domingo, 30 de novembro de 2003

CRÍTICA: O NOVATO / Vocação para salvar o mundo

Nossa lavagem cerebral continua a pleno vapor. Se você já se cansou de amar apenas o american way of life e quer agora aprender a se apaixonar pela moderna espionagem deles, vá ver “O Novato”. Eu fui, e hoje posso dizer que adoro a CIA. Não sou mais aquela adolescente revoltada de décadas atrás que foi fazer um curso de Ciência Política em Washington e que respondeu à pergunta que davam nos aviões (“você já pensou em matar o presidente americano?”) com um “hoje ainda não”. Naquela época, eu queria descobrir a diferença entre a CIA e uma organização terrorista. Agora não. Estou curada. Aleluia, irmãos!

“O Novato” é deveras instrutivo. Mostra um gênio dos computadores que, ao contrário dos nerds que a gente conhece, usa tatuagem e luta boxe. Este carinha, interpretado pelo Colin Farrell (“Minority Report”, “O Demolidor”), é recrutado pelo Al Pacino pra ser agente da CIA. O que o jovem quer mesmo saber é se o pai dele, desaparecido no Peru, tinha sido um espião. Ou seja, ele é um chato. A gente querendo que a história engrene e o rapaz pressionando o Al sobre seu pai, pra quem a gente não dá a mínima. No treinamento, o Al informa que a procura pra ser membro da CIA nunca esteve tão alta. E por quê? Não é pelo salário, míseros US$ 75 mil por ano. Não é pela fama, já que a CIA, infelizmente, só é conhecida pelos seus fracassos, não pelos seus inúmeros sucessos. Não é pra arranjar parceiros sexuais, pois agentes como ele e o Colin parecem não tomar banho há séculos. Bom, essa última parte foi dedução minha, o resto é realmente proferido pelo Al. Por que, então, todo mundo sonha em ser agente da CIA? E ele responde: porque a gente acredita no certo e no errado e sabe diferenciar o bem do mal. É uma questão de vocação, saca? Quase um sacerdócio. Nessa hora, eu interroguei o maridão pra ver se ele era da CIA. Ele disse: “Claro que sim, todo mundo é. Tá no sangue”. E eu: “Você ganha 75 mil dólares por ano? Cadê?”.

O treinamento se dá num lugar apelidado “A Fazenda”, onde nossos bravos recrutas suportam choques elétricos e discursos do Al – tudo por amor à pátria. Eu fiquei pensando que deve ser difícil pro Colin, que não troca de roupa nem faz a barba em todo o filme, tornar-se agente secreto com aquele cheiro, mas ninguém pareceu ligar. Ele deseja ser mais que um espião, alguém tão secreto que não existe nem pra organização e que eles chamam de OINC. Não, acho que errei a sigla, fiquei influenciada pelos porquinhos da fazenda, perdão. Deve ser NOC. O problema é que, pra quem é espião, eles não são lá muito discretos. Daí a gente vê o Al gritar pro Colin no meio da rua: “Você é o OINC, quer dizer, o NOC!”. Mas como o amor é cego e provavelmente sem olfato, uma espiã arrasta uma asinha pro Colin. A magrinha é interpretada por uma tal de Bridget Moynahan (se você não se lembra dela em “A Soma de Todos os Medos”, você não está sozinho). Ela e o Colin transam e começam a desconfiar um do outro dois minutos depois. Pra atenuar o mal-estar, o Colin finge que estava procurando no computador dela um site sobre o pai desaparecido. Imagina só, treze anos depois, logo após uma noitada caliente, ele vai buscar o papai. E a magrinha cai! Nessa hora eu entendi por que minha imagem favorita no filme é a aparição de uma placa escrito “Centro de Inteligência George Bush”. Como as palavras Bush e inteligência cabem na mesma placa? Ah, mas é o Bush pai. E ele era inteligente? Se fosse, tinha feito vasectomia antes de casar.

Opa, você acha que eu revelei demais de “O Velhaco”? Você não viu o trailer, né? O que assusta é que o diretor Roger Donaldson já fez thrillers políticos mais engajados, como “Sem Saída” e “13 Dias que Abalaram o Mundo”. Mas eram outras épocas. O tema deste aqui é que nada é o que parece. Por exemplo, eu também sou CIA. Eu chamar o Bin Laden de Osama é só fachada. Ai, ai. Depois o embaixador dos EUA vem na faculdade perguntar como vai o anti-americanismo no Brasil. Ué, só dá pra responder que vai bem, obrigado.

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