sexta-feira, 28 de novembro de 2003

CRÍTICA: REVELAÇÕES / O setuagenário e a faxineira

Acabei de ler o romance “The Human Stain” (algo como “A Mancha – ou marca – Humana”), de Philip Roth, um dia antes de ir ver sua adaptação para as telas, que aqui recebeu o ridículo título de “Revelações” (título que, convenhamos, serve pra qualquer filme, além de lembrar aquela bomba com o Harrison Ford e a Michelle Pfeiffer). E admito que não gostei muito de nenhum dos dois, nem do livro, nem do filme. Ambos são meio fraquinhos. E vai ser difícil escrever esta crônica, já que ambos contém um segredo que, por incrível que pareça, NÃO é contado no trailer. Então não vou ser eu a estragar a surpresa pra você, né? Posso apenas adiantar que o terrível, o hediondo, o abominável segredo que o protagonista esconde durante toda sua vida é algo irremediavelmente estúpido para nós não-americanos. Principalmente pra nós brasileiros. É uma coisa que aqui ninguém daria a mínima. Ficou curioso, hein? Vai ter que encarar o filme, velhinho.

“Revelações” fala de um professor universitário meio idoso, interpretado pelo canibal Anthony Hopkins, que se envolve com uma moça com metade da sua idade, e passa mezzo a ser ameaçado pelo ex-marido dela, um veterano do Vietnã (quem faz é o Ed Harris, no que parece a atuação mais desperdiçada de sua carreira). A tal moça é faxineira da faculdade e ordenhadora de vacas, e quem você escalaria pra este papel tão sem glamour? A Nicole Kidman, ué. Óbvio. No livro, a moça é também analfabeta, mas isso o filme não diz. Por que não? Bom, talvez porque ser analfabeto hoje em dia seja a verdadeira “mancha humana”, o que a sociedade considera o fundo do poço. Mas nem é isso que o título do livro significa. A mancha humana é uma referência feita pela moça pra um corvo que, por ter sido criado entre pessoas, não sabe ser corvo. Ele estaria manchado ou marcado para sempre pelos humanos (e isso não é bom). Ahn, outro subtexto do livro e do filme é bastante interessante. O professor larga seu emprego na faculdade após ser acusado de racismo, numa dessas histerias politicamente corretas tão queridas dos americanos. Mas a melhor parte do livro, que fala de uma professora que sem querer envia um classificado pessoal seu pra todo o departamento via email, é deixada de fora do filme. Pena.

Ah, algo que deve ser destacado é que este é o único filme de que eu tenha notícia que mostra um setuagenário transando com alguém que podia ser sua neta (o que é banal em Hollywood, vide a carreira do Sean Connery) e ainda assim menciona uma palavrinha mágica: Viagra. Ou é um ato corajoso ou é merchandising, você decide. Mas o filme inclui flashbacks esquisitos e desinteressantes (até lutas de boxe, argh), e o ator que escolheram pra fazer o Anthony quando jovem é tão parecido com ele quanto, sei lá, eu. E eu não sou exatamente a cara do Anthony, apesar de lembrar muito a Nicole, com uns quarenta quilos a mais, digamos. Foi o que o Tom Cruise me disse outro dia, no meio de uma das nossas intermináveis sessões de amor, sabe como é.

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