sábado, 27 de outubro de 2012

GUEST POST: CARTAZES MACHISTAS DIVULGAM CONVENÇÃO DE QUADRINHOS

Intervenção em cartaz de Curitiba

Como já falei algumas vezes, não entendo quase nada de quadrinhos. Mas sei que muitxs de vocês entendem. Há cada vez mais mulheres que leem e fazem gibis, e elas sempre protestam de como esse universo é machista. Lembram da discussão que tivemos sobre uniformes e poses de superheróis?
Recebi este texto de um grupo que não é bem um grupo, mas que se intitula Feministas Independentes de Curitiba. São várias pessoas feministas da cidade que pertencem a grupos diferentes ou não pertencem a nenhum grupo específico. Além disso, elas preferem não se identificar porque "aqui em Curitiba é um pouco perigoso; há alguns grupos de extrema-direita que volta e meia ameaçam ativistas". Vish!
Este grupo decidiu escrever uma carta para a GibiCon, uma convenção internacional de quadrinhos em sua primeira edição (ou segunda, se considerarmos a do ano passado, a número 0, noticiada pela Globo de forma machista, segundo a Valéria), que acontecerá até amanhã em Curitiba. Alguns cartazes de divulgação do evento mostraram que o evento não têm interesse em combater o sexismo nos quadrinhos. E esses cartazes sofreram adoráveis intervenções (adoro essas intervenções!). Mas não foram as Feministas Independentes as responsáveis. Elas são responsáveis por esta carta:

O mundo dos quadrinhos há muito tempo foi sinônimo de 'clube do bolinha'. As histórias eram voltadas exclusivamente para meninos, os protagonistas eram quase sempre homens, e as mulheres apareciam ora como figura de cenário (a secretária, a mãe, a dama em perigo), ora como interesse romântico do herói. Mesmo no caso das raras heroínas, o apelo sexual na representação de seus corpos parecia importar mais que a própria construção da personagem.
Felizmente, isso está mudando. Será?
Apesar de hoje termos um número muito maior de garotas leitoras de quadrinhos -- e um não tão grande de produtoras -- os estereótipos da representação da mulher parecem continuar firmes. Não estamos dizendo que tudo que se faz é de cunho machista, pelo contrário, existe muita coisa interessante e instigante pipocando por aí, mas o que se valoriza e, principalmente, o que é publicizado, não parece ter mudado nem um pouquinho.
Quer um exemplo? A GibiCon espalhou por Curitiba vários cartazes fazendo propaganda do primeiro evento internacional de quadrinhos da cidade. Em quase todos os cartazes que apareciam mulheres, elas estavam semi-nuas ou eram de alguma forma sexualizadas. Um deles, inclusive, utilizava a velha referência à TPM (referência machista para o estereótipo de mulher histérica e sem autocontrole) como alívio cômico.
Por outro lado, não existe qualquer cartaz em que um homem esteja representado em uma posição objetificante ou sendo desqualificado por pertencer ao sexo masculino e muito menos um cartaz que fizesse desse fato algo risível.
Único bom cartaz da GibiCon?
De maneira nenhuma defendemos, e isso seria um absurdo, que é preciso discriminar o homem para acabar com o machismo. O que é preciso é sim acabar com a misoginia e o sexismo, representando as mulheres de maneiras mais humanas e diversificadas. O que a comparação acima traz à tona é que a GibiCon, e tantas outras 'entidades' do mundo dos quadrinhos, não fez nenhum esforço para não perpetuar o machismo e muito menos para tentar construir a igualdade de gênero.
Talvez não haja mais tempo para a GibiCon repensar um pouco os seus conceitos. Mas esperamos que as próximas edições desta e de outras convenções de quadrinhos sejam de combate aos estereótipos.

Pryscila Vieira, criadora da Amely, personagem no cartaz da TPM, não gostou de ver sua obra ser chamada de machista. E respondeu aqui.  
Ana Luiza Koehler que, assim como Priscila, participou como convidada da GibiCon, escreveu um guest post incrível aqui. Acho que o post aborda várias inquietações.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

A MISOGINIA ENTRE OS GAYS

Passei por um duro aprendizado nos EUA, quando fui a um seminário de ativistas negros, e presenciei um desfile de misoginia. Até então eu tinha a doce (e ingênua, reconheço) ilusão que minorias, grupos historicamente oprimidos, enfim, pessoas que sofrem preconceito, teriam empatia por outras minorias. Que lutaríamos juntos. Jamais que seríamos vistxs como o inimigo a ser combatido. 
Numa outra ocasião, ainda durante o meu ano americano, li cartas de leitores da revista The Advocate (a principal publicação para o público LGBT, e eu a recebia de graça), e fiquei chocada com a raiva que vários homossexuais estavam demonstrando ao transsexual que teria um filho, e que a imprensa rapidamente chamou de "o homem grávido". Não esperava ver gays com o mesmo discurso de "isso é antinatural!" que a gente costuma ouvir de héteros conservadores.
Claro, sei que negros, gays, mulheres são pessoas como quaisquer outras, sujeitas a captar e propagar os inúmeros preconceitos de uma sociedade preconceituosa. Mas pensei que tivessem mais discernimento. No caso do machismo, está mais do que claro que machismo e homofobia andam sempre juntos. O padrão aceitável é o homem, e tudo que não for masculino é visto como desvio. Numa sociedade misógina, cria-se uma falsa oposição entre homens e mulheres, como se o homem tivesse que provar ser homem afastando-se de qualquer caracterísitca tida como feminina. E lógico que isso afeta os gays, que não são considerados homens. Já cansei de ouvir pra pergunta "Quantos homens tem na sua área?" a resposta "Ah, homens mesmo são poucos...".
Então, assim como tenho dificuldade pra entender como uma mulher pode chamar outra de vadia (afinal, essa condenação da sexualidade feminina vai sobrar pra ela também), não consigo entender como tem gay que detesta mulheres. Não que eu conheça algum gay misógino pessoalmente. Meus amigos gays são uns amores e adoram mulher. Mas, infelizmente, a gente sabe que gay misógino existe. Peguei três depoimentos num post sobre maquiagem pra ilustrar essa percepção.

Foi a Verô que introduziu o assunto: "Chato é quando a maquiagem se torna uma obrigação. Mas acho que no fundo as mulheres usam maquiagem para elas mesmas. Tenho muitos amigos homens e héteros e eles sempre comentam que não percebem tanto a maquiagem e que não fazem questão que as mulheres usem. Por incrível que pareça a cobrança vem mais dos caras gays.
Estive numa festa no sábado e um rapaz gay veio me dizer que mulher que é mulher usa salto e maquiagem. Não é a primeira vez que escuto isso de gays. Eu não aguentei e dessa vez respondi, disse que ouvi isso sempre de homens que não sentem atração por mulheres.
A propósito, Lola, se eu puder humildemente te dar um sugestão de tema para o blog, o que acha de escrever sobre a misoginia dos gays? Eu sinto que há muita misoginia nesse meio, escuto muito mais comentários misóginos e machistas de gays do que de héteros, isso no ambiente onde eu vivo! A esmagadora maioria dos meus amigos héteros são super simpatizantes do feminismo, rapazes adoráveis.
Até pensei que fosse uma interpretação errada minha, mas já ouvi a mesma reclamação de várias amigas que militam no movimento LGBTT e comentam que a misoginia rola solta."

Cética respondeu: “Vêro, concordo plenamente, eu já escutei e li cada coisa vinda de homens gays, que não tenho vergonha de dizer, me tornei meio fria ao movimento lgbt. Antes, qualquer coisa que dissessem perto de mim contra os gays, eu me encrespava e partia pra briga. Hoje em dia fico na minha; a única causa que defendo com unhas e dentes é a feminina. Deixei até de participar de um forúm no orkut, e não fui a única mulher a fazer isso, pq volta e meia era um tal de 'rachas isso, rachas aquilo', 'isso é falta de homem', 'essa vadia'. Teve até um que comentou ter adorado nascer de cesária (pq assim vai passar pela vida sem nunca precisar ter sentido o cheiro do 'bacalhau'), quer dizer... 
Eu parei e me perguntei: quê que eu tô fazendo aqui, sendo esculacha por esses caras? No fundo, ou nem tão fundo assim, MUITOS deles são tão ou mais machistas que os homens heteros, o que é uma pena pra todos nós, pq a homofobia tem origem tmb no machismo (na ideia de que o homem passivo é inferior, pq está fazendo papel de mulherzinha). Queria ver as lésbicas mais atuantes do movimento se manifestando aqui pra dizer se tô tão longe da verdade assim. Taí a parada lésbica, acontencendo um dia antes da gay, pra comprovar isso."

Flávio: “Assino embaixo. É assustador o quanto o gay masculino é misógino. Vários amigos gays assumem que são misóginos e aí eu penso: 'Cara, como alguém que sofre desgraçadamente o preconceito de uma sociedade machista consegue ser misógino? Você não enxerga que aquele que oprime as mulheres oprime também os gays?'. É um cansaço. E é um clube do Bolinha rosa-choque: hetero não entra, lésbica não entra, mulher não entra! Não dá para ter uma discussão política, não dá para debater questões de gênero, não dá para argumentar -- estou generalizando e normalmente sou contra generalizações, mas é espantoso o quanto a misoginia se destaca no universo gay. E, normalmente, homens gays são cruéis em suas 'avaliações': experimente falar sobre lesbianismo perto deles e provavelmente irá receber a mesma enxurrada de estereótipos que heteros propagam.
Ah, e antes que alguém diga que sou anti-gay e caso não tenham percebido, sou bissexual e estou há 14 anos em uma relação estável com outro homem e partindo para o casamento. Aos 47 anos já amadureci bastante para saber separar joio de trigo em relação a comportamentos condicionados, e posso dizer sem susto que o gay masculino, majoritariamente, está condicionado a repetir e fortalecer esterótipos machistas.
Tenho amigos que vociferam sua liberdade de amar, vestir e agir, mas que censuram veementemente suas irmãs, primas ou amigas que ousem fazer a mesma coisa. Desculpem pelo comentário em tom generalizante, mas estou certo de que aqueles que convivem com gays terão histórias similares.”

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

DEVO ACUSAR UMA TENTATIVA DE ESTUPRO DE CINCO ANOS ATRÁS?

Recebi este email da M.P.:

Acompanho seu blog frequentemente, e me passou pela cabeça que você talvez possa me ajudar, sendo um olhar de fora da situação: 
Quando eu tinha 16 anos (hoje tenho 21) comecei a trabalhar em uma empresa. Era meu primeiro emprego, e eu de fato não fazia ideia de como o mundo empresarial funcionava... A empresa tinha uma filial sendo reformada no final da rua.
Um dia, meu chefe me chamou pra ir até a filial pra verificar algumas coisas da reforma, e disse que iríamos de carro pra pegarmos um malote numa rua próxima. Quando chegamos lá, verificamos todos os pontos da reforma, anotamos tudo. O prédio estava vazio. O estacionamento tinha alguns carros, e no galpão atrás do prédio, alguns funcionários. 
Quando fomos descer as escadas, ele que estava há uns dois degraus de mim, me agarrou pela cabeça. Segurou-a com força e tentou me beijar. Eu me debati tentando  fugir, e ele continuou tentando me agarrar de várias formas, ali, no meio de uma escada. Eu consegui dar um soco nele, que pra minha sorte, era baixo e magro. Saí correndo, e quando me dei conta já estava no meio da calçada, ligando pra minha mãe. Chorando, apavorada. Ela me sugeriu ir até o prédio sede, pegar minhas coisas (dinheiro, documentos) e ir voando pra casa. Quando entrei na sede, aos prantos, a tal moça que era secretária e ficava logo na entrada, tentou me acalmar perguntando o que tinha acontecido, e eu no meu desespero contei tudo.
Dias depois, ela havia contado pra muita gente, e a fofoca se espalhou. O gerente chamou meu abusador, e me colocou numa mesa, de frente pra ele, com muitas pessoas do setor na mesma sala, ouvindo tudo. Contei tudo o que houve, conforme me pediram, e o abusador disse NA MINHA CARA que tinha mulher em casa e que não precisava estuprar uma pirralha. O amigo dele (aquele que eu não conhecia antes da empresa) defendeu o chefe e disse ''eu não acredito nela. Ela não tem postura, por isso, se algo aconteceu, deve ter sido culpa dela. Ela deve ter provocado!''
Eu sentia meu rosto arder de raiva. Semanas depois, fui demitida. Nunca me disseram o motivo. E o abusador? Continuou trabalhando lá... E hoje eu entendo como o mundo empresarial funciona: se houve abuso, a culpa é da mulher! A culpa é da menina de 16 anos que gostava sim de sexo e não escondia isso de ninguém, mas que também nunca aceitou ser tocada sem autorização. Me invadiram o corpo, me humilharam, me demitiram. E isso é mais comum do que imaginamos. Muitas mulheres não contam ou denunciam abusos no trabalho por medo de demissão. Infelizmente isso acontece MUITO. Mas, Lola, já se passou tanto tempo... Na época eu não dei queixa na polícia porque meu pai me proibiu (um dos donos era amigo dele). Mas hoje, vale a pena denunciar, mesmo depois de alguns anos? O que fazer, se só sei o primeiro nome dele?

Minha resposta: Pela nova lei, como vc era menor de idade quando essa tentativa horrível de estupro aconteceu, vc ainda poderia processar seu agressor. A prescrição só começa a contar quando a vítima fizer 18 anos. Antes, começava quando o crime havia acontecido.
A pergunta é se vale a pena denunciar agora. 
Desculpe, eu digo (quase) sempre pras vítimas denunciarem, mas eu acho que não, não vale. Primeiro que o estupro -- graças a vc e a seu soco bem dado (parabéns!) -- não aconteceu. Segundo que, se já é difícil provar um estupro que acabou de acontecer (depende de exame de corpo de delito e testemunhas), imagina um que não aconteceu, cinco anos atrás... Seria a sua palavra contra a do agressor. Pelo que vc relatou, quem poderia testemunhar a seu favor seria a secretária pra quem vc contou o que aconteceu, assim que acabou de acontecer. 
Mas não sabemos se ela aceitaria depor, se ela se lembra detalhadamente do ocorrido (faz 5 anos), se vc ainda conseguiria encontrá-la. Mas o agressor, como ainda trabalha na empresa, certamente teria testemunhas a favor dele, contra vc. Por isso eu acho muito complicado vc tentar alguma coisa.
Vc foi prejudicada pela demissão? Talvez, não sei, vc pudesse processar a empresa (não o agressor em particular, mas a empresa) por acobertar o crime, ou a tentativa deste crime. Eu consultaria o sindicato, se fosse vc.
Mas, ainda assim, acho difícil. Aconteceu há tempo, e, graças a vc, não aconteceu. 
Desde então isso tudo tem te perseguido? Vc se consulta com psicóloga? Vc falou com seu pai sobre isso? Afinal, vc teria prestado queixa se não fosse ele.
Te desejo muito boa sorte, e me solidarizo com vc. É impressionante como sempre culpam a vítima!

Ela respondeu: Obrigadíssima pela força. Respondendo sua pergunta: sim, meu pai sabia de tudo na época, por isso me proibiu de dar queixa. Chocante, né? É, eu sei.
Não havia pensando nos pontos que você descreveu, fazem muito sentido agora: não vale a pena, mesmo.
De qualquer forma, isso ainda me magoa muito.  Fiz terapia durante um bom tempo, mas nunca contei isso pro meu analista. Tomo remédios psiquiátricos pq tenho ciclotimia, e quando penso nisso, pioro. Pensei na denúncia como uma forma de me acalmar nesse sentido...
Já sofri outras agressões desse tipo, como a maioria das mulheres... Mas essa em particular foi a que mais me feriu.
Minha resposta: Pois é, é triste, e boa parte das mulheres já passou por algo assim. E foi tratada exatamente da forma como vc foi tratada: como se fosse uma mentirosa, uma criminosa! Como se a vítima não tivesse sido vc, mas o estuprador! Por isso que a gente fala tanto em cultura de estupro: existe algum outro crime em que as vítimas sejam sistematicamente culpadas?
Mas pense assim, querida: vc escapou. Por mais que a lembrança te machuque (e é compreensível que te machuque e, se vc voltar a fazer terapia, vc TEM que falar sobre isso com sua analista), tente ver por um outro ângulo. Vc foi forte o suficiente pra dar um soco e se livrar do chefe criminoso que tentou te estuprar. Vc venceu. Muitas pessoas não têm a sua rapidez de reação e acabam de fato sendo estupradas. Com vc foi diferente.
Tente não pensar na tentativa de estupro que vc sofreu como um trauma na sua vida, mas como a vez em que vc foi tão forte que derrotou o canalha do seu agressor. E que isso te sirva de lição: vc derrotou um cara que te pegou de surpresa quando vc era menor de idade, um cara que que ainda por cima era adulto e seu chefe (em ambos os casos, em posição de poder). Acho que, depois dessa, vc consegue derrotar qualquer coisa na vida. Sinta-se invencível.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

GUEST POST: MEU MARIDO MASCU

Meta: ficar bombado pra poder desprezar mulheres que sempre os desprezaram

Fiquei assustada com este email da S., que descobriu estar casada com um mascu. Assim como todos os outros psicopatas (porque tenho que chamar a misoginia deles de psicopatia), mascus não vêm com um "mascu" escrito na testa. Se viessem, nenhuma mulher em sã consciência ficaria com um cara que acha que todas as mulheres são vadias, sem exceção, e que pensa que precisa domá-las e testá-las constantemente.
Aqui S. conta sua história. Fico na torcida para que ela consiga sair bem e rápido desta enrascada.

Meu nome é S., estou terminando minha pós e dou aulas em uma faculdade. Cinco anos atrás, conheci meu marido e estamos juntos há três. Meu marido é um mascu e nosso relacionamento nunca foi fácil, porém, cabe somente a mim julgar porque ainda estou nele (confesso que estou me esforçando para sair logo e definitivamente).
Durante muito tempo, eu tive dificuldade para entender o homem que foi meu namorado e hoje é meu esposo. Eu basicamente não entendia por que ele odiava tanto as mulheres, mas fazia questão de “ter” uma. Nosso namoro sempre foi conturbado e cheio de idas (eu terminava) e vindas (ele insistia, eu cedia e voltávamos).
Na tentativa de entendê-lo, pesquisei e, dois anos atrás, descobri o masculinismo em blogs (cheguei a esses blogs antes mesmo do blog da Lola, que só descobri ano passado). Quando descobri aqueles blogs, imediatamente identifiquei todas as referências sutis que meu marido fazia no dia a dia e todo o comportamento que ele apresentava. Vou mencionar aqui quatro características que meu marido possuía ou ainda possui e que, combinadas, são indícios da participação de alguém no masculinismo.
1.    Narcisismo
No período da faculdade, meu marido era o típico nerd desajeitado com as mulheres. Ele era bonito, mas tinha uma autoestima baixíssima e achava que as mulheres só se interessariam por ele se ele ficasse bombado e rico, então, começou a pegar pesado na academia. Passou a malhar pra ficar bonitão no conceito dele, mas não queria arranjar uma namorada, queria simplesmente ficar atraente para que as mulheres se aproximassem dele e ele tivesse o prazer de desprezá-las. Além disso, ele achava que não valia a pena ter uma namorada tão cedo porque o envolvimento afetivo e sexual tiraria a concentração dele nos estudos e no projeto de se tornar um homem rico aos 30 anos. Para aliviar a vontade de fazer sexo antes dos 30, só prostitutas, que não cobram “apego emocional” e não comprometem os planos de dominação mundial.
2.  A ideia de que a vida do homem começa aos 30
Masculinistas acham que o caminho para o desenvolvimento pessoal do homem é nunca se envolver emocionalmente com mulheres e só procurar por elas quando já for rico e puder manipulá-las, isso por volta da idade mágica dos 30 anos.
Eles não querem dinheiro apenas para pagar prostitutas de luxo. Eles querem ser poderosos e querem dominar as mulheres. Querem dinheiro para “comprar” as melhores esposas e para perseguir as mulheres que os desprezarem.
Para eles, na teoria, existe essa balela de evitar “mulher rodada”, mas, na prática, as melhores esposas, as que eles procuram mesmo, são as mulheres que eles conseguirão dominar com mais facilidade.
Eles escolhem mulheres com alguma vulnerabilidade, que morem longe de suas famílias, por exemplo, e as afastam de seus amigos para que eles, mascus, se tornem a única pessoa da vida delas. Preferem mulheres pobres e que não tenham como se manter com o próprio trabalho (para não fugirem deles). Eles isolam escravas sexuais dentro de casa e, na rua, procuram prostitutas. Meu marido sempre recorreu a prostitutas, mas, claro, não aceita a separação e já ameaçou me matar se eu o largar.
Por mais que eles falem que as mulheres são oportunistas e que o mundo é injusto porque durante toda a história da humanidade eles sempre trabalharam e elas ficaram confortáveis em casa, eles não querem que as mulheres trabalhem para compensar essa injustiça ou ganhem tanto quanto eles. Desvalorizam o emprego que a mulher tem fora de casa dizendo que ela perderia menos tempo se largasse o emprego e cuidasse só da casa. Claro, uma mulher sem salário precisa pedir dinheiro até pra comprar absorvente -- como vai se livrar de um homem desses?
Needless to say, um relacionamento com um mascu é difícil. Ele joga o tempo todo na cara da mulher que ela está ficando velha, que tem muita menininha nova procurando um homem para bancá-la e que, enquanto a mulher está decaindo, ele está subindo, pois o tempo passa e ele sobe na empresa, passa a ganhar mais... Aos 30, a vida do homem só começou. Essa estratégia de humilhação, aliás, é comum em todo relacionamento abusivo (não só com mascus).
Quando eles conseguem ser bem sucedidos financeiramente, acham que o mundo precisa se curvar diante deles e, se a mulher que ele decidiu que tem de ser dele não quiser ficar com ele, o terror começa. Comigo fui assim. Um homem decidiu que eu tinha que ser dele.
Eles começam com uma perseguição ingênua e manipuladora que, no começo, a mulher entende como “admiração”, mas, que, na verdade, é uma estratégia psicopática de mapeamento das atividades da “vítima” para manipulação, perseguição e submissão. Eles mandam flores para o trabalho. Dão presentes caros no primeiro encontro (se a mulher gostar, é piranha; se não aceitar, como assim? Tem que aceitar!). A mulher chega do trabalho e lá está ele na porta da casa dela. No meio tempo, ele tenta conquistar a confiança das pessoas que facilitarão seu encontro com a mulher, alguém que informe aonde ela vai, que promova encontros dos dois etc. Eles odeiam e tentam isolar a mulher de todas as pessoas que não gostem dele.
Se a mulher se recusar a sair e recusar os presentes, eles se tornam ainda mais insistentes. Eles não entendem não e inclusive gostam da resistência, acham que isso torna a conquista mais valiosa (daí vêm várias inferências para o prazer que eles têm no sexo forçado).
Se não conseguirem conquistar a mulher com gentilezas, ou seja, pelo “amor”, começam a apelar para a “dor”.
Ele já sabe os lugares que a mulher frequenta, já conhece seus horários, sabe seu telefone, seu endereço e tudo de que precisa para tirar o sossego dessa mulher. Vai ligar de madrugada, vai aparecer nas festas dos amigos, vai se tornar o melhor amigo do pai da moça, e um certo grupo de pessoas vai considerar que a mulher é burra por não valorizar um cara tão bom.
Estamos falando aqui de homens doentes. Homens que odeiam mulheres e têm várias perversões psíquicas. Eles se esforçam boa parte de suas vidas para ter dinheiro a ser empregado na humilhação de mulheres, então, pode-se dizer que, quando eles perseguem uma mulher, estão realizando um objetivo de vida. Qualquer pessoa normal usa seu dinheiro em outra coisa, vai viajar, estudar, se divertir, mas o homem mascu, não! O dinheiro dele, e a vida dele, servem para prejudicar mulheres. Portanto, eles não consideram perda de tempo estudar a vida de uma mulher para destruí-la pelo simples prazer de destruir! Acreditam que têm muito tempo para fazer isso, afinal, “a vida do homem começa aos 30”.
3.    O fascínio pela série Matrix
Boa parte das pessoas da minha idade assistiu à trilogia Matrix e, tá, a história é legal, mas não original. A filosofia tenta resolver esse dilema do real comprovado versus ilusão desde Sócrates e Platão, passando por Hume, Spinoza, Leibniz e todo o empiricismo/racionalismo europeu.
Basicamente, Matrix fala que existe uma realidade dentro de outra. Na realidade menor, estamos nós, trabalhando, lutando para chegar ao sucesso. Na realidade maior, a realidade “real”, estamos apenas sonhando que possuímos todas essas conquistas quando, na verdade, somos dominados por programas de computador que se mantêm às custas de nossa energia vital enquanto estamos adormecidos.
E o que isso tem a ver com nossas vidas, na opinião dos mascus?
Para os mascus, estamos adormecidos em uma realidade menor onde as minorias políticas (a Matrix) implantaram na mente das massas a ideia de que o homem branco heterossexual é o dominador mundial e destruidor da humanidade. Como esse homem é supostamente um vilão, todos os esforços sociais de boicotar seu domínio são considerados legítimos pelas massas.
Se você tiver a iluminação de entender que existe uma Matrix formada pelas minorias políticas que vivem se fazendo de vítimas (mulheres, gays, negros, judeus e todo mundo que já "fingiu" um genocídio), você entenderá que o homem branco heterossexual é poderoso, mas está adormecido e vem sendo humilhado com o fim de ser emasculado e destruído pela Matrix. A Matrix quer destruí-lo porque sabe de seu papel messiânico.
Tá, como se fala no final do filme, e se ele destruir a Matrix, vai fazer o quê? Vai ser outra Matrix?
Meu marido já teve tanto fascínio por Matrix que até a formação dele é em criptografia e algoritmos de busca, só que, é claro, nunca tivemos uma conversa sobre Matrix, Vingador do Futuro ou Exterminador do Futuro porque, pra ele, minha parca inteligência feminina não aguentaria. Ele prefere me levar pra ver Transformers.
4.    Antiproselitismo (masculinismo é meio sociedade secreta, você não tenta converter os outros abertamente e não fala que é masculinista)
Veja bem, a Matrix não pode saber que você sabe dela porque se não ela search and destroy, ok? Então, muito cuidado ao divulgar seus conhecimentos por aí. Nem todos podem ouvir a verdade, eles ficariam chocados e imediatamente se transformariam em agentes Smith. Cabe a você, Neo, a missão de destruir a Matrix.
Se alguém quiser conversar com você sobre por que você odeia as mulheres, saiba muito bem como se posicionar. Em primeiro lugar, negue que odeia as mulheres. “Mas por que eu odiaria as mulheres se elas são mais fracas do que eu?” Seja discreto, apenas mencione a injustiça histórica que é os homens sempre terem se esforçado tanto e as mulheres agora ficarem com essa besteira de querer trabalhar também. Olha, se trabalhar fosse mesmo bom, nós recomendaríamos isso para as mulheres (porque gostamos delas).
Em resumo, não divulgue a verdade da Matrix por aí porque você daria uma de burro e você é especial (mesmo que tenham havido tantos Neos antes de você).
Este depoimento foi um desabafo que tentei descontrair em alguns pontos. Meu marido é um mascu e eu só descobri isso depois de casada. Ainda estou com ele porque, como toda pessoa (homem ou mulher) em um relacionamento abusivo, fico adiando o momento da separação sob a desculpa de que agora não dá porque “arranjei um emprego nesta cidade”; agora não dá porque “estou terminando a pós e não posso me estressar com outras coisas”; agora não dá porque “temos muitas dívidas juntos” etc. Mas tem uma força em mim que diz que sairei desta a tempo.
Chegar a este blog da Lola me trouxe a sensação de amparo, e é de amparo que as pessoas (homens e mulheres) em relacionamentos abusivos precisam. Por muito tempo, as únicas pessoas com quem eu falava eram meu marido e as pessoas que apoiaram nossa união e me achavam burra por eu ter resistido tanto a um homem tão bom. Meus amigos, todos, se afastaram (isso é culpa minha também).
O masculinismo é uma realidade que não deixa de existir se a ignoramos. Descobrir esse pensamento de ódio me levou a compreender a forma como meu marido pensa, e agora esta descoberta me ajuda a elaborar uma estratégia de emancipação. Já sei que se trata de pessoas doentes e isso ajudou a aumentar minha autoestima; não penso mais que estou "decaindo" ou que sou péssima e ingrata. Já identifiquei meu perfil de codependente emocional e estou buscando ajuda. Quero apenas alertar que, em épocas de estresse, de fracasso profissional e de baixa autoestima, até uma feminista pode cair nas artimanhas de um masculinista ou ultramachista enrustido. Fica o alerta.