização masculina compartilhadas aqui nos comentários NÃO SE APLICAM EM NADA NA HISTÓRIA DA ANA.
Primeiro: nenhuma dessas histórias falou em estupro. São pessoas que fizeram sexo desprotegido e isso acarretou em uma gravidez não planejada.

É muito diferente da situação da ANA. Ela sofreu uma violência. Sinceramente, acho que em nenhum momento passou pela cabeça dela se socorrer do estuprador para ajudá-la a abortar ou a criar o filho. Ninguém espera uma atitude dessas de uma pessoa que comete uma violência desse tipo.
Então acho que as histórias não tem nada a ver uma com a outra e não tem porque traçar paralelos entre elas.


Acho que o assunto da responsabilização masculina surgiu porque, quando se fala em interrupção da gravidez, é normal listar os inúmeros motivos que levam uma mulher a querer abortar mesmo nos casos não abarcados pela legislação, e a falta de apoio masculino (que existe sim, em muito, apesar das inúmeras exceções) são um grande fator que leva a essa opção.

Estamos esclarescidos??? ;)

Anônimo disse...

esclarecidos*

Marcia disse...

Eu queria saber o que é que impede alguém de, simultaneamente: oferecer apoio, ainda que moral para uma vítima de violência, tendo o bom senso de não agravar as dores da pessoa; 2. lutar por melhores condições institucionais para o recebimento de denúncias.

Deixa eu contar uma coisa que aprendi avaliando políticas públicas: você torna as instituições que combatem a violência mais eficazes quando recebe e trata adequadamente as vítimas que elas dizem que vão ajudar. Empatia é o primeiro passo, pois instituição alguma faz favor para cidadãs, elas devem existir única e exclusivamente para as pessoas, não o contrário.

Dizer: que se dane se vc vai sofrer denunciando, vá lá e faça a denúncia só legitima a instituição, isso não é ajudar vítimas.

Anônimo disse...

15:49, concordo totalmente com você.

Anônimo disse...

14:46

Tirando a parte do julgamento, que realmente é horrível, qual sua sugestão então para investigar o caso? Estupro é um crime e todo crime deve ser investigado, pode até ser desconfortável a questão das fotos e exames, mas é necessário pra levar uma denúncia pra frente. A palavra da vítima, seja de qualquer crime que for, não vale per se para condenar alguém.

Anônimo disse...

"O aborto é permitido no Brasil em três casos: fetos anencéfalos, risco de vida para a gestante, e gravidez decorrente de estupro"

Não.

Sendo feto anencefálico, o entendimento é tratar-se de FATO ATÍPICO, não ser crime por entender-se não haver vida ali.

Eu pessoalmente achava mais fácil a aplicação da norma do risco de vida à gestante, eis que uma série de anomalias fetais incompatíveis com a vida trazem também risco elevado à mulher (especialmente quando órgãos internos do feto estão expostos).

Nesse caso de risco à vida e estupro, não se permite o aborto e sim NÃO SE PUNE. Eu quero que todo mundo tenha isso bem claro na cabeça. Dizer que não é crime e que não se pune são coisas tecnicamente diferentes (e quando se fala de legislação/aborto/crime é necessário ter a técnica na cabeça).

Lá no Código Penal não está "não é crime abortar em caso de estupro" e sim NÃO SE PUNE e SE PRATICADO POR MÉDICO. Então se eu fui estuprada, não consegui fazer o aborto porque na minha região todo mundo se recusou a fazer o procedimento (e não sendo uma gravidez de risco iminente, ninguém é obrigado mesmo - médico PODE alegar escusa de consciência) e comprar o cytotec pela internet, tomar e o aborto acontecer, eu cometi crime de aborto sim.

Idem pro caso da mulher em risco de vida, está lá: NÃO SE PUNE e não NÃO É CRIME.

E agora eu vou dizer o pq disso não ser uma bobagem. Porque ainda no Brasil se pede alvará (mesmo havendo resolução disso e daquilo contrária, estamos falando de uma questão URGENTE que na vida daquela mulher tem que ser resolvida pra ontem e não na briga de advogados) pra fazer aborto de feto anencefálico e de mulher estuprada em locais que não têm centros de atendimento à mulher. Que são muitos. Vem gente dos quintos dos infernos pra São Paulo porque o tempo foi passando e ela não conseguiu abortar nessas duas situações.

E às vezes, quando chega aqui, a gravidez já está avançada e o abortamento não é realizado, MESMO A LEI NÃO ESTABELECENDO NENHUM PRAZO PRA ISSO.

Se a coisa não é crime, não tem que pedir alvará.

Então ainda que não queiram legalizar 100% o aborto no Brasil, só ter lá no código NÃO É CRIME no lugar de NÃO SE PUNE resolveria a vida de milhares de mulheres em situação de vulnerabilidade extrema, social inclusive, em vista da condenação moral e absolutamente incabível vinda de profissionais da saúde que preferem incidir na omissão de socorro e não raro, resultando na morte dessas pessoas.

Só que pra isso acontecer as pessoas precisam entender de uma vez por todas que aborto só não é considerado crime em caso de feto anencefálico, por entendimento recente do Supremo. Que no resto, ainda é.

Anônimo disse...

A lei não "permite" crime. Ou não é punido, ou não é crime.

Anônimo disse...

Anon 16h18,

ainda que o texto da lei mude e passe a excluir a tipicidade do aborto legal (casos previstos no art. 128 do CP - risco materno e estupro), passando, portanto, a desconsiderar a conduta como criminosa, ainda sim subsistiria o direito do profissional médico em alegar escusa de consciência, correto?
A não ser que o referido profissional de saúde faça parte de equipes médicas especificamente montadas para atender aos casos de realização de aborto permitido, ele poderá alegar incompatibilidade ideológica com a prática do aborto, independente deste ser legalmente tratado como crime (excluindo-se a penas a punibilidade) ou não. Correto?

@vbfri disse...

16;16

"Tirando a parte do julgamento, que realmente é horrível, qual sua sugestão então para investigar o caso? Estupro é um crime e todo crime deve ser investigado, pode até ser desconfortável a questão das fotos e exames, mas é necessário pra levar uma denúncia pra frente. A palavra da vítima, seja de qualquer crime que for, não vale per se para condenar alguém."

A pessoa faz a denúncia se quiser. Aí é investigado. Ponto.

É uma questão de escolha pessoal de quem passou pelo crime.

É degradante, humilhante, uma verdadeira violência. E para que?

Nos EUA (nosso modelo de "justiça"), 94% (NOVENTA E QUATRO!) das pessoas denunciadas por estupro não passa UM DIA SEQUER na cadeia.

94%.

A impunidade do estupro é absurda. Isso quando chega a ser denunciado. A vida da vítima (veja bem, DA VÍTIMA!) é esmiuçada. Cada ato dela julgado como se ela fosse a criminosa.

Até pouco tempo atrás, não era sequer admissível denúncia do marido que estuprava a mulher. Até um dia desses, se a vítima SE CASASSE com o estuprador, ele escaparia da ação penal.

Há a necessidade de uma alteração na mentalidade mundial (quem dera fosse só no Brasil) em relação aos abusos contra as mulheres (sexuais e de outras naturezas).

Não sei como poderia deixar o meu ponto de vista mais claro.

É MUITO difícil para a mulher denunciar um estupro. A escolha da denúncia é dela. Se ela não denunciar, ele não vai ser investigado.

Anônimo disse...

E em relação à denúncia ou não:

claro, gente, que é escolha única e exclusiva da mulher.
E caso ela decida não denunciar, não é culpa dela a impunidade, a falta de melhoria do sistema, etc.
O que tem que ser criticado a o sistema falho, o sistema ineficiente, que constrange. Ele precisa melhorar para que mais mulheres sintam-se a vontade para formular denúncias.

Unknown disse...

Mariana eu concordo com você. O problema dos argumentos sobre as outras formas de aborto é que elas têm esse efeito cretino: afirmam que existem outras histórias no mundo mais importantes do que essa a autora conta. Não precisaríamos nos dedicar a essa, vamos falar de outra coisa.

A velha e cretina tática da invisibilidade. Outro grande motivo pelo qual vítimas de violência sexual não denunciam. Não confiam que suas histórias serão levadas a sério ou que vão importar. E judicialmente, hoje, não importam mesmo, menos de 5% das denúncias viram processos penais com condenação. Acho que já passou da hora de separarmos o que é liberdade de debate, do que é tentativa descarada de desmerecer a dor dos outros.

Tá afim de debater o aborto resultado de sexo desprotegido? Saiba que ele não é estupro, vá lá para um dos muito post no blog sobre o assunto. Esse aqui é a história de alguém de carne e osso, que foi estuprada, que decidiu fazer um aborto.

Comprometimento com respeito as vítimas é o primeiro passo para acabar com a impunidade. Tá na hora de muitos por aqui começarem a ter a tal da 'responsabilidade' que tanto afirmam existir no mundo para além das críticas das feministas.

Anônimo disse...

Márcia,

Obrigada pelo comentário.Concordo com você, mas em nenhum momento quis tentar mascarar a dor de quem quer que seja. Acho que meus comentários deixam isso claro.
Lamento e muito o que aconteceu com ela e com tantas outras mulheres que passaram por situações assim.

É injusto você simplesmente classificar meu comentário como uma tentativa cretina de demonstrar que as outras histórias são mais importantes do que essa, ou que seja uma tentativa de desencorajar denúncias...

Não é que estou a fim de falar em aborto em caso de sexo consensual desprotegido. Estou falando sobre aborto. Ponto. E isso trás inúmeras outras ramificações, por favor, espero ter me feito compreender.

Anônimo disse...

Mas como aumentar a condenação de estupro se é um crime difícil de ser comprovado?

@vbfri disse...

O estupro não é difícil de ser comprovado. Há dilaceração vaginal/anal, marcas de uso de força, sintomas de trauma/choque psicológicos, etc.

O problema é que as vítimas são desestimuladas a denunciar. Quando denunciam, investigam A VÍTIMA, não o agressor. Ainda há muito machismo enraizado, que diz que mulher "honesta" não deveria estar fora de casa, não deveria beber...

Ainda que o estupro seja contra uma menina de 12 anos, dentro de casa, por um membro da família (pai, padrasto, irmão, primo), há aquelas pessoas que dizem "ah, mas você já viu como estão essas meninas de 12 anos? Aposto que estavam pedindo..."

Aí a pessoa prefere se calar.

@vbfri disse...

Fora que o machismo está enraizado nas próprias vítimas... ficam se perguntando onde erraram, porque fizeram isso com elas, o que elas fizeram para "merecer".

Porque é isso o que escutamos dia sim, outro também.

A mulher tem que ser boazinha, não pode dar xilique, tem que respeitar o homem.

E outra: imagina se for o próprio pai. A mãe não trabalha. O pai é quem sustenta a família. Ele estupra as filhas (já vi casos assim).

A família até pode juntar forças para denunciar. Mas até que isso ocorra, já pensaram em mil alternativas.

Inclusive tiveram que considerar como vão sobreviver com o pai na cadeia.

Anônimo disse...

@Vbfri

O problema é que as vítimas são desestimuladas a denunciar. Quando denunciam, investigam A VÍTIMA, não o agressor. Ainda há muito machismo enraizado, que diz que mulher "honesta" não deveria estar fora de casa, não deveria beber...

Sim, há machismo enraizado, nisso eu concordo. Mas no caso de um assassinato por exemplo vão investigar o corpo do cadáver e a cena do crime, após isso faz-se um apanhamento dos suspeitos e a posterior investigação. Com o estupro o "cadáver" nesse caso é a mulher que foi estuprada, infelizmente não há outra maneira. Não dá pra simplesmente acreditar na palavra da vítima. O que você propõe como uma solução mais humana para o processo investigativo?

Unknown disse...

Mariana, não entendi o porquê que você achou que o comentário era para você. Tudo bem mudar de assunto se você já se dirigiu a história relatada, relaxa... Você está defendendo anônimo que desprezou a história da vítima atoa. Seus comentários não são cretinos, estamos do mesmo lado.

Unknown disse...

Anônimo

Uma pessoa viva não é um cadáver. Tratar uma vítima de agressão, qualquer seja a agressão, com os mesmo procedimentos de investigação de um corpo morto é agressão. Sabia que colocar mulheres na posição de exame ginecológico é desnecessário para comprovar penetração vaginal ou anal? Tais práticas permanecem exatamente por conta dessa mentalidade de que 'não tem jeito', você é uma vítima de estupro, então precisa ser agredida novamente para provar o que lhe aconteceu.

Enquanto essas forem as práticas, não haverão muitas denúncias. E culpa, e a responsabilidade, não é das vítimas. Exames não intrusivos podem ser recolhidos em hospitais, de preferência centros de tratamento à mulher, o padrão ideal que já é regulado no Brasil desde a década de 1990, é que a médica ou enfermeira que atende a mulher no hospital faça laudo das agressões, forneça uma cópia para vítima e essa leve até a delegacia para denúncia.

Laudo psicológico é outra forma muito contundente de prova, uma bem aceita nos parcos casos de condenação. Soluções investigativas mais humanas existem há décadas, profissionais dispostos à aplicá-las ainda são raros por que não conseguimos mudar a mentalidade de que uma vítima de estupro precisa ser 'inquirida' para sabermos se é mesmo verdade a sua história. Isso também é violência.

Anônimo disse...

Marcia,

Ainda sim você não apontou uma solução mais humana. Pelo que eu entendi no seu comentário e por favor me corrija se não entendi direito, é que pra você basta a palavra da vítima, basta que a vítima diga "este cara x me estuprou" mostrar abalo psicológico e pronto, condenado. O problema disso é que falsas acusações existem, negar isso também é desumano, e não são poucos os casos de falsas acusações, numa rápida pesquisada no google ou reddit você encontra diversos casos de caras condenados que passaram um bom tempo presos ou que foram parar no registro de sexual offenders mesmo sendo inocentes. Sem uma prova física eu creio que seja impossível chegar a uma conclusão (a não ser que haja flagrante policial). A minha dúvida é: pra você a prova psicológica basta? Se sim, seria então o caso de condenar alguns inocentes em prol de pegar os culpados nos outros casos?

Fico feliz pelo debate respeitoso.

Kittsu disse...

Você não faz a mínima idéia do que é um laudo psicológico.

Ma disse...

Anônimo, qual parte de laudo médico no hospital que atende a vítima não é prova para vc? Só é prova de estupro se vc constranger uma vítima abalada a tirar suas roupas para um estranho e se submeter a um exame intrusivo em sua vagina ou ânus que a décadas são considerados desnecessários para prova física? Uma foto de uma laceração, fotos das marcas pelo corpo vale menos do que as mãos de um profissional apalpando um corpo doído e um laudo que pode muito ser forjado depois?
Não me diga que vc não percebe a violência disso tudo. E sobre as falsas denúncias: existem, admito. O problema com elas é sempre são usadas para desacreditar vítimas reais. Como se cada mulher agredida tivesse que ser responsável por todas as denúncias de estupro para ser ouvida. Convivo com profissionais da área de violência a um bom tempo para saber que uma falsa acusação de estupro é um caso raro. Enquanto que a cada 5 minutos uma vítima é estuprada. Sabe como se controla falsas acusações? Com um sistema mais humano e acolhedor de vítimas. Se a investigação fosse rápida e eficaz, falsas acusações seriam tão rapidamente negadas, quanto reais agressores presos. Não temos o segundo, logo podemos sofrer com o primeiro. Mas repito estou monitorando a área há 4 anos, nunca soube de uma falsa acusao levada até a justiça. Geralmente é usada em casos de alienação parental como ameaça. Mas só nesse mês anônimo falei com duas mulheres agredidas que não vão denunciar por que não tem força para lidar com o sistema.

Mila disse...

Ana, vc é uma guerreira.
Gostei muito da ideia de publicar relatos como estes, Lola. Ajuda a ter empatia para com mulheres reais como a Ana, que, na frieza da lei e dos termos q os conservadores querem nos impor, são assassinas frias de bebês e maes desbaturadas. Na realidade, isso q ocorre. São mulheres q veem no aborto uma ultima opção e não como mais um procedimento corriqueiro.

Ma disse...

A kitsu está certa. Laudo psicológico é algo sério, e dos bem difíceis para a vítima fazer e obter. Já acompanhei casos em que vítimas desistiram de tratamento psicológico e da possibilidade de juntar laudo simplesmente por que não conseguem falar, entram em negação e passam anos ou mesmo décadas sem falar do assunto. Mas se cortam, tentam se matar, e em alguns poucos mas terríveis casos, tornam - se agressoras sexuais. O laudo psicológico não pode e não deve ser desprezado.

Anônimo disse...

A moça não tem que descrever os estupros que ela sofreu para acreditarmos nela, imbecil das 19:38. Você se tentasse desacreditar uma vítima de estupro na minha frente iria se colocar em situação delicada pq eu ia meter um tapa bem no meio da sua fuça.

Anônimo disse...

Anônimo, ela não precisa. Você quer ser um escroto e desacreditar uma vítima? Gosto muito de defender estuprador? Problema da sua capacidade moral torta e pequena. Vá ser um imbecil com a sua própria vida que é a única que você tem autorização para cuidar.

Mas é cada babaca que aparece...

Carol Pirlo disse...

Aos 12 anos de idade, minha mãe feminista me contou o q era um estupro. Daí para frente sempre me convenci de q eu seria capaz de evitar um estupro. Eu ia gritar, eu ia bater, não sou tão franzina, seria estuprada depois de morta. Na teoria, todo mundo evita estupro.
Daí há uns meses eu fui estuprada. Não foi num beci escuro com um desconhecido. Foi numa academia e o estuprador era um rapaz q eu tinha conhecido no tinder. Dono de academia, lutador, o típico cidadão de bem. Não foi uma situação a qual eu estivesse preparada, sequer consegui gritar. Meu corpo simplesmente travou.
Só denunciei depois q fui levada por uma amiga advogada e feminista. Mas vários pensamentos passaram pela minha cabeça. Será q eu, no fundo, quis? Meu vestido tava provocante demais? O tinder é um app de pegação, eu deveria estar preparada. O q eu fui fazer sozinha na academia de um cara q eu encontrei 3 vezes? Eu deveria ter gritado. Eu deveria ter esperneado.
A @vbfri descreveu bem o processo. Recebi tratamento razoável, mas num começo de sermão da policial, minha advogada interferiu. Depois de passar por todos os laudos e exames, ainda fui (sou) ameaçada pelo meu agressor. Chamada de putinha, safadinha, "não aguentou minha pica", "se eu te ver pela rua, te como e depois te encho de porrada". O menor dos males é q não engravidei, como foi o caso da autora, e nem contraí nenhuma doença. Porém, isso já interfere na minha relação com homens ( pretendo manter distância de relacionamentos amorosos). Meus pais tiveram de ouvir que não me vigiaram direito e que me deram muita liberdade com esses "negócios de internet".
Aprendi q ser violentada é o tempo todo procurar desculpas para as circunstâncias. É a gente ficae com vergonha de ter nossa intimidade violada e não contar pra ninguém pq no fundo td mundo vai estar procurando a nossa culpa, como esse imbecil de 19:38. É passar na cabeça o tempo todo q se a gente tivesse mudado um detalhe, nada daquilo ia acontecer.

Anônimo disse...

20.22,
Sim. Vc nao deveria mexer com Tinder. Nao deveria viver grudada em internet. E nunca deveria ter ido à uma academia onde só estava um homem sozinho, mais forte que vc, que vc nem conhecia. Vc se colocou em situação delicada, sim. Não adianta virem me jogar pedras. A verdade é que mais da metade das vítimas se colocam na situação de perigo com as próprias mãos, por confiarem em quem não conhecem, por exemplo. E eu odeio estupradores, acho wue deveriam ser mortos em praça pública. Mas as vítimas também não dificultam o trabalho dos bandidos.

Anônimo disse...

Carol Pirlo, muito triste seu relato. Espero que você supere e, principalmente, tenha força para ignorar os comentários infelizes.

Anônimo disse...

Se alguém algum dia fizer algo do tipo comigo ou com alguma mulher da minha família, não viverá muito tempo para contar a história.

Marcia disse...

Anônimo das 20:22, não quero viver num mundo onde 'vítimas não facilitem o trabalho dos bandidos', quero viver num mundo onde homens não estuprem.

Não considero e nem considerarei exigir decência moral uma utopia, por que ao contrário do machismo que defende que é normal homens serem cruéis, eu acredito que todo ser humano está equipa para respeitar o próximo.

Não vou baixar o nível de expectativa nem quando babacas aparecerem mostrando prazer em causar sofrimento alheio.

Larga mão de ser medíocre, o que previne estupro é agressores não estuprarem, simples assim.

Raven Deschain disse...

Nossa Carol. :/

Não sei nem o que te dizer...

Anônimo disse...

Márcia 20:52,

Vc sabe que no Brasil a taxa de homicídios/roubos/latrocínios é alta, OK?

VC SABE que um dos piores lugares do Brasil são os morros do Rj dominados pelos traficantes, OK?

Vc tem conhecimento que as pessoas não deveriam cometer homicídios/roubos/latrocínios, etc; porque ferem o código penal e a conduta social, OK?

Então, por causa disso, vc se colocaria em uma situação de risco, subindo o morro à noite, sozinha? Só porque está no código penal e porque a conduta social é contra os homicídios/roubos/latrocínios?

Essa é a questão. Não espere boas atitudes de bandidos. Vc TEM QUE SE CUIDAR, antes de tudo. Eles, sim, merecem uma bala no meio da cara. Mas o estado não cumpre seu papel, nem vai cumprir. Bandido fica solto e a vítima enterrada no cemitério. Vc vai se arriscar?

Essa é a questão. SE CUIDEM!!!! Não se coloquem em situações de risco!



Anônimo disse...

Não adianta você vir aqui dizer ficar dizendo o que uma vítima de estupro deveria fazer ou deixar de fazer pra não ter sido estuprada. Que ela não deveria confiar naquele homem ou em nenhum. Você pode ter certeza que ela já se fez todas essas perguntas centenas de vezes, então guarde a sua lição de moral pra si. Quando uma vítima conta o seu relato vc cala a boca e escuta, não fica apontando dedos, entendeu?

Anônimo disse...

Então, eu sou a Ana do relato.

Eu ia evitar comentar alguma coisa. Havia assumido o compromisso comigo mesma de sequer ler os comentários. Mas, eu imaginei que talvez num blog feminista eu não seria julgada.

Então, o que apreendi dos comentários:

.Entendi que mesmo me sentindo suja, culpada (afinal ser estuprada duas vezes eu devo ter provocado isso), sem forças, com com vergonha, com medo (até de contar pra minha família e ser acusada de ter provocado), medo de encontrar o cara (que tinha quase dois metros de altura e 200 kg) e ser agredida por ele novamente, medo dele me caçar até me encontrar e me matar, eu deveria ter procurado uma delegacia qualquer (em 1994 não havia delegacia da mulher e os policiais eram bem piores do que hoje) e fazer a denúncia.

.Também compreendi que eu (mesmo desempregada e favelada) deveria me virar para conseguir o remédio vendendo um rim ou levar adiante a gravidez de um estuprador e não envolver um ex-namorado que poderia me conseguir o remédio muito fácil e rapidamente.

.Também compreendi que mesmo aos dezenove e completamente desesperada (a ponto de tentar suicídio) anos eu deveria ser madura e ter calma o suficiente para compreender que envolver uma pessoa que não tinha nada haver com meu drama nessa história era eticamente inaceitável.

. Entendi que eu poderia contar pra todo mundo que estava grávida e precisava fazer um aborto porque eu havia sido estuprada e não havia falado pra ninguém, que estaria tudo bem. Eu não seria julgada pelo estupro, pela gravidez, pela opção pelo aborto...


Então, em resumo: talvez tivesse sido melhor que ao invés de ter mentido terceiros nessa história e deixado de denunciar eu tivesse tido êxito na tentativa de suicídio.

Por fim, entendi que mesmo depois de 20 anos eu continuo sendo julgada pelas violências que sofri. Imaginem se eu tivesse denunciado, contado sobre a gravidez ao invés de aguentar tudo calada, quem sabe o que poderia ter me ocorrido!

Não estou me vitimizando, estou apenas ressaltando o quanto nossa cultura é misógina. Chega-se ao ponto de querer fazer me sentir culpada por estratégias de sobrevivência que estabeleci como forma de superar uma violência que quase me leva ao suicídio.

E vou ser bem honesta com vocês, eu não me arrependo de absolutamente nada que fiz. Não adiantaria coisa alguma eu denunciar ou ter procurado pelo aborto legal. Eu apenas sofreria muita humilhação e dor e jamais conseguiria o aborto legal ou que o estuprador (um estranho num beco escuro) fosse preso.

Também não me arrependo de ter deixado o meu relato. Vou contar essa história quantas vezes forem necessárias, vou mostrar a cara, vou enfrentar julgamento até que as pessoas parem de me culpar e culpar outras mulheres pelo estupro, pela opção pelo aborto e por sentirem medo de denunciar.

Agradeço o apoio das mulheres que foram capazes de compreender meu relato, elas sabem ou imaginam o quanto é humilhante passar por um estupro e ser julgada por isso.

Obrigada meninas, vocês me ajudam a acreditar que valeu a pena quebrar o silêncio e acreditar na humanidade. Beijos!

Anônimo disse...

Também não entendi os comentários dizendo que o ex-namorado não deveria ter se envolvido na história. Sempre alguém tem que lembrar do pobre homem prejudicado..

Acho que você fez muito bem, Ana. Você usou os meios que pode. Não deixe mesmo que façam se sentir culpada por isso.

Anônimo disse...

*que o ex-namorado não deveria ter sido envolvido na história.

Thai-chan disse...

Vc está errado, ela não precisa ir na delegacia pra fazer aborto em caso de estupro, é caso de exclusão da ilicitude, ou seja, vc não esta comentendo crime, nem a pessoa que se envolveu. Ocorre que se ela tentasse abortar contando a verdade não ia conseguir, pq ninguem acredita que a mulher foi mesmo estuprada. Infelizmente essa é a realidade.

Anônimo disse...

HOMENS MORTOS NAO ESTUPRAM

Anônimo disse...

^^^ taí uma verdade.

Anônimo disse...

Como vc pretende pretende convencer um estuprador a não estuprar? Qua e o seu plano?

Anônimo disse...

Não conheço o ex-namorado (às vezes é desses que já teve de ajudar em outros abortos com outras mulheres que engravidaram dele), mas não deve ser tão legal saber que teve um filho abortado, mesmo que não quisesse tê-lo.
Eu não quero ter filhos e existe a possibilidade de recorrer a um aborto caso fique grávida, mas certamente levaria a memória e as possibilidades perdidas com esse procedimento para o resto da vida.
Já que fazem 20 anos, a autora poderia tentar contar a verdade pro sujeito.

mica disse...

Um assunto bem delicado esse.
Fico muito contente em saber de histórias com final feliz. Sei que muitas e muitas vezes não é assim. Tenho um medo tremendo disso. A única vez que me deparei com algo assim, em que me senti impotente e com muita raiva foi uma vez em que fui caminhar no campinho perto de minha casa (como todos os dias de férias da escola de manhã)e um homem estava se masturbando na rua, mostrou o pênis comentando algo em minha direção. Imagina que eu nunca esqueci do homem e do jeito como eu me senti.

Homens que usam a força como fonte de poder é realmente deprimente para uma sociedade que se diz pensante.

Mila disse...

Eu já vi a Carol comentando sobre isso aqui e me parece que ela é bem jovem (tipo, 17 ou 18 anos). Então ela não deveria mexer com Internet sendo que isso é inevitável da geração dela? Vamos ser práticos, os adolescentes de hoje estão imersos neste mundo. O que nós adultos devemos fazer é trabalhar para que esse ambiente seja o mais seguro possível.
Acredito que existam milhares de Anas, Carols e Márcias que passaram por situações de abuso, de violência e de assédio. Como o anon de 22:31 disse, vítima de estupro, por mais empoderada que seja, martela na cabeça os "se". Se ela tivesse dado vermelho no tinder, se ela não tivesse passado por aquela rua naquela hora, se ela tivesse gritado mais, se... se... Aos 11, um sujeito me seguiu pela rua com a clara intenção de me estuprar no único dia que eu saía da escola mais cedo sem a companhia das minhas amigas. Escapei porque entrei numa padaria. Se eu tivesse o notado mais tarde, não sei se poderia ter me salvado.
Lamentável que num blog feminista, venha uma "feminista" apontar os erros de uma vítima e o que ela deveria ter feito, como se ela não tivesse os dedos da sociedade e os próprios colocando a culpa: "você facilitou".
É claro que há situações que facilitam o estupro. Também quero viver num mundo onde eu possa sair às 4 da madrugada, bêbada e de minissaia sem correr o risco de ser estuprada, mas sei que o mundo não é assim, então eu tento minimizar os riscos. Também sei que nem todas possuem a mesma sorte que eu e estão ao lado do abusador (marido, pai, padrasto), nesses casos, fica ainda mais difícil a denúncia (outro fator complicador é que esse tipo de abuso a vítima quase sempre é criança e adolescente). Só que eu sei que não mudarei o paradigma se apontar na cara da vítima e dizer: "você não deveria ter feito isso".

Raven Deschain disse...

Lola, apaga esses comentários culpando a guria.

Ela não teve culpa. E vamo parar de dar biscoito por pobre macho desafortunado? Se o ex poderia ajudá-la, por que não? Só porque vcs querem?

Ah vão se foder.

Eeeeeeee anônimo, vc tá certíssimo (não sei se é mulher, vai no masculino mesmo). Viu Carol, cerceie sua liberdade, não use internet, não saia de shorts nem saia, aliás não saia de casa, não converse com estranhos porque se algo te acontecer já sabe! Vc se pôs nessa situação de risco.

Anônimo idiota, cale a boca.

@vbfri disse...

Olha, Ana, até outro dia as Delegacias da Mulher eram redutos de "mas o que você fez para provocar?"

Academia, ANON DE MERDA, é um lugar movimentado, supostamente seguro.

Ainda que estivesse num motel, e dissesse não, ela não poderia ter sido estuprada.

Galerinha que não tem um pingo de empatia.

É por isso, também, que eu não denunciei quando fui abusada.

Ponto.

Bando de machista do caralho, puta merda.

Ah, mimimi, como vocês querem que estupro diminua?

Com conscientização da polícia civil, em primeiro lugar, para tratar a vítima COMO UM SER HUMANO.

Quando a pessoa é assassinada, pelo menos ela não sofre mais. No estupro ela morre por dentro.

Anônimo disse...

Minha família tem um caso de estupro coletivo não denunciado. Uma sobrinha da minha vó foi estuprada por o noivo e os amigos dele, isso a mais de 30 anos atrás. Eles namoravam a um tempo e um dia o canalha convidou ela pra ir em uma festa, quando chegaram no local os outros homens estavam esperando eles e estupraram a moça, na época ela era virgem (tanto faz ser ou não, a dor é a mesma) e bem nova. Ele era de família rica e poderosa, ninguém fez nada com medo, e acabou casando com uma moça da classe social dele.

@vbfri disse...


E se denunciasse, ela seria questionada:

Mas pq foi à festa SOZINHA com o noivo?
Onde estava a família dela que não a protegeu?
O que ela estava usando?
Será que era a fantasia dela ser gangraped?
Será que ela deu pra esses caras e depois se arrependeu?
Por que não procurou atendimento médico?
Por que namorava um cara se sabia que ele era assim? (vem escrito na testa, né?)
Será que não foi exagero dela?

Em tempo...

Nos EUA, mesmo quando a menina faz a denúncia, passa pelos exames médico-legistas, etc, o kit de coleta do estupro fica GUARDADO POR ANOS.

Enquanto isso, como o cara é considerado inocente até a prova em cotrário (e a prova principal é o kit do estupro - com fotos, coleta do dna etc), ele fica solto por aí até que façam a análise do DNA, fotos, etc.

Enquanto isso, ele está livre leve e solto para estuprar novamente e tentar silenciar a vitima, ameaçando-a de morte, de novo estupro, etc.

Daí o pessoal:

Ain, mas porque ela não se mudou? Eu teria mudado...
Ain, pq não mudou o número do telefone?
Ain pq, pq, pq...
Ain acho que na verdade ela queria
Ain, ela só quer atenção
Ain, eu acho que é mentira...

Entendam mais uma coisa: NÃO É SOBRE VOCÊ! É SOBRE ELA!

Zero empatia vocês, viu? Parabéns!


ANA E CAROL: Sinto muitíssimo por vocês. Ninguém deveria passar por isso, NUNCA.

Vocês tem a minha solidariedade....

Anônimo disse...

To passada com os comentários dizendo o que a Ana e a Carol deveriam fazer. Imagine essa gente atendendo vítimas de estupro, seja pra examinar ou investigar? Imagine ir denunciar e ouvir o discurso nojento do Anônimo das 20:33: "vc não deveria mexer no Tinder, vc não deveria ter feito isso ou aquilo...". E o pior é que não fica na imaginação, são pessoas assim que atendem. Como alguém disse, vc incentiva uma vítima a denunciar tratando-a bem e tendo empatia, e não apontando os erros na conduta dela.
Outra coisa, muda-se o comportamento de uma sociedade através da mentalidade dela, e é justamente isso que estamos fazendo aqui (e em tantos outros debates). Se vc simplesmente aceita que "bandido é assim mesmo", a culpa vai invariavelmente cair sobre a vítima, porque né, bandido é assim mesmo. Não to falando em parar um estuprador na rua e fazer um discurso... enfim, deu pra entender.
Ana e Carol, vcs não fizeram nada de errado. Toda a força do mundo pra vcs.


Dan

Kittsu disse...

Olha o tanto de comentário de idiotas dizendo que todo homem é naturalmente um estuprador. Olha Ali depois os mesmos idiotas dizendo que são as Feministas que falam que todo homem é naturalmente um estuprador.
São mesmos uns idiotas.

Raven Deschain disse...

Anon:

https://www.google.com/search?q=meme+virar+os+olhos&prmd=ivn&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0CAcQ_AUoAWoVChMI0-Tqz4vHyAIVBoFyCh3i7gkk#imgrc=DkRb-JGGX8Oa-M%3A

J.M. disse...

Troll 10:21,

De preferência, mulheres devem ficar trancadas em casa e usando burca, não é mesmo? O fato de que grande parte dos estupros é cometida por familiares da vítima é só um detalhe besta.

Anônimo disse...

Não pode dar biscoito pro cara que ajudou ela, levou um trauma de brinde, perdeu dinheiro, comprou comprimidos ilegais e tudo isso sendo enganado.
Ele não fez mais que a obrigação mesmo...

Anônimo disse...

Ela não teve culpa. E vamo parar de dar biscoito por pobre macho desafortunado? Se o ex poderia ajudá-la, por que não? Só porque vcs querem?

A desonestidade de vcs é incrível, uma coisa é o cara ajudar sabendo de tudo, outra é ajudar sendo enganado. E se o cara quisesse o filho, ela ia fazer o que? Ela deu sorte.

Raven Deschain disse...

Hahahaahaha tou vendo mesmo a tua indignação.

Cuidado, isso dá infarto viu?

Fernanda disse...

Nossa um caso tão triste como esse e tem gente se preocupando com o cara que ajudou. Pois é. Fico triste de verdade de ver tanto ódio e desprezo por nós mulheres e pelas nossas dores

Fernanda disse...

Por que comentários nojentos sempre são anônimos né? Tem um bando de gente doente que vem soltar seus monstros aqui.

Anônimo disse...

Ja sei como acabaremos com o estupro:

1-todos os homens usariam "cueca de castidade" com uma mini frauda para o xixi e um buraco no bumbum para a outra necessidade. A chave sempre ficaria com uma mulher, podendo ser a mãe,madrasta,irma,esposa, avó e filha.

2-outra opção seria que todas as mulheres poderiam ter portes de armas e na legislação não seria crime matar estuprador.

3-homens e mulheres viveriam segregados. Transportes,bairros,ruas,lugares publicos e privados apenas para um sexo. A pessoa que chegasse perto do sexo oposto seria presa. A reproducao aconteceria por inseminação artificial.

4- quando um bebe nascer, se for corfimado que ele é do sexo masculino, sera castrado. Apenas alguns homens não seriam castrados para doarem espermas para bancos de esperma ( inseminação artifivial tambem) mas estes viveriam presos por apresentarem "orgaos " que interferem na segurança da sociedade.

Quero ver agora um homem reclamar disso. Estupro nunca é culpa da vitima.

Anônimo disse...

Acho que seria cada um viver isoladamente sem qualquer contato com outro ser humano para evitar homicídios, violências e outros crimes.

Anônimo disse...

Mas a castração tambem diminuiria a violencia em geral ja que os niveis de testosterona iriam baixar. Sim,existe um a relação intrisitca entre testosterona e violencia, pesquisa no google que eu não vou perder tempo citando pesquisa. E uma segregação sexual iria deixar o lado das mulheres sem nenhum problema de violencia.

Anônimo disse...

Nesse caso mulheres não cometeriam violências (físicas e psicológicas), o que não é verdade. Nosso objetivo aqui é chegar no zero de crimes cometidos.
Logo, cada indivíduo completamente afastado dos outros pra não violentar ninguém.

Unknown disse...

Carol todo o meu apoio a você. Você não está errada, errada é a sociedade que não lhe apóia.

Ana muito obrigada pelas palavras corajosas, estamos na luta sempre. Podem nos agredir, mas não vamos nos calar jamais.

Anônimo disse...

OI Lola,
Conheci seu blog a pouco tempo e estou amando. Seu trabalho é super importante. Me considero feminista tambem.( Toda mulher é ,né! :D)
Mas de todos os pensamentos defendidos pelo feminismo o unico que discordo é o aborto.
Pois niguem pensa na criança que tambem é uma VITIMA desse crime hediondo. E ela é vítima duplamente, pois a coitada alem de ser filha de um monstro tem de pagar com a propria vida por um crime que ELE ( o monstro) cometeu.
Eu penso o seguinte Lola. Meu útero, meu corpo é meu, mas a vida da criança não é minha.
Pra mim estupro é o pior crime da Terra, me revolta e angustia ao extremo quando leio relatos como esses. Mas se livrar da criança não vai "desfazer" o trauma vivido. Vai criar outro.
Eu acho que muita gente vai dizer: Vc fala isso porque não foi com vc. Eu ate entendo e eu realmente não sei como agiria se fosse comigo, porque nunca passei por isso. Tambem não julgo a moça que sofreu essa tragedia e teve de recorrer ao infanticidio.
Sei que vão dizer que feto não é criança, porque não tem cerebro ainda. Mas sera que os orgãos é que definem um ser humano? Quem de nós, tem a sabedoria universal para determinar: aqui não é humano, mas apartir de tal hora e tal data já é humano... A verdade é os cientistas tem apenas teorias... No passado, nós achavamos que o negro tambem não tinha alma e isso era tão normal... Imagine daqui a 100 anos quando descobrirmos que aqueles fetos eram sim humanos, eles tinha alma e ninguem se dava conta... É o que acredito.
Matar é errado e pronto, independente da situação. Ainda que uma pessoa mate por auto-defesa ( um soldado numa guerra por exemplo), é compreensivel, mas continua sendo um crime. Então pra mim o aborto é um crime. Mas eu respeito a opnião de todo mundo que discorda. Eu acho que temos de combater a violencia,lutar, promover educação, informar, ajudar e fazer de tudo para que a medida em que nossa sociedade evolua esses crimes barbaros possam desaparecer.
Mas defender aborto , pra mim, não é a solução. Obrigada mesmo, Abraço.

Anônimo disse...

Já fui estuprada ainda na infância. O fato de pensar constantemente sobre o que aconteceu, o que não aconteceu e o que poderia ter acontecido não mudou minha visão sobre o aborto, principalmente durante a depressão decorrente. Sempre concordei e concordo com as leis vigentes no Brasil, entretanto, concordo que são necessárias clinicas de aborto. Eu assim como muitas mulheres demorei quase uma década para contar sobre o estupro que ainda não superei, imagina se eu contaria ou tentaria provar que fui estuprada para conseguir um aborto. As mulheres deveriam ter mais liberdade, poder chegar em um hospital dizendo que foi estuprada ou melhor dizendo que precisa de um aborto, e pronto (rapidinho seria feito). Sei que certamente eu teria me matado se tivesse engravidado, não conseguiria lidar com tanto, pois mal consegui lidar com o que me aconteceu.

A maioria das pessoas é muito preconceituosa e precipitada em julgar. Quando eu tinha uns 15 anos, eu disse a um professor homossexual (ele sempre agiu como liberal, a favor da informação para todos, a favor dos direitos das minorias, do aborto, etc) que li sobre uma menina de 11 anos, que não sabia que tinha sido estuprada porque não entendeu bem o que se passou, ficou tão perturbada por alguns dias que não sabia como reagir, sem contar outras tentativas anteriores do agressor que ela não sabia que eram tentativas até chegou aos 13 anos, depois de aprender algumas coisas na escola e pesquisar muito na internet sobre estupro, depressão e consequências do estupro. Meu professor reagiu a noticia dizendo que a menina não sabia o que aconteceu por ter sido criada numa por pais religiosos que não ensinaram a ela o que é um pênis, dentre outras coisinhas. Fiquei realmente chocada com a resposta e por essa e outras decidi não tentar contar a mais ninguém que tinha sido estuprada, afinal a tal menina da história era eu.

Por isso eu digo que mais ou menos entendo o que a moça da história acima passou, pois eu nunca tinha visto um pênis. Há uns dez anos atras, principalmente se você só convivia com parentes próximos, os pais não ensinavam as garotinhas a dizer se um homem passou a mão no seu seio, principalmente se você não tinha seios.

Não vejo diferença entre tocar ou penetrar uma criança, adolescente ou uma mulher adulta (ou homem), tudo é errado, ambos são estupro.

Sei que não tive momentos tão doloridos quanto a mulher do post, mas durante os grandes episódios da depressão fico imaginando (imagino tanto que sinto como se tivesse acontecido) que fui estuprada por varias pessoas, que fui espancada, que fui torturada e estuprada varias vezes de novo, para que assim possa justificar um estado de depressão interminável, justificar essa dor que nunca passou, justificar as tentativas de suicídio, justificar o fato de ter me odiar, justificar esse desejo subconsciente de continuar sofrendo, pois o sofrimento é o único sentimento que conheço mais que qualquer outro, porque já passei muitos anos sofrendo sem motivo (há motivo, mas não é um super motivo).

Anônimo disse...

eu não pedi pra nascer, por que pediria para ser estuprada?! Fui estuprada na idade da inocência assim como a moça acima (mesmo que eu fosse uma prostituta ainda não seria justificado). Eu tinha 11 anos e um parente próximo foi o agressor. Não acho que alguém seria dona da chave do sinto de castidade, pois já ouvi muita mãe treinando estupradores. A sociedade não precisa de tanto sexo. Tenho 22 anos e acho perturbador ouvir meus pais fazendo sexo, é nojento ter alguém dentro de você.