domingo, 3 de maio de 2009

FALTA DE LÓGICA

O tal edital (clique para ampliar). A parte de baixo é para docente de biologia.

Só pra você ver como parece marcação. Recebi de uma amiga um edital prum concurso pra Universidade Federal Fluminense, em Niterói. O edital contempla duas áreas totalmente distintas, Literatura e Biologia. Ótimo salário, R$ 6.722,85, 40 horas e tal, professor adjunto. Em Literatura, a exigência é graduação em Letras Português/Inglês e suas respectivas Literaturas. Além de mestrado em Letras, com área de concentração em estudos literários, e doutorado em Literatura de Língua Inglesa (a minha área), Literatura Comparada, ou Teoria Literária. Bem restrito, não? Ou você tem exatamente o que pedem ou não pode sequer se inscrever (pra mim, falta a graduação em Letras). Isso quer dizer que doutoras em Letras, mas na área de Linguística, por exemplo, não podem prestar o concurso. Tá. É a regra de 90% dos concursos, ultimamente. Agora veja o que a universidade pede pra Biologia - só vi porque tá no mesmo edital. O candidato deve ter uma das seguintes graduações: Biomedicina, Biotecnologia, Nutrição, Ciências Biológicas, Farmácia, Medicina, Medicina Veterinária, Odontologia, Enfermagem, Química, ou Engenharia Química. Quer dizer, qualquer graduação em ciências biológicas tá valendo. As exigências pro mestrado e pro doutorado também são muito elásticas (pode ser uma dentro de 24 linhas de pesquisa!), de Ciências Morfológicas à Biologia Marinha, passando por Genética e Medicina Tropical. Traduzindo: um dentista, um nutricionista, um médico, um enfermeiro ou um veterinário, entre outros, com um mestrado e doutorado numa entre 24 áreas, é considerado apto a dar aula de Biologia. Não discuto, sou a favor. O que me revolta é que, pra dar aula de Literatura em Língua Inglesa, tem que seguir um roteiro certinho, sem nenhum passo fora do currículo. Graduação em Jornalismo, Pedagogia ou Filosofia, mesmo com mestrado e doutorado em Literatura em Língua Inglesa? Esqueça, não pode tentar o concurso. Eu não entendo nada de Biológicas, mas eu chutaria que Nutrição e Odontologia têm tanto a ver com Biologia quanto Jornalismo e Pedagogia tem a ver com Letras. Pra mim isso não faz nenhum sentido. Quem inventou essa camisa de força logo na minha área?

17 comentários:

Alfredo disse...

Lola... acontece que na área de Letras, os 90% profissionais são mulheres e velhas, muitissimas mal- amadas e elas fazem isso para os outros carregarem as cruzes delas. Na área de Biológicas são dominados por homens e mulheres jovens muitissimos bem amados e são liberais e flexiveis. Por isso.

Juliana disse...

É, eu tenho visto isso nos editais por aí também. É realmente revoltante, especialmente se vc já está quase com o título maior, como você. Acho que a graduação tinha que ser em humanas de um mode geral. Se algum dia eu seguir carreira acadêmica e quiser prestar concurso, pode ser até pior, porque apesar de ter Letras, não tenho Licenciatura, talvez tenha que voltar pra graduação por conta disso. Mas como essa realidade ainda está muito longe pra mim, vou me preocupando com um dia de cada vez. Mas sinto muito que você esteja passando por esta frustração de ter que fazer outra graduação.

Juliana disse...

asnalfa, vou fingir que não li esse comentário extremamtente preconceituoso e estereotipado seu.

Mila disse...

Poxa, Lola, ninguém merece...

Péssimo mesmo.

Anônimo disse...

Absurdo Lola.
Acho que esse tipo de restrição fortalece a criação de "clubinhos", então todo mundo se conhece, segue a mesma linha de pesquisa e empobrece o discurso porque dificulta a entrada que qualquer "elemento estranho" na área. É uma questão de manutenção do poder.
A minha pergunta é por que não fazer um processo de seleção com um nível mais alto de exigência em vez de fazer esse tipo de restrição, quando estava na grad. assisti a alguns processos de seleção e o favorecimento aos canditatos "orientando de tal" e "seguidor de tal" chegava a dar vergonha, e começava no edital.
bjs
Leah

Lúcia Soares disse...

Edital de concurso é sempre uma coisa. Hoje li no jornal Estado de Minas, o meu jornal, de BH e MG, que um candidato a concurso da Defensoria Pública de Minas Gerais foi barrado, no 2o dia, por estar de bermuda e chinelo. E aí? No dia anterior ele fêz prova, "devidamente trajado" e se saiu bem, segundo ele. E ontem, foi barrado. A cláusula 8.5 do edital diz que "Os candidatos deverão se apresentar adequadamente vestidos".O candidato conta que há mais de 3 anos estuda pra concurso.
E uma moça também passou pelo constrangimento: teve que colocar o casaco que, felizmente levava, pois estava de camisa sem manga e a fiscal a advertiu. E se ela não tivesse levado um casaco? Segundo ela, o cartão do concurso alerta aos concorrentes que "não é permitido o uso de chinelos,bermudas, bonés e camisetas sem manga". Ok. Foram avisados. Eu leria atentamente todo o edital e certamente seguiria, concordando ou não. Mas na verdade, mesmo, eu nunca imaginei que um concurso pudesse determinar e exigir com que roupa eu vou fazer a prova. Tô pasma! (nem é pertinente ao seu assunto, a não ser por falar de concurso também, mas achei interessante.)

Lola Aronovich disse...

Asnalfa, sobre seu comentário, imagino que seja uma piada. Ou isso ou vc quer receber o título de troll mesmo. Acho que trolls são rapazes que não recebem/receberam atenção suficiente da família na infância, e ficam fazendo de tudo pra chamar a atenção no presente. Serviu a carapuça? Agora, se for uma piada, acho que ironia não combina com vc. Acho que pra usar ironia tem que ter um pouco de inteligência. Não te cai bem.


Ju, Mila e Leah: obrigada pela solidariedade! Eu realmente acho isso péssimo, e não digo só por mim. Concordo que empobrece a área quando todo mundo vem com a mesma formação. Ju, pensei que vc tivesse licenciatura em Letras! Como não?

Anônimo disse...

Lola, não sei se é o caso da UFF mas, em geral, os requisitos são estabelecidos pelos próprios departamentos. Ou seja, é o pessoal da Letras quem está querendo essa 'reserva de mercado'.

Uma vez me disseram que o problema de incluir gente do Jornalismo, por exemplo, é que esse é um curso de bacharelado, ficam faltando as disciplinas da licenciatura. Bom, levando em consideração alguns exemplos terríveis de didática que vi no meu mestrado, nem sei se isso faz algum sentido, mas vá lá. Já excluir Pedagogia com mestrado e doutorado em Letras, é ridículo.
As Ciências Humanas, pelo visto, estão andando pra trás, já que em outras áreas do conhecimento parece haver um interesse maior em admitir profissionais de áreas diferentes. Mas acho que isso é uma fase, daqui a pouco eles vão ter que começar a rever esses (pre)conceitos.

Ah, Asnalfa, algumas piadinhas não funcionam tão bem quando escritas. Se sua tentativa foi a de ocupar o posto que era do Santiago, desista. Ele era um troll, mas pelo menos tinha alguma consistência...

Se você queria acentuar seu lado preconceituoso, bastaria ter mencionado, por exemplo, que parecem existir muito mais gays na Letras no que na área de Biológicas. Uma afirmação que não quer dizer absolutamente nada, exatamente como essa que você fez...


Mônica

M. Ulisses Adirt disse...

Pelo menos a sua área é mais divertida. :-)

Ricardo Mattos disse...

Lola, uma boa tarde.

Acompanho seu blog há algum tempo, porém nunca comentei (não me pergunte o “porquê”, pois nem eu sei responder!). Senti-me um pouco a vontade com este seu último post, talvez por possuir as mesmas angústias. Sou enfermeiro e mestre em Saúde da Família, o que significa que tenho “habilitação” para trabalhar as áreas voltadas para a saúde pública, coletiva e, por motivos óbvios, a própria Saúde da Família. É válido salientar que esta minha área além de estar em voga possui alta significância para a consolidação do Sistema Único de Saúde, sendo caracterizada como modelo de reorientação e reprogramação do sistema público de saúde do Brasil e em vários outros países.

Todavia, da mesma forma que você encontrou dificuldades com este edital, eu sempre tenho este tipo de problema. Os editais atuais (na minha área) exigem que o docente tenha mestrado / doutorado em saúde coletiva, deixando de lado todos os argumentos e as necessidades de formação exigidas pela “nova” proposta de saúde no país. Tal problemática me leva refletir diariamente sobre que tipo de profissionais as Universidades pretendem formar. Sou professor em uma universidade privada e claramente tal indagação se faz pertinente todos os dias de minha atuação docente. Mas, também não seria uma reflexão necessária por parte das instituições governamentais?

Creio que estes editais denotem somente a “pontinha” do iceberg! Mas, achei de extrema relevância seu ânimo em trazer o problema para discussão com a sociedade.

Parabéns pelo blog! Vamos continuar refletindo!
Ricardo Mattos

Cris disse...

Lola, mas que coisa!

Na minha área não tem muito isso não.
Aliás, a maioria dos concursos que pede qualquer foramção acadêmica é disputada basicamente por bacharéis em direito.
Não tenho interesse em concursos por enquanto,mas aqueles que tenho, ainda bem que preencho as exigências (3 anos de experiência).
Mas fico aqui na torcida para que saia logo um edital que vc preencha os requisitos e possa fazer.
Boa sorte!

beijos

Juliana disse...

fiz bacharelado, Lola

Dai disse...

eu quase morro de vergonha alheia com o comentário do asnalfa, vir todos os dias bater ponto aqui para, de repente, sair com isso?
'meldels'.

Lolinha, não é só na tua área. Te garanto. Os editais específicos são alvo de debates acaloradíssimas nas listas de discussão de comunicação - sobretudo pelo fato de que grandes nomes da área não tem um currículo de formação específica. Até por que doutorado em comunicação no Brasil existe há menos de 30 anos.
Eu vejo muita gente disposta a encampar esse debate de forma mais ampla e tenho esperanças de que alguma coisa mude. Bom, eu sou otimista.
O que posso te garantir é que essa especificidade exacerbada (do tipo que vc observou no edital da UFF) parte muito mais do departamento daquela instituição que da área em si. Posso falar da área de comunicação, que privilegia a contratação de doutores na área porque grande parte dos professores que já estão no curso não tem essa formação e o MEC dá uma pontuação maior aos cursos com coordenadores que possuem formação específica. Enfim, burrocracias.
beijocas,
Dai

L. M. de Souza disse...

tua amiga asnalfa tá errada. tem muito homem nas letras nas universidades (como professores). até rolou uma discussao bem interessante sobre isso na comunidade virtual da linguagem (uma lista do yahoo). muita gente concorda com a restrição, muita gente acha q deveria ser mais elastica, pelo menos em relaçao a restricao na graduação.

Bruno S disse...

Esse excesso de restrição me parece que o concurso está sendo direcionado.
Isto é, fica mais fácil que alguém bem relacionado ao departamento consiga a vaga. O aprovado será, provavelmente, alguém que recém terminou o doutorado na própria instituição.

Anônimo disse...

Oi, Lola

Conheci seu blog hoje e por acaso, peguei esta página sobre concursos. Como fiz metade de um curso de Biologia e depois vim para a área de Letras, acho que posso dar uma opinião. Olha, posso estar errada, mas talvez o edital de Biologia seja tão amplo porque as ementas para as quais se pede professor são bem básicas também. Não tenho total certeza sobre a molecular, porque não me lembro dessa disciplina na minha graduação, mas a celular é bem básica, é do primeiro ano. Só não entendo uma coisa: em uma universidade é comum que se faça pesquisa, como sabemos. Nesse caso, a Universidade em questão está dizendo que já tem quadros de pesquisadores completos e que não importa onde a pessoa vá fazer pesquisa desde que dê as aulas para as quais foi contratada? Estou errada? Não é preciso reforçar o quadro de pesquisadores também, até
por causa das avaliações do MEC, CAPES, CNPq...? Em relação à nossa área, acredito que para dar aulas é necessário ter formação(inclusive acho muito mal aproveitada a formação pedagógica de cursos que permitem também a licenciatura)e penso que o curso de Pedagogia forneça isso aos seus alunos. No entanto, não acho que o de jornalismo, por exemplo, forneça, não é esse o objetivo do curso.
Tive um professor na graduação que era jornalista e suas aulas não só eram péssimas (o que até conseguimos contornar), como ele não sabia boa parte da matéria. Quem completou o conteúdo foi a outra professora de Literatura, que juntou tudo na disciplina dela.

Acho que esse tipo de exemplo mostra com que cuidado devemos pensar a questão da graduação em um concurso, no entanto, na minha opinião, ter um mestrado e um doutorado na área deveria suprir essa "falta" de graduação em Letras ou em Pedagogia.
Realmente, participar de certos concursos está impossível, mesmo para quem tem toda a formação em Letras. Muitos pedem sintaticistas, foneticistas, e por aí lá vai. Ou você tem essa formação bem específica ou não consegue se candidatar....
Abraço, Rosa

Amanda Mirasierras disse...

Na verdade, esse edital tá uma bagunça mesmo. Da mesma maneira que eu entendo (e concordo) com o absurdo das restrições para Letras, não concordo de forma alguma com a extrema abrangência para Biologia.
Sinceramente, não conheço ninguém que seja especialista em biologia marinha, por exemplo, e sinta-se apto a lecionar biologia molecular.
Eu sou bióloga e trabalho num hospital com profissionais de várias áreas, e garanto que nenhum bacharel em odontologia que conheço seguraria essa.
(To comentando post antigo, eu sei, mas só vi agora)