domingo, 30 de novembro de 2003

CRÍTICA: O PAGAMENTO / Ajuda-me a esquecer

Fomos ver “O Pagamento”, última empreitada do John Woo, aquele um que é considerado mestre do cinema de ação, e, referindo-se ao título, o maridão quis saber sobre os críticos profissionais que chamaram essa meleca de obra-prima: “Você acha que eles vêem o filme depois de receber o dinheiro ou preferem não se envolver?”. Pois é, o Woo deve ser o diretor asiático vendido a Hollywood mais superestimado do planeta, com o Ang Lee em segundo lugar. Mas, pra ser justa com o Woo, digamos que “Pagamento” não tem nenhuma marquinha pessoal, neca de cinema de autor. Poderia ter sido cometido por qualquer diretor de aluguel. Não sei se foi por isso que o filme fracassou bonito nos EUA. Então, tá: desmistifiquei o mito um (que o Woo é o máximo). Agora passo ao mito dois: filmes baseados em histórias do Philip K. Dick são ótimos. “Blade Runner” é bárbaro, e gosto muito de “O Vingador do Futuro” e “Minority Report”, mas esta coisa aqui quebra o encanto. Mito três: o Ben Affleck é o pior ator do mundo ocidental. Ahn, esse mito é verdade.

Em “Pagamento”, Ben, o Aflito, é um super engenheiro que aceita inventar troços, ganhar uma nota preta, e apagar sua memória mais recente. Essa premissa, a de programar-se para esquecer, é a parte boa do filme, se bem que o maridão não precisa de aparelhinho nenhum para se olvidar do que aconteceu nos últimos três meses. O Aaron Eckhart (aquela gracinha de “Erin Brokovich”) arma com o Ben, que passa o resto do tempo fugindo do FBI e dos vilões, com a ajuda de um envelope cheio de trocinhos que ele mesmo deixou pra ele. Essas bugigangas geram pistas tremendamente estúpidas, mas tudo calculado pra que o público possa adivinhar como elas serão usadas e sentir-se um gênio. É jujuba pro espectador. O único amigo do Ben é interpretado pelo Paul Giamatti, de “Truman Show”. O personagem dele é pior que criança e cachorro em filme, sabe, aqueles que somem no meio pra reaparecer no final. Paul é também personal trainer, personal cientista e personal florista do Ben. “Pagamento” entra em processo de destruição irreversível lá pela metade, quando o Paul se tranca numa dispensa (eu acho que é uma dispensa). Daí pra frente só tem sessão porrada, cenários virtuosos que serão devidamente detonados, cenas obrigatórias de perseguição de carros, e todos os caros clichês que dois estúdios podem comprar (sim, o filme foi financiado não por um, mas dois estúdios, o que virou moda). É o jeito d’eles dizerem: olha só como pensamos em você. Gastamos todo esse dindim. Não somos legais?

As piores falas da produção são “Red Socks” e “Peguei!”, e você vai ter de ver a bomba se quiser entender o contexto, porque eu que não vou explicar. Mas o que importa é que ambas são proferidas pelos lábios carnudos da Uma Thurman, que faz o par romântico do Ben. Acho que seu papel de bióloga capaz de alterar o clima é uma homenagem póstuma a “Os Vingadores”. Tadinha da Uma, que nunca esteve tão feinha num filme – olheiras, cabelo esquisito, pele bronzeada demais. Ela deveria assinar um contrato jurando que só vai trabalhar com o Tarantino daqui em diante.

Teve uma hora em que me cansei e comecei a pensar em outro filme que fala sobre perda de memória, “Amnésia”. Aquilo sim que é inteligente. Sei que os mesmos críticos que babam por “Pagamento” condenam “Amnésia”. Eles dizem que, se o filme não fosse montado de trás pra frente, não seria tão original assim. É, e daí? De repente o meio não é mais a mensagem? Vão catar coquinho! Mas, voltando a esse assunto sofrível que é “Pagamento”, ó Deus, parece que lá pelas tantas a civilização corre o risco de acabar, mas o que vemos é Ben, o Aflito, preocupando-se em salvar a própria pele. O final é o mais capitalista possível. O trio formado por Ben, Paul e Uma decide que mudar o mundo tudo bem, desde que eles sejam milionários e concentrem renda. O quê? Você não sabia que tinha final feliz? Olha, a essa altura, final feliz seria só se o Ben anunciasse sua aposentadoria precoce.

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