quarta-feira, 15 de abril de 2009

CHOVENDO NO MOLHADO


Não desgosto deste comercial tanto quanto odiei aquele outro do Boticário. Aquele cínico da repressão. Este do guarda-chuva plagia, ou melhor, homenageia abertamente a estética de Bollywood de Quem Quer Ser um Milionário, com todos aqueles lindos sons e cores. O meu maior problema com este comercial é a falta de representatividade. Se a beleza é contagiante, isso significa que talvez alcance outras pessoas, outros biotipos. Mas não. Contágio tem limites. No comercial não há uma só negra. Nenhuma gordinha. Nenhuma mulher com mais de 25 anos. Parece que só pode ser contaminada pela beleza quem já tá dentro do padrão imposto. Aí é fácil.
E eu posso estar um tantinho obcecada, mas só eu que achei que os primeiros pingos de chuva parecem esperma nos rostos das moças bobas-alegres? Deus cuspindo nas magrinhas? Por coincidência, a criação do comercial é da mesma agência daquele péssimo do Doritos, a Almap/BBDO.
No final desta peça, tive a impressão que o trio feminino que enxerga tudo lá do alto iria pular de guarda-chuva à la Mary Poppins. Mas não, elas só sorriem.
Algo que não entendi no comercial é a presença do velhinho. Eu entendo a menininha que “desperta” nos ombros de alguém no meio de uma selva de sombrinhas. Ela está desabrochando prum mercado de beleza que quer cativá-la o quanto antes (e pra vida toda). Mas e o velhinho, o que ele tá fazendo ali? Como já disse, não há um só close que não seja de uma modelo magrinha. Não há enfoque nos homens, só nas mulheres jovens. E de repente vemos o velhinho. O que isso quer dizer? Ele é um corpo estranho. Afinal, velhinhos do sexo masculino certamente não são o público-alvo do Boticário. Nem parece que ele está lá para representar o male gaze, o olhar masculino que legitimiza a mulher (nós só existimos pra que os homens possam nos secar; nossa função no mundo é decorativa). O velhinho não olha pro bando de modelos idênticas (muda apenas a cor do cabelo) e saltitantes na rua. Ele só olha pra algo não-identificado com um gesto de aprovação. O que ele está aprovando, exatamente? Vamulá, é mais que ter um guarda-chuva. Meu chute é que ele aprova aquele universo do comercial. Um universo onde não existem velhinhas. Somente jovens mulheres brancas.

19 comentários:

Alfredo disse...

O velhinho so ta la pra cumprir a cota de idosos em comerciais com muita gente... ou pra fazer lembrar os velhotes a comprarem perfume do botica pra suas esposas velhas....

Ué Lola... fazer o q? Vc ja disse aqui q usa creme pra ficar mais jovem. Mas mesmo assim vc critica esse tipo de comercial? Mas temos q lembrar q tem gente q curte comprar esses negocios. O fato de nao haver gente negra é pq avon já é direcionado pra esse público ja que é baratinho enquanto q botica é mais caro...

Sobre as gotas de esperma, eu lembrei de Blindness... estavam todos olhando pro ceu... a camera so msotrava o ceu... achei q todos fossem ficar cegos..

Suzana Elvas disse...

Lola, a Época dessa semana traz uma reportagem sobre violência contra a mulher que vale a pena ler. A matéria está aqui.

Anônimo disse...

Lola considero da maior importância
um artigo como este seu.Há uma parcela mínima da população que observa a cultura, a ideologia ou o "fazer a cabeça" que vem embutido
num comercial.O público comum (e aqui me incluo) vai internalizando
esse beisteirol que uma marca, uma empresa,vende junto com seu produto.E sem análise a gente vai levando boca abaixo os valores consumistas e as mentiras que descartam o que de fato é importante na vida. Parabéns por resistir, questionar e chover no molhado. Se alguma empresa propagar que caminhadas, camas macias, legumes, frutas, água limpa, ar puro, livros, teatro nos deixarão todos saudáveis bonitos e jovens por mais tempo eu vou aplaudir.Voce merecia um programa de TV que atingisse o povão porque seus interlocutores são a fatia privilegiada que vai alem do senso comum. Por outro lado não teria empresa que patrocinasse um discurso crítico numa TV, penso eu.Fatima/Laguna

Claudinei disse...

Lola, o que você acha?: dá para avançar um pouquinho na sua interpretação da chuva como esperma e pensar que aquela menina surge exatamente durante a chuva? isto é, um banho de 'beleza' que faz surgir (nascer) mais uma menina branca, com beleza moldada dentro dos padrões dessa propaganda.

Anônimo disse...

Off the topic, mas é que não aguento mais tanta besteira.

Nossa Lola, eu sei que o Santiago é o protótipo do troll mas esse asnalfa hein? Não é a toa que os dois formam par. Talvez me incomode tanto por saber que ele faz parte de uma minoria e que, apesar disso, não consegue olhar para nada além do próprio umbigo. Quer dizer, é extremamente preconceituoso com idosos, com pessoas negras, com pessoas pobres, com religiosos. No mundo ideal dele só existiriam lindos homossexuais ateus. Sabe, quem exige respeito precisa saber respeitar, inclusive a diferença dos outros. As coisas só estão no pé em que estão - violência contra mulheres, homossexuais etc - porque tem um monte de gente que pensa exatamente como ele, que só sua visão é válida, e que, ó, fazer o que, o mundo é assim mesmo. Tsc, tsc...

Camila

Anônimo disse...

Suzana Elvas:Parabéns! Adorei os artigos sugeridos. Obrigadaum pela dica maravilhosa.Fatima/Laguna

Rubens Oliveira disse...

Lola, adoro seus textos e sua opinião irrefutável sobre alguns temas.

Gostaria muito de ler sua opinião sobre esse post que escrevi sobre o vídeo que está rolando na internet.

http://asetimavisao.blogspot.com/2009/04/opiniao-susan-boyle-e-cultura-dos.html

Gustavo C. disse...

Não precisaria ler o post pra reparar na juventude e branquidão das moças. Salta aos olhos de tão padronizadinho.

O velhinho realmente ficou estranho ali no meio. Com um pouco de esforço a gente vê que aparecem outros homens, ou seja, é a cidade inteira "contagiada" em suas várias gerações. Mas o velhinho só parece que está ali se orgulhando de alguma neta.

lola aronovich disse...

Ai, Asnalfa, pelamordosmeusfilhinhos... Que cota de idosos? Vc tá aproveitando isso só pra expor seu preconceito contra pessoas mais velhas. Isso tem nome em inglês, AGEISM. Em português não sei.
Sim, eu uso creme pro rosto. Depilo as axilas. Uso sutiã em público. E mais 1,001 regras que a sociedade me impõe. Nem por isso eu tenha que parar de criticar essas imposições.
Ah, e sobre o seu comentário mezzo racista: é mesmo? O Boticário é só pras brancas? Consumidora negra que se vire com Avon? Desconfio que essas marcas não assinariam embaixo de nenhuma das suas duas suposições...


Su, obrigada pelo link! Ótima reportagem da Época, sim. É muito importante falar da violência contra a mulher (e contra a criança. A violência doméstica atinge sempre mulheres e crianças). Meu único respaldo contra a reportagem é que há uma entrevista longa demais com um assassino. Preferiria que tivessem usado esse espaço todo pra entrevistar psicólogas. E mesmo na entrevista com o homicida, falta mais vigor. Tipo, quando ele diz que ameaçava bater na mulher que matou “pra ela aprender”, eu gostaria de saber aprender o quê. Queria ver o cara colocar todo esse pensamento patriarcal em palavras.

lola aronovich disse...

Puxa, Fátima, vc é um amor! Obrigada, nem sei o que dizer. Fico muito feliz de ter uma fã assim! É, eu acho importante a gente tentar analisar o que está por trás da superfície. Um comercial não é apenas um comercial. Ele passa valores. Todos passam. Eu acho ótimo desconstruir a ideologia por trás de tudo. Pelo menos pensar um pouquinho a respeito.


Claudinei, não sei. Será que dá? A menina nasce durante a chuva? Ela está nos ombros do pai. Não sei se eu fiz essa ligação entre beleza / esperma por causa de uma discussão que rolou no blog da Denise. Aqui, muito interessante, como tudo que acontece no blog dela.

b disse...

Lola,

da pra encher seu blog com todos os comerciais com conceitos conservadores. COmercial de produto de limpeza é sempr epra mulheres... novas ou velhas, como se a higiene da casa fosse uma obrigação exclusiva feminina.

O mesmo acontece com produtos para bebês. è sempre a mãe que troca a fralda, que passa talquinho, que leva as crianças na escola...

Isso é péssimo pois ajuda a criar conceitos (como aquele do gato inimigo do rato, ou o do que rato gosta de queijo, que gato gosta de leite e cachorro de osso)...

é a nossa TV que ninguém regula....

e ai daqueles que tentarem regular os lucros das agencias de publicidade...afinal, não se pode "censurar" a criatividade alheia....

pior de tudo é que esse discursinho cola....

maravilhoso texto como todos os outros....parabens pelo blog...

lola aronovich disse...

Camila, nem me fala! Eu não vejo muita diferença entre Asnalfa e Santiago no nível intelectual e no nível de preconceitos. Não considero o Asn um trololó porque não acho que ele realmente queira ofender. Eu ainda tenho alguma esperança que ele aprenda a pensar e se torne uma pessoa melhor. Não vejo muito empenho nele em querer se transformar, mas... Será que ele não tira nada dos posts e dos comentários? Não só daqui do bloguinho, mas de outros blogs linkados, que eu sei que ele frequenta (ele parece ser mais inteligente nos comentários no blog da Lauren, por exemplo). Eu torço por ele. Acho que só o fato de continuar vindo aqui indica que talvez ele queira mudar. Tenho fé.

lola aronovich disse...

Rubens, obrigada! Eu já tinha visto o vídeo no Pensar Enlouquece, e aí dei uma olhada no link que vc indicou. Gostei da análise! Realmente, existe o lado da gente aplaudir a performance da Susan Boyle como uma forma de nos auto-elogiar por ir além dos preconceitos. É como se a gente dissesse: “Puxa, eu sou uma pessoa legal porque não desliguei a TV assim que uma mulher feia e gorda apareceu. Eu até ouvi o que ela tinha a cantar!”. Existe muita auto-congratulação nesse gesto. Talvez valha um post, meu problema é falta de tempo... (E eu, como uma mulher gorda de quase 42 anos, tremo nas bases só de ouvir a descrição da Susan como “uma senhora de 47 anos”. É a mulher invisível! Definitivamente vale um post!).


Gustavo, que bom que a juventude e branquidão das moças no comercial salte aos seus olhos! Mas será que salta aos olhos de muita gente? Quanta gente assiste aquilo sem parar pra pensar “Ué, por que todas as mulheres são jovens e brancas?”. Mas sério, continuo sem entender o que o velhinho faz lá no meio. Se fosse uma VELHINHA eu até entenderia (se bem que destoaria completamente)...

Suzana Elvas disse...

Lola, o que você critcou eu acho que só fez crescer a matéria. Porque quando se faz uma reportagem sobre violência doméstica sempre - SEMPRE - se ouvem psicólogos analisando a dependência da mulher espancada, os sinais disso etc. Ouvem-se juristas falando das leis, sociólogos, as vítimas etc. Mas o cara que faz isso e acha natural "bater para ensinar"... Um amigo meu ficou horrorizado quando leu e comentou como vários daquelas posturas ele já viu em amigos e parentes.

Acredito que expor ali o pensamento geral masculino saindo tão naturalmente da boca de um assassino frio é mais chocante que ouvir n relatos de mulheres e x análises de profissionais.

lola aronovich disse...

Suzanita, acho a entrevista do assassino na Época muito válida e interessante. Meu problema é só com o tamanho. A entrevista é longa demais, podia ser editada. E eu insisto: faltou a pessoa que estava entrevistando perguntar “Aprender o quê?” quando ele diz que ameaçava bater nela “pra ela aprender”. Sei que essa frase é muito usada, e por isso é importante perguntar “aprender o quê?” toda vez que a gente ouvi-la. Porque, na boca de um assassino, o que a mulher que ele matou podia aprender? Que, se ela não o obedecesse em tudo que mandasse, ele a mataria? Aprender que quem manda é ele? Que ela deve ser submissa?
Ah, aproveitando rapidinho pra responder a sua queixa no outro post: a lista dos piores filmes de todos os tempos não é minha, é do Rotten Tomatos. Felizmente, só vi uns 2 ou 3 filmes dessa lista de 15. Pinóquio eu não vi, mas os críticos que fizeram essa lista viram, né? Se as crianças avaliassem os filmes, as críticas seriam totalmente diferentes, sem dúvida. Ah, note também que eu critico a lista, porque considero que ela só chuta cachorro morto.

Ju Ribeiro disse...

O mesmo acontece com produtos para bebês. è sempre a mãe que troca a fralda, que passa talquinho, que leva as crianças na escola...mas sabe que isso tá mudando? repara só.

lola, eu chorei horrores com o vídeo da susan boyle. cohrei ainda mais depois que li sobre a história da vida dela. tinha tudo pra ser amarga, uma infeliz...
eu adoro a cara de embasbacados das pessoas quando ela abre a boca!
mostrei o vídeo ao meu pai e ele chorou mais que eu.

Mila disse...

Esses comerciais da Boticário são uma droga... ¬¬
Esse contágio da beleza nada mais é que pressão para as mulheres ficarem lindas como modelos, atrizes, cantoras ou similares. É a reafirmação do mal que faz as mulheres se compararem com as outras e se sentirem feias.

"Olhe, não é que você esteja sendo pressionada a gastar rios de dinheiro, tempo, paciência e sentir dor para ficar bonita, é apenas o contágio da beleza, a beleza nos contamina, ela nos impulsiona a ir atrás dela e desejá-la!"

Acho esses comerciais sutis verdadeiros desastres. A pessoa pode não entender, mas a mensagem tá lá, para confirmar preconceitos, medos e discriminação.

natalia disse...

sem contar que esses guarda-chuvas lembram demais o filme O Sabor da Melancia http://cinema.uol.com.br/album/osabordamelancia_album.jhtm

=Maíra= disse...

Lola, eu fiz a mesma associação do esperma, viu...

Outra coisa: o que vc acha das propagandas da Dove?
Abraços!