Infelizmente, nunca vi o “Hairspray” original, de 19 anos atrás. Mas o filme mais “normal” do John Waters agradou, foi pra Broadway, e agora volta pra encantar um público ainda maior. O próprio John faz uma pontinha no início, como um tarado exibicionista. Na realidade, nem dá pra ver se é uma pontinha ou uma ponta respeitável. Quem rouba as cenas é a adolescente gordinha Nikki Blonsky, que é pura ingenuidade e energia. No começo da década de 60, tudo que essa moça quer fazer é dançar. De preferência, dançar num show de TV que só uma vez por ano celebra o “Dia dos Negros”. O resto do tempo é a dança de riquinhos brancos copiando o ritmo negro. Lá pelas tantas, a Michelle Pfeiffer, que faz uma racista, pergunta, ao ouvir referências sobre o “som de Detroit”: “O que é isso, barulho de gente sendo assaltada?”. Péssima a reputação da cidade onde vivo... Mas Nikki vai lutar pra mudar tudo isso e, de bandeja, ainda conquistar o galã Zac Efron, de “High School Musical”.
Claro que na vida real as coisas são totalmente diferentes. Meninas gordinhas nunca vão aparecer dançando na TV, e é só vir pra Detroit pra ver como a integração pregada nos anos 60 não se concretizou. Queen Latifah comenta, numa das melhores tiradas do filme, quando vários brancos invadem sua festa: “Se entrarem mais brancos aqui isso vai ficar parecendo um subúrbio”. “Hairspray” destila nostalgia por um tempo que não foi tão maravilhoso assim. Aliás, tem um clima muito mais de anos 50, de “Grease”, que de um musical mais dark como, sei lá, “Cabaret”. É muito mais “Spray” que “Hair”, com todas aquelas alusões à guerra do Vietnã. Mas é gracioso, pelo menos mostra um beijo interracial, e dá gosto ver uma gordinha aceitar tão bem seu corpo.
Quem aprecia “Hairspray” sai discutindo mais a performance do John Travolta do que racismo. O John distrái um pouco como a mãe da garota, se bem que compreendo porque o escalaram. É porque Divine, o famoso travesti do John Waters, fez a versão de 88. E também porque John é um dançarino. E ele não faz uma drag queen, ou tenta nos fazer rir de gags gays. Sua personagem é meiga, comovente, e forma um belo casal com o Christopher Walken (mesmo que, pra mim, o melhor número do Christopher seja com a Michelle tentando seduzi-lo). Enfim, “Hairspray” é um filme sem maldade, com um coração tão enorme como o penteado da protagonista.
Pra não terminar esta crônica com o comentário acima, tão açucarado que pode elevar os casos de diabete, vamos a uma anedota real. Aqui nos EUA tá se falando bastante de um político de direita que foi preso por um policial à paisana num banheiro de aeroporto. O sujeito pôs o pé embaixo da porta do banheiro do policial, e começou a balançá-lo, no que o policial automaticamente entendeu como um convite pra fazer sexo num lugar público (o que é proibido). Eu devo ter perdido alguma coisa. Ou, como disse um comediante gay, “Sapatear é um código pra transar? Não é à toa que homossexuais adoram musicais”. Esse mesmo comediante também inventou que a culpa é da segurança dos aeroportos. Eles tocam no seu corpo pra te revistar todinho, te deixam excitado, e aí você tem três horas pra gastar até o embarque? Natural tentar se divertir no banheiro...
P.S.: Sabe que musical eu adoro de paixão? “A Pequena Loja dos Horrores” (1986). Não o filminho B dos anos 60 com o Jack Nicholson, mas o musical com o Rick Moranis, o nerd que cuida de uma plantinha alienígena fanática por sangue humano. As canções são muito superiores às de “Hairspray”. E, como bônus, temos o Steve Martin como o dentista sádico, e o Bill Murray como seu paciente masoquista. Filme de cabeceira pra se ver antes de ir ao dentista.
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