Então, estamos em 2019 e tem uma loteria que sorteia uma estada permanente numa ilha paradisíaca que calha ser o único lugar não-contaminado no mundo e não, infelizmente não dá pra trocar o prêmio por dinheiro. No início pensei que aquelas pessoas de branco serviam como doadoras não muito voluntárias para tráfico de órgãos e de bebês. E me senti aliviada, já que eu jamais seria fornecedora dos meus órgãos – quem em sã consciência iria querer o meu fígado? Imagina eu levantando todo dia e fazendo algum exame de laboratório. A taxa de sódio no sangue seria a última preocupação dos cientistas. Nem sei se ainda tenho sangue ou se virei inteirinha de chocolate (sobre o meu fígado, inclusive, há controvérsias. Tanto ele pode ser considerado um fraco por viver falhando como um forte, por ainda estar funcionando. O maridão diz que, numa eventual hecatombe nuclear, haveria dois sobreviventes: as baratas e meu fígado). Certo, perdoem a viagem. Hã, no começo não compreendi o estilo de interpretação do Ewan, quando ele franze a testa pra perguntar “O que é Deus?” e “Sexo? Quiéisso?”. Mas aí descobri que o pessoal é meio retardado, tem a idade mental máxima de um guri de quinze anos, lê livros no estilo “Papai vê a uva”, e então aceitei. Ah, se você é adolescente e achou o comentário sobre idade mental de 15 anos ofensivo, não vem de mim, vem do filme, cujo público-alvo é justamente dessa faixa etária. E pelo menos o Ewan se diverte quando atua na sua versão escocesa. Agora, tem que achar a Scarlett Johansson (“Encontros e Desencontros”) muito bonitinha pra agüentar seu único módulo de atuação (cara de sonsa boquiaberta em eterna perplexidade). Tá certo que o papel é um zero à esquerda – a moça só existe pra vários personagens poderem dizer “que corpão, hein?”, “você é linda”, “Jesus foi bom contigo”, e pro protagonista ter algum interesse romântico –, mas a Scarlett não contribui. O final, que não devo mencionar pra não entregar muita coisa, deixa espaço pra várias análises. A princípio parece um happy end, mas se a gente pensar que vai haver dois presidentes americanos à solta no mundo, a coisa fica bem apocalíptica, não?
Aliás, “A Ilha” proporciona uma grande dica pro espectador médio. Se algum dia você estiver sendo perseguido por um helicóptero com metralhadora, pendure-se em algum logotipo num arranha-céu. Caso o logotipo caia do alto do prédio, muita gente vai morrer, carros serão destruídos, helicópteros explodirão, mas você não sofrerá nem um arranhão. É garantido. Também tem uma cena horripilante envolvendo bichinhos metálicos entrando no olho pra gente se lembrar sempre que for ao oftalmologista.
Embora tenha sido um fracasso retumbante nos EUA, “A Ilha” mais ou menos trata da história de “Blade Runner” sob a ótica dos replicantes, com direito a implante de memória e tudo, e pode pautar discussões relevantes sobre original e cópia. Tá, tenho de admitir que não sei se gostaria tanto do filme se lá no cursinho (que é como a sobrinha de uma amiga chama nosso doutorado) a gente não estivesse falando logo de “Metrópolis” e Walter Benjamin. Tem tudo a ver. Ao menos “A Ilha” copia obras-primas.
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