sábado, 29 de novembro de 2003

CRÍTICA: SEABISCUIT / Meu querido pônei

Admito que fui ao cinema até com um pouco de má vontade, mas acabei gostando de “Seabiscuit, Alma de Herói”. O drama que concorreu a sete Oscars era o azarão da disputa, e voltou pra casa com as mãos abanando. Mas, francamente, prefiro uma historinha sobre cavalos a uma saga de guerra. Não que o diretor Gary Ross não se esforce para tornar uma trama meio banal um épico eqüino. “Seabiscuit” começa falando da expansão dos carros em 1910, e como eles vão substituindo os cavalinhos, até aportar na depressão dos anos 30. Na verdade, demora pro filme chegar ao cavalo. Antes, ele mostra o Jeff Bridges, sempre fanfarrão, repetindo seu papel em “Tucker”, como visionário da indústria automobilística que logo logo irá se interessar por pôneis. E o Chris Cooper (de “Beleza Americana” e “Adaptação”) como um treinador de cavalos caladão. E o Tobey Maguire (“Homem-Aranha”) como um jóquei de cabelos vermelhos. E aí está o problema número um. O passado do Jeff tá bem contado, idem pro do Chris, mais sucinto ainda. Mas o do Tobey se prolonga demais e traz inúmeras pontas soltas. Por exemplo, por que ele briga com todo mundo? Ele se reencontra com a família ou não? Mesmo a bulimia do personagem não tá explorada. Mas eis que enfim surge o dono do papel-título, o Seabiscuit, um cavalinho maltratado que vai se transformar num campeão das corridas com a ajuda dos três homens acima. O maridão me perguntou o significado do nome, e eu respondi que seria algo como “Biscoito do Mar”. Ao que ele, que gostou bem menos do filme que eu, disse: “Ah, a velha bolacha de água e sal”.

É verdade, de novo o filme não tem nada. É aquele tema recorrente dos americanos: o da segunda chance, de poder apagar o passado, começar do zero e virar um vencedor. E parece que o Biscoito realmente foi um ídolo dos EUA durante a depressão. Pra se ter uma idéia, em 1938 ele recebia mais manchetes de jornais do que a guerra de Hitler, prestes a estourar (o que diz muito sobre a alienação americana). Mas os personagens são tão fofos, tão sem maldade, que a gente gosta deles. Claro que eles não são lá muito realistas, né? Ninguém liga pra apostar dinheiro nas corridas. O que os move é o amor eqüestre. Sei, sei. E basta um veterinário ou um médico proferir a sentença que “ele nunca mais vai competir” pro animal se transformar num fenômeno. Bem que um médico podia olhar pra mim e concluir “ela nunca vai emagrecer”, praí sim a gente ver o que acontece.

Tive a nítida impressão que tava faltando um pedaço do filme. Depois do clímax, da parte mais emocionante, que é quando “Seabiscuit” deveria acabar (inclusive, se o épico fosse bom mesmo, corria-se o risco de “Goodbye, Charley” virar uma frase tão clássica quanto “Hasta la vista, baby”), o drama segue por mais meia hora. Arma-se um duelo entre dois cavalos que nunca ocorre. Ou eu perdi alguma coisa? Sei lá, saí da sessão pensando, “Tenho que ver a versão do diretor correndo”. Mas tudo bem. Qualquer filme que mostra o William H. Macy (“Fargo”) se divertindo tanto como um locutor esportivo provando que o Galvão ainda tem muito que aprender deve valer a pena.

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