Em meados dos anos 1970, as mulheres americanas conseguiram uma grande vitória. Foi feita uma emenda na Constituição que garantia igualdade de gênero, o Equal Rights Amendment. Pelas novas regras, empregadores estavam proibidos de preferir homens a mulheres. Não podiam mais abrir vagas apenas para o “sexo forte”, e nenhum emprego podia ser visto como exclusividade masculina. Claro que isso valia pros empregos “femininos” também, agora abertos aos homens, mas esse nunca foi um problema. Afinal, empregos exclusivamente femininos pagam muito menos que os empregos “masculinos”, então dá pra contar nos dedos os homens que querem ser empregados domésticos, por exemplo.
Mas a nova lei permitia um enorme empoderamento das mulheres -– que elas tivessem acesso aos empregos que pagavam bem. Terra Fria (North Country), o lindo e comovente filme da neozelandesa Niki Caro, mostra bem isso. Na pequena e gelada cidade onde a trama se passa (no estado de Minnessota, cenário também do ótimo Fargo) parece haver apenas um lugar para se trabalhar, nas minas. Antes da emenda dos direitos iguais, só os homens eram contratados. Às mulheres cabiam as sobras: ou ser dona de casa e depender financeiramente do marido (que pode se irritar e bater nela), ou ter um subemprego como cabeleireira, que rendia um salário seis vezes menor que o de um minerador. Adivinha qual salário podia sonhar em comprar a almejada casa própria?
Os homens não aceitaram essa intromissão muito bem. Pra piorar, uma grave crise nos anos 80, somada aos cortes em seguridade social causados por governos conservadores, como o de Reagan e Thatcher, diminuiu salários e empregos. O excelente livro de Susan Faludi, Backlash, narra que era comum trabalhadores humilharem suas colegas. Incapazes de responsabilizar o sistema, os homens culpavam as mulheres por "roubarem-lhes" os empregos. Eles traziam faixas escrito “Salve um emprego: mate uma mulher”, colocavam calendários de modelos nuas em todos os lugares, para lembrar as colegas para que servia uma mulher, e as assediavam sexualmente. E as trabalhadoras aturavam tudo aquilo, porque precisavam (e mereciam) um salário decente tanto quanto eles.
Inspirado em fatos reais, Terra Fria se passa no final dos anos 80, quando a proporção era de 30 homens para cada mulher trabalhando na mina. Era o tempo em que Anita Hill acusava (sem sucesso) um juiz da Suprema Corte de assédio sexual.
Começa com Josey (Charlize Theron), mãe solteira de dois filhos, voltando à casa dos pais após apanhar pela última vez do companheiro. Ela segue a dica de quem aparenta ser sua única amiga (Frances McDormand) e vai trabalhar na mina, contra a vontade do pai (Richard Jenkins, que adoro), que também trabalha lá e vê o emprego como coisa de homem ou, no máximo, de lésbica. Antes de ser contratada, Josey precisa se submeter a um exame ginecológico para constatar que não está grávida. E as primeiras palavras que ouve de seu capataz são “O médico disse que você é a maior gostosa nua”. Legal, né?
Todas as trabalhadoras são constantemente bullied, com exceção talvez da amiga, por ela ser a única mulher num sindicato 99% masculino. Para Josey é pior, porque um dos seus superiores (Jeremy Renner, que chamou a atenção com Guerra ao Terror) foi um casinho dela na adolescência e guarda rancor. Em geral, a vida delas é um inferno. São chamadas de vadias, bolinadas, ameaçadas de estupro, e, se reclamarem, acusadas de não ter senso de humor. Porque é tudo brincadeirinha entre colegas, sabe?
Josey está completamente sozinha. Desprezada pelo pai, detestada pelo filho adolescente (que compra a ideia que sim, sua mãe é uma vadia que devia cuidar da casa), isolada das trabalhadoras (que têm medo de perder o emprego ou de ver o assédio piorar ainda mais), ignorada pela empresa (que quer mais é que ela se demita), resta a ela processar a companhia, no que viria a ser a primeira ação coletiva de funcionárias por assédio sexual. Só falta convencer as outras a ter coragem de lutar.
Com um elenco espetacular (e eu nem citei o Sean Bean, lindão, ou o Woody Harrelson, que faz o advogado), Terra Fria causa um ódio fenomenal durante seus primeiros dois terços. Dá vontade de pegar uma metralhadora e dar uma de Ramba. No ato final do filme segredos são revelados e reviravoltas acontecem, dando um tom mais humano a personagens que até então só tinham nosso desprezo (caso do pai, do filho, e até do ex-namorado). Eu chorei compulsivamente, praticamente sem parar, da cena da reunião do sindicato em diante.
Terra Fria é feminista por denunciar toda uma estrutura criada e usada para subjugar o sexo feminino (o que a gente chama de patriarcado -- e o filme é muito didático nisso: não é só um grupinho de homens, mas a conivência de toda uma cidade, de todo um mundo, que insiste em manter as coisas "como elas são"), por tratar do tema das mulheres em empregos “masculinos”, por não cair nos clichês (a protagonista não precisa encontrar o amor de um homem para crescer), e por mostrar a jornada de uma guerreira que decide combater a vida que seu gênero quis lhe impor. Graças a ela, foram implantadas regras que proíbem o assédio sexual -– para desespero de alguns marmanjos que lamentam que o “politicamente correto” esteja cerceando seu direito de humilhar e ofender. Tadinhos. Eles só querem que tenhamos senso de humor...
Mas a nova lei permitia um enorme empoderamento das mulheres -– que elas tivessem acesso aos empregos que pagavam bem. Terra Fria (North Country), o lindo e comovente filme da neozelandesa Niki Caro, mostra bem isso. Na pequena e gelada cidade onde a trama se passa (no estado de Minnessota, cenário também do ótimo Fargo) parece haver apenas um lugar para se trabalhar, nas minas. Antes da emenda dos direitos iguais, só os homens eram contratados. Às mulheres cabiam as sobras: ou ser dona de casa e depender financeiramente do marido (que pode se irritar e bater nela), ou ter um subemprego como cabeleireira, que rendia um salário seis vezes menor que o de um minerador. Adivinha qual salário podia sonhar em comprar a almejada casa própria?
Os homens não aceitaram essa intromissão muito bem. Pra piorar, uma grave crise nos anos 80, somada aos cortes em seguridade social causados por governos conservadores, como o de Reagan e Thatcher, diminuiu salários e empregos. O excelente livro de Susan Faludi, Backlash, narra que era comum trabalhadores humilharem suas colegas. Incapazes de responsabilizar o sistema, os homens culpavam as mulheres por "roubarem-lhes" os empregos. Eles traziam faixas escrito “Salve um emprego: mate uma mulher”, colocavam calendários de modelos nuas em todos os lugares, para lembrar as colegas para que servia uma mulher, e as assediavam sexualmente. E as trabalhadoras aturavam tudo aquilo, porque precisavam (e mereciam) um salário decente tanto quanto eles.
Inspirado em fatos reais, Terra Fria se passa no final dos anos 80, quando a proporção era de 30 homens para cada mulher trabalhando na mina. Era o tempo em que Anita Hill acusava (sem sucesso) um juiz da Suprema Corte de assédio sexual.
Começa com Josey (Charlize Theron), mãe solteira de dois filhos, voltando à casa dos pais após apanhar pela última vez do companheiro. Ela segue a dica de quem aparenta ser sua única amiga (Frances McDormand) e vai trabalhar na mina, contra a vontade do pai (Richard Jenkins, que adoro), que também trabalha lá e vê o emprego como coisa de homem ou, no máximo, de lésbica. Antes de ser contratada, Josey precisa se submeter a um exame ginecológico para constatar que não está grávida. E as primeiras palavras que ouve de seu capataz são “O médico disse que você é a maior gostosa nua”. Legal, né?
Todas as trabalhadoras são constantemente bullied, com exceção talvez da amiga, por ela ser a única mulher num sindicato 99% masculino. Para Josey é pior, porque um dos seus superiores (Jeremy Renner, que chamou a atenção com Guerra ao Terror) foi um casinho dela na adolescência e guarda rancor. Em geral, a vida delas é um inferno. São chamadas de vadias, bolinadas, ameaçadas de estupro, e, se reclamarem, acusadas de não ter senso de humor. Porque é tudo brincadeirinha entre colegas, sabe?
Josey está completamente sozinha. Desprezada pelo pai, detestada pelo filho adolescente (que compra a ideia que sim, sua mãe é uma vadia que devia cuidar da casa), isolada das trabalhadoras (que têm medo de perder o emprego ou de ver o assédio piorar ainda mais), ignorada pela empresa (que quer mais é que ela se demita), resta a ela processar a companhia, no que viria a ser a primeira ação coletiva de funcionárias por assédio sexual. Só falta convencer as outras a ter coragem de lutar.
Com um elenco espetacular (e eu nem citei o Sean Bean, lindão, ou o Woody Harrelson, que faz o advogado), Terra Fria causa um ódio fenomenal durante seus primeiros dois terços. Dá vontade de pegar uma metralhadora e dar uma de Ramba. No ato final do filme segredos são revelados e reviravoltas acontecem, dando um tom mais humano a personagens que até então só tinham nosso desprezo (caso do pai, do filho, e até do ex-namorado). Eu chorei compulsivamente, praticamente sem parar, da cena da reunião do sindicato em diante.
Terra Fria é feminista por denunciar toda uma estrutura criada e usada para subjugar o sexo feminino (o que a gente chama de patriarcado -- e o filme é muito didático nisso: não é só um grupinho de homens, mas a conivência de toda uma cidade, de todo um mundo, que insiste em manter as coisas "como elas são"), por tratar do tema das mulheres em empregos “masculinos”, por não cair nos clichês (a protagonista não precisa encontrar o amor de um homem para crescer), e por mostrar a jornada de uma guerreira que decide combater a vida que seu gênero quis lhe impor. Graças a ela, foram implantadas regras que proíbem o assédio sexual -– para desespero de alguns marmanjos que lamentam que o “politicamente correto” esteja cerceando seu direito de humilhar e ofender. Tadinhos. Eles só querem que tenhamos senso de humor...
18 comentários:
Tem uma cena deste filme em que a amiga dela, a do sindicato, negocia a criação de banheiros femininos em uma reunião. Claro que ela é ridicularizada pelos caras. Chorei quando recentemente revi esta cena, porque eu presenciei uma cena insolitamente igual na companhia onde trabalho, líder em exploração de petroleo no Brasil e, portanto, uma empresa masculina. Muita coisa mudou, mas ainda temos um longo caminho pela frente.
Acho que este filme é tão triste que não tenho coragem de assistir, acho que vou chorar horrores...
Assisti o filme no sábado e realmente é muito bom.
Mas confesso que não gostei do terço final do filme, porque tive a impressão que a história que é revelada no final do filme acaba mudando o foco da história e jogando o que estava sendo discutido inicialmente pra segundo plano.
Fica parecendo que se a protagonista não tivesse passado por aquilo no passado, não seria suficiente pra que as outras pessoas finalmente se sensibilizassem e comprassem a luta dela. Como se assédio sexual e moral não fosse o suficiente pra que a maioria das pessoas se sensibilizasse.
Enfim, pelo menos foi essa a impressão que me passou, o que me frustrou um pouco.
Abçs
Assisti esse filme no sábado no Sbt, passei o tempo todo agarrada a almofada morrendo de ódio e dando Graças a Deus por nunca ter passado por esse tipo de situação, até hoje não sofri discriminação por ser mulher.
Achei duas cenas bem marcantes, quando o pai da Josey se levanta para discursar em favor da filha, e no tribunal quando a Josey relata o estupro.
Parabéns pelo blog.
Amei esse filme, via há uns 5 anos atrás. Concordo com a Laurinha quanto a motivação que deram à personagem para agir. Mas infelizmente, sabemos que primeiro temos de ter dores no próprio umbigo para depois ver o mundo como ele é. Então, egoístas por natureza, precisamos sentir na pele para que as coisas façam sentido. Não concordo com essa postura, mas penso que muito deixa de ser feito por falta de compaixão.
Esse filme é sensacional. Assisti quando era bem mais nova e fiquei indignada. Quando revi, fiquei igualmente encantada com o resultado da obra em si e muito mais horrorizada com as arbitrariedades enfrentadas por essas guerreiras.
Destaque pras atuações de Charlize Theron, que protagonizou muito bem e de Richard Jenkins, que ficou brilhante, pois ao mesmo tempo que choca e enerva com sua postura ultrapassada, releva uma benevolência existente no fundo- como se ele soubesse que estava errado a todo momento. Além de tudo,o elenco me agrada muito, atores brilhantes, que na obra parecem ter sido feitos sob medida para cada papel.
Vale a pena o mar de lágrimas.
Adoro o filme, amei ler esse post de hoje, Lola.
Lola, estou emocionada com sua resenha, pq amo esse filme, sempre indico para todos. Ainda h´[a pouco, eu estava vendo fotos das meninas da seleção brasileira feminina, q está á anos luz da masculina em termos de raça e bom futebol e adivinhem? Milhares de comentários sobre a aparencia de cada uma delas. Engraçado, que eu nunca vi comentários sobre a aparencia dos meninos... Eu sei bem como é isso, pq jogo futebol...
alguem leu esta notícia ?http://www.correiodopovo.com.br/Noticias/?Noticia=312394
já viste isso, lola? acho que vale um post.
http://questionandofeminino.blogspot.com/
Eu tinha assistido Terra Fria em DVD, daí, como sabia do peso que o filme é, decidi dar uma olhada no filme ruim que a Globo estava passando e só vi o final, ou seja, a melhor parte, ou a menos terrível. ^__^
Enfim, Terra Fria é um filme excelente e necessário, mas lembro que os críticos brasileiros na época do lançamento deram míseras três estrelinhas, acho que alguns até deram duas. Um deles escreveu que filmes feministas eram desnecessários, porque esse tipo de problema (*a desigualdade, o assédio sexual, sei lá*) estavam superados... Claro, claro... Superadíssimos!
Seria bom mais filmes como Terra Fria. E eu ainda tenho que responder perguntas de gente que acredita que o cinema americano está desprestigiando os pais e, provavelmente, os homens em geral em seus filmes... Como se houvesse muitos filmes sobre mulheres ou filmes feministas por aí.
Assisti esse filme há algum tempo e é realmente MUITO bom. É tão bom que dá vontade de assistir de novo, mas ao mesmo tempo não dá coragem porque dá muita raiva.
A Charlize Theron tá ótima nesse filme, tão bem quanto esteve em "Monster", outro filme Ó-T-I-M-O.
Aliás, Lola, já pensou em escrever sobre o "Monster"?
Infelizmente não consegui ver na tv, mas depois dos seus comentários vou procurá-lo.
Me lembrei agora duma frase ,se não me engano do Marcelo Madureira, dizendo que, quando ele e os outros cassetas começaram, eles tinham uma lista d epiadas sobre negros(!), e que agora, com a onda do politicamente correto, não dava mais pra fazer piada de negro, gay, etc...
fiquei bege quando li...AFINAL É SÓ UMA PIADINHA NÉ??(ironia)
Faço minhas as palavras da Bruna: o filme é tão bom que dá vontade de assistir de novo, mas ao mesmo tempo eu evito fazer isso pela raiva e frustração que ele gera.
Acho bem didático, recomendo a todo mundo que quer entender as dificuldades da entrada da mulher no mercado de trabalho. Que na prática não basta querer e seguir em frente, q há vários obstáculos particulares só por você ser mulher.
Quanto ao blog q a Leleski indicou, eu nem perderia meu tempo. Ele é da "rede mascu", só ver os outros blogs linkados ao lado.
vi esse filme há muitos anos, mas a cena de estupro me traumatizou tanto! toda cena de estupro já me deixa muito mal, mas essa, especificamente, me fez chorar. aquela janela de vidro, o garoto assistindo... um horror!!! não tenho coragem de rever
Flasht, que texto mais mal escrito! Se você é falocrata, que pelo menos seja um falocrata com cérebro (se é que isso é possível). Pelo texto (super mal redigido) desse tal de Flasht dá pra ver que ele nem viu o filme, pois em nenhum momento a protagonista ficou contra o filho dela, muito pelo contrário!
Vi ontem, adorei.O fato de alguns criticos darem três estrelas fou mais no quesito técnico e de roteiro mesmo, pois falta ritmo ao filme e o roteiro poderia ser melhor amarrado sim. Mas tirando isso é um filme muito bom e necessário. A Charlize e todas as outras atrizes e atores dão show. Inclusive esse filme já está sendo passado em algumas escolas (com edição pras cenas mais fortes se for turma de adolescentes novos) e universidade pra discutir gênero, machismo e mercado de trabalho. Como eu disse antes, filme muito bom e necessário, mas que possui probleminhas técnicos e de roteiro, o que não atrapalha sua mensagem.
Já comentei o que acho do filme em outro post, vim aqui só falar de uma cena específica que axhei muito boa e que acho que diz muito sobre a personagem. Quando a personagem da Charlize está com sua amiga doente e o marido (Sean Bean) da amiga chega e trata ela com carinho, amor e respeito, a Charlize olha de uma maneira que acho que diz muito, pois o olhar demonstra que ao mesmo tempo que ela parece estar muito feliz pela ternura que o relacionamente da amiga tem, ela parece refletir do porquê os homens da vida dela nunca foram assim, mas caras violentos e grossos. Tenhobuma hipótese (e é apenas hipótese, as meninas - e estudos da area que depois vou ler - aqui podem me ajudar se posso ter razão) de que por ter sido estuprada, ela sente interiormente uma "culpa" que na verdade não é dela (já que o estuprador é o criminoso) e termina inconscientemente arrajando homens assim. Claro que diversos outros fatores estão envolvidos como cultura, espaço etc etc mas....Concluído, adorei a cena e só atriz boa passa tantocom o olhar.
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