quarta-feira, 28 de novembro de 2007

CRÍTICA: HANNIBAL, A ORIGEM DO MAL / Você é o que come

Vendo “Hannibal, A Origem do Mal”, concluí que a origem de todos os problemas está no nome. Afinal, Hannibal rima com canibal, e nomear alguém com alcunhas que já dão idéias não é legal. É como, sei lá, se Lola rimasse com bola (nem vem que não rima). Em retrospecto este filme é ruim e inútil, mas durante a sessão é bem assistível. Ele fala da juventude de um dos maiores vilões do cinema, o Dr. Hannibal Lecter. Sua infância não é nada feliz: seus pais aristocratas são mortos na sua frente, durante a Segunda Guerra, e, pra piorar, criminosos invadem sua cabana e, na falta de comida, papam sua irmãzinha, que se chama Mischa. Lembrou das Olimpíadas de Moscou? Eu também. Pô, esses vilões são maus mesmo. Eu nunca comeria um ursinho. Sem falar que tem um monte de lobos na porta da casa, e os caras têm armas. Basta atirar num deles e a bóia tá pronta. Mas não, eles nem cogitam saborear carne de lobo, só pensam na menininha. Por quê? Porque eles não prestam e porque precisam traumatizar o Hannibal. Mas insisto que o verdadeiro trauma deve ser chamar-se Hannibal e não ter um apelido do tipo “Han” ou “Hani”. Até a irmãzinha que vai pra sopa o chama de Hannibal. Assim é óbvio que ele vai crescer revoltado.

Um dos principais males do filme está na sua concepção. Aqui quem é monstruoso mesmo é o vilão (acredita que ele é quem faz o amigo trapalhão do Hugh Grant em “Notting Hill”?). O Han simplesmente nos salva dele, não mata inocentes e, por não ser comunista, não come criancinhas. O suspense se esforça demais pra justificar suas ações, só que não é isso que queremos. Queremos ver um vilão sim, um serial killer que mata sem culpa e sem motivo. Não adianta nada um inspetor de polícia dizer “Oh, ele é monstruoso”, tem que participar. Cadê a monstruosidade dele? Ele come um pedacinho da bochecha de cada inimigo? Grande coisa. O Han aqui é uma boa alma atormentada por pesadelos, gosta de cães, respeita a tia, ajuda velhinhas a atravessarem a rua (ok, essa parte eu inventei). Ele mata apenas por vingança, e vingança é menos monstruoso que assassinatos fúteis, porque é uma reação a algo. Alguém cometeu um crime antes. Por exemplo, o que o massacre de Virginia tem de mais chocante é que um cara sem motivo pega em armas e fuzila 32 pessoas (aliás, se o atirador fosse da Coréia do Norte, o Bush já teria invadido o país). Se o atirador cometesse os mesmos atos contra quem comesse sua irmãzinha, soaria bem menos brutal, né?

O Hannibal de verdade, que veremos posteriormente na pele do Anthony Hopkins em outras produções, não tá nem aí pra vingança.i Ele come língua de enfermeira, come pacientes chatos, come guardas bonzinhos. Então é óbvio que o filme foi pensado pra ser a primeira parte de uma saga “explicando” a maldade do Hannibal futuro. Se der algum lucro, os cineastas vão mandar ver. E aí, quando o Han vai virar mau mesmo? Vai comer a tia (no mau sentido)?ii

Outro problemão é a aparência do francês Gaspard Ulliel, que faz o Han jovem. Eu só pensava no grande “Ed Wood”: o pior diretor do mundo olha pro Bela Lugosi, olha pro ator que vai representá-lo, que não tem nada a ver, e profere: “Uau! Incrível a semelhança!”. Devem ter pensado a mesma coisa ao selecionarem o Gaspard. Olharam pra fotos do Anthony, com aquele nariz batata, e pro narigudão Gas, e pensaram: “É um o focinho do outro! Irmãos gêmeos separados ao nascer!”. Ou seja, não dá pra olhar pro Gas sem pensar “Em que momento da vida o Hannibal faz plástica pra virar o Anthony?”. Coitado, o Gas até tenta. Às vezes ele diminui a voz pra lembrar o Anthony (repare como ele fala “Where?”, que tá mais pra “Ué?”, bem Anthony mesmo), e os ângulos da câmera repetem os de “Silêncio”. Por sinal, o filme todo é classudo, não apela pra cenas nojentas, e tem um ritmo europeu, mais lento. Nota-se que foi dirigido pelo Peter Webber de “Moça com Brinco de Pérola”, mas vai decepcionar os fãs que esperam carnificina. E o final é quase uma pá de cal. Ele não termina, e ainda põe crianças cantando uma musiquinha tenebrosa. Acho que tenta ser sarcástico, mas tá mais pra insultante.iii

Na saída, perguntei pro maridão o que ele acha de canibalismo, e ele: “Nós, vegetarianos, somos contra”. Então fui ao xis da questão. Quis saber o que ele faria se tivesse que me comer (você entendeu): “Acho que te plantaria no solo pra ver se nasce alguma coisa útil”. Tomara que nunca falte comida aqui em casa.

i O Hannibal pode ter sido eleito o pior vilão de todos os tempos e tal, mas, se a gente pensar bem, a reputação dele é maior que qualquer um de seus feitos. Em “Silêncio dos Inocentes” (1991), Han é um personagem interessante, lógico, se bem que Clarice é ainda mais. E o principal, as grandes cenas, é a interação entre eles. É graças a ela que o Han fica instigante (isso também explica porque o maridão não desgruda de mim). Todo mundo fala a toda hora: Hannibal é um gênio, um monstro, um psicopata, um cara refinado de bom gosto, mas no fundo a gente não vê isso. Apenas acredita no que falam dele.


ii A bela Gong Li faz uma japonesa de novo. Tem uma seqüência que a gente pensa que entrou na sessão errada: “Batman Begins”, “O Último Samurai”, ou algum “Karate Kid”. Por que nosso vilão favorito tem que ser introduzido à arte dos samurais como se fosse um superherói com sua tutora? Isso me levou à outra questão filosófica: será que o Aranha, ao encontrar o crápula que matou seu ente querido, vai comê-lo também?


iii Certamente este filme é melhor que “Hannibal” (2001), aquele um em que o Anthony come o cérebro do Ray Liotta. Talvez seja tão mediano quanto “Dragão Vermelho” (2002). Que saudades de “Silêncio”!

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