LUTAR PRA QUÊ, NÉ?

Ontem descobriram (não sei quem foi, espero que tenham sido feministas) que o "guru da sedução" Julien Blanc estava com agenda marcada para vir ao Brasil (mais especificamente, a Floripa e ao Rio) no final deste mês. 

Julien atualmente é o PUA (pick-up artist) e o misógino mais famoso do mundo. Poucos haviam ouvido falar nele antes da semana passada, mas, depois que foi deportado da Austrália, ele se tornou mundialmente conhecido, pelo menos por um tempinho. Poucos países querem receber um americano que ensina a agredir e abusar mulheres. Não é como se a gente já não tivesse a nossa própria cota de misóginos preenchida por aqui. 

O tema viralizou. Uma petição no Avaaz aberta ontem já reuniu dezenas de milhares de assinaturas. A petição pede para que Julien não possa entrar no Brasil para dar sua palestra de ódio. Quando eu fiquei sabendo da petição e ajudei a divulgá-la, ela já estava com 15 mil assinaturas. Poucas horas depois, havia chegado a 40 mil. Ontem, enquanto eu escrevia este post, já tinha 90 mil. Hoje são 130 mil. Em um dia! 

Ainda não sabemos quem está organizando essa porcaria no Brasil (veja update no final). Uma leitora afirmou ontem que um dos organizadores do evento em Floripa era o nosso inimiguinho mascu sancto "Engenheiro" Emerson (aquele que foi preso e condenado a 6,5 anos de prisão por conta de um site de ódio), que estaria agindo como uma espécie de contador. Eu não duvido nada, mas não dá pra saber se é verdade. 

Na sexta, um leitor anônimo deixou um comentário explicando como funciona o esquema:

"O grupo PUA Brasil é antigo, forte, bem organizado. Eles realizaram eventos cobrando R$ 500 o ingresso.

Eu passei horas lendo o que essa turma do PUA Brasil escreve. Grande parte é isso ai mesmo: estupro de vulnerável. Técnicas de conquista, sedução, sedação e como não deixar indícios de violência sexual e não criar imagem de malvado transferindo para a mulher por meio de técnicas subliminares elaboradas a responsabilidade pela relação. Eles são uma verdadeira escola, bem organizados e cobram caro por aula particular.

Eles pagaram para esses americanos radicais virem até o Brasil e ensinar aos PUAs brasileiros as técnicas e pensamento. Eu recebi o convite de um seminário fechado com um dos mais famosos palestrantes americanos feito em Maceió que custou R$ 2.000 a entrada com a presença de mais de 200 participamentes de vários estados.

O aluno tem acesso ao material didático digital e tem aulas particulares por skype e acompanhamento das tentativas e captar garotas.

Quando havia todo um furor em relação aos Homens Sanctos, esse grupo radical já citava naqueles dias a total indiferença com o PUA Brasil. Os misóginos Emerson e Marcelo diziam no Orkut que era inaceitável a campanha contra os Homens Sanctos e a indiferença com a atuação do PUA Brasil.

A principal vítima desses PUAs são pré-adolescentes que atingiram a idade de consentimento, 14 anos. Elas são mais fáceis de ser conquistadas e têm vergonha de expor a violência. Na primeira fase eles treinam abordagem e dialética da conquista com mulheres trabalhadoras de lojas, principalmente shopping, porque elas são forçadas ao diálogo e não podem chutar o estudante.

A segunda fase do treinamento é feita em ambientes propícios para a conquista fácil, principalmente baladas conhecidas pelo comportamento promíscuo. A terceira fase é em ambientes neutros, até mesmo na rua.

Esse passo a passo é para evitar a rejeição logo nas primeiras tentativas e causar uma retração inconsciente, o medo de ser rejeitado. Por isso as primeiras vítimas são sempre as mais fáceis.

Uma vez aprovado pelos confrades PUAs o padawan inicia o projeto mais ambicioso que é abordar, conquistar e abandonar as garotas virgens, principalmente as recém ingressas na idade de consentimento, 14 anos.

Esse Movimento PUA Brasil movimenta muito dinheiro e tem muita gente poderosa envolvida. Até porque uma vez rompidos os bloqueios éticos, morais, rompidos os bloqueios de comunicação e desenvolvido habilidades de conquista, esses PUAs se convertem em perigosos predadores que se metem na vida política e em empresas."

Um excelente depoimento. Vale mais que os vinte PUAs que vieram e ainda vem aqui tentar me convencer que eles são muito diferentes dos mascus e que não são misóginos. Eu nunca li um parágrafo de um PUA que não tivesse sido escrito por um babaca machista e covarde, desses que dão notas pras mulheres e as veem simplesmente como vaginas ambulantes. Igual ao que os mascus fazem.

E como misoginia pouca é bobagem, ontem o veículo Ponte publicou uma reportagem estarrecedora sobre violência sexual na Faculdade de Medicina da USP. A tradição pede que calouras sejam colocadas em círculo, gritando "Bu! Bu! Bu! Bu". Enquanto isso, são cercadas por alunos homens, veteranos, que cantam por cima: "Buceta! Buceta! Buceta eu como a seco! No cu eu passo cuspe! Medicina é só na USP!" (meus parabéns ao coletivo feminista Geni, criado há um ano, e que luta incansavelmente para por fim a esta misoginia institucionalizada). 

Já um dos hinos da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto diz assim: "Morena gostosa, loirinha bunduda, preta imunda” (na verdade é muito pior: veja a letra inteira aqui). O caso foi denunciado pelo Coletivo Negro do campus (criado há apenas quatro meses, e já imprescindível). Na rede social, o grupo responsável pelo hino, que é cantado em jogos universitários e festas, além de estar impresso em manuais para calouros do curso, alegou que as músicas são "históricas", do tempo em que "racismo e preconceito eram comportamentos corriqueiros". 

Ainda bem que tudo mudou, e que racismo e preconceitos não são mais corriqueiros. Se fossem, alunos de Medicina cantariam alegremente hinos racistas, sem sequer se dar conta (afinal, eles não têm colegas negros). Se preconceitos ainda fossem corriqueiros, rapazes sem coragem de falar com mulheres pagariam para um misógino ensinar-lhes como engasgar uma moça que acabaram de conhecer. Isso seria festejado como uma técnica de sedução.

Se preconceitos fossem corriqueiros hoje, e não coisa do passado, gurus de sedução percorreriam o globo, tirando dinheiro fácil de caras que odeiam mulheres. 

Felizmente, vivemos numa outra época -- em que posts como este não são mais necessários.

UPDATE: O que sabemos até agora é que Julien Blanc já esteve no Brasil em 2012. E a empresa que está organizando sua volta chama-se PUA Training. 

Não vou dar link porque não linko pra site de ódio, mas eis os veículos de comunicação em que esta empresa já apareceu para promover suas ações misóginas: Programa do Jô, da Fátima Bernardes, Marie Claire,  IstoÉ, Vip, Amor e Sexo GNT, entre outros... Este banner que coloco aqui está no site deles. Da empresa que quer trazer Julien pra cá. Mas não, PUAs não são todos misóginos, imagina...

UPDATE 18H: Recebi email de diplomata dizendo que circulou uma comunicação reservada do Ministério de Relações Exteriores falando que não vão conceder visto a Julien Blanc. 

Isto também foi noticiado aqui. Todos os consulados brasileiros receberam o mesmo aviso.
Maravilha, hein? Depende. Como Julien esteve no Brasil em 2012, se o visto dele ainda estiver válido, ele entra. Por isso, a pressão deve continuar. 
UPDATE 22H: A diplomata me enviou este email que explica muita coisa:

"O Julien tem um visto de turista ativo, concedido em 2012 pelo consulado em Los Angeles. [Esta revista diz que o visto de Julien está vencido]. A princípio, não haveria impedimento à concessão de um visto de turista pro sujeito -- eu sei, leis retrógradas. Agora, pra vir dar uma palestra paga, ele precisa de um visto temporário III, que precisa ser previamente aprovado pelo Ministério do Trabalho. Ou, caso a empresa que vá pagar diga que é uma convenção com mais de um palestrante (seminário científico, por exemplo), seria um caso de visto temporário II, esse sim concedido diretamente nos consulados. Conforme a comunicação que recebemos, qualquer visto pra ele está proibido de ser concedido. Mas ele já tem um visto válido.

Assim, seria preciso duas coisas: a primeira é uma ordem do Ministério da Justiça (nessa hora a Secretaria das Mulheres poderia ajudar, e muito) para que o visto existente seja denegado. Isso significa que o visto seja cancelado. Conforme uma amiga que está na ouvidoria consular, em Brasília, muita gente tem mandado reclamações pra lá. Não adianta. Tem que mandar pro Ministério da Justiça -- e pra Secretaria das Mulheres.

A segunda coisa é a PF entender que a mera palestra já constitui um crime e impedir a entrada dele no Brasil, caso ele venha. Mesmo com visto válido, a entrada no Brasil é mera expectativa de direito. Ele pode ser proibido de entrar pela PF caso se entenda que a presença dele é prejudicial à imagem do Brasil no exterior. Novamente, a Secretaria das Mulheres poderia fazer essa pressão." 
A revista Time pergunta: Será este o homem mais odiado do mundo? No momento, até pode ser...

Um dos mestres PUA. Inspira
muita confiança

UPDATE 13/11: A Secretaria de Políticas para as Mulheres se manifestou. A petição na Avaaz já tem 240 mil assinaturas. Para caras baixos como os PUAs, não existe publicidade ruim. Tudo isso é ótimo pro Julien Blanc e pro PUA Brasil, já que os fracassados que os procuram são desajustados sociais, como pode-se ver em vários dos comentários publicados. É um insulto comparar feminismo, um movimento revolucionário para mudar a situação daquela metade da população que sequer era considerada cidadã até poucas décadas atrás, com um grupinho de homem branco mimado que mede seu sucesso (e, mais importante, seu fracasso) no número de mulheres que consegue enganar.