terça-feira, 8 de setembro de 2020

DEU NO NYT: BOLSONARO, UM SOLDADO TRANSFORMADO EM POLÍTICO, QUER DEVOLVER O BRASIL AO REGIME MILITAR

Dinossauro faz tempo: charge de Aroeira de 1993 publicada no Globo

Este é um texto de James Brooke de julho de 1993 do jornal mais influente do mundo, o New York Times, sobre Jair Bolsonaro. Pedi pro meu querido Vinícius Simões traduzi-lo, porque é importante ter este registro de que poucos falam: 

Aplicando à política a ousadia uma vez demonstrada enquanto paraquedista do Exército, o deputado Jair Bolsonaro se lançou em território desconhecido há algumas semanas [em 1993, quando Collor havia sido impeachado e o Brasil estava sendo governado por Itamar Franco, com FHC como ministro da Economia que no ano seguinte se elegeria presidente. Já Bolso foi eleito vereador do Rio em 1988 e deputado federal em 1990], quando subiu no púlpito da Câmara dos Deputados brasileira e pediu pelo fechamento do Congresso.  
Editorial de outubro de 2018 do NYT:
"A triste escolha do Brasil"
“Sou a favor de uma ditadura”, berrou em um discurso que sacudiu um país que deixou o regime militar apenas em 1985. “Nós nunca iremos resolver problemas nacionais sérios com essa democracia irresponsável.”
Conversando posteriormente em seu gabinete, um cubículo decorado com memorabilia militar e uma grande bandeira do Brasil, o magro deputado do Rio de Janeiro disse que estava preparado para a reação que se seguiria: o maior jornal do Rio, O Globo, exibiu charges de primeira página ridicularizando-o como um dinossauro de botas militares, e o presidente da Câmara, Inocêncio de Oliveira, exigiu que seu mandato fosse cassado pela Casa.
No final da década de 80, quando
ainda era vereador
Mas duas semanas depois algo ainda mais interessante aconteceu: em uma reviravolta o presidente da Câmara se reconciliou publicamente com Bolsonaro. Estudante da opinião pública, o líder congressista aparentemente andou lendo as colunas com cartas dos leitores aos jornais.
“Aonde quer que eu vá, as pessoas me abraçam e me tratam como um herói nacional”, afirmou Bolsonaro. “As pessoas na rua estão pedindo pelo retorno dos militares. Elas perguntam ‘quando vocês voltarão?’”
Ele diz que tem recebido centenas de telegramas e telefonemas de apoio [naquela época não existia internet], e disso ele tira uma lição que lhe é obviamente bem-vinda. “As pessoas veem a possibilidade da disciplina militar tirar o país da lama.”
Para deixar claro, os comandantes do alto escalão militar reiteraram sua lealdade ao presidente Itamar Franco, um civil, e a maioria dos colunistas nos jornais acredita que o Brasil manterá seu calendário político, que prevê eleições ano que vem para presidente, senadores, governadores e deputados.
Mas para muitos defensores da democracia brasileira, o fenômeno Bolsonaro representa um amarelo piscante -- um sinal de que as pessoas estão ficando impacientes com a incapacidade da democracia em conter a inflação e entregar um melhor estilo de vida, e um aviso que políticos da direita autoritária estão dispostos a tirar vantagem desse estado de espírito, e cultivá-lo.
O modelo Fujimori 
[Alberto Fujimori foi presidente do Peru entre 1990 e 2000. Em 92 ele deu um golpe de Estado com o apoio dos militares. Com a ajuda dos EUA, esterilizou 300 mil mulheres sem o consentimento delas, a maior parte indígenas e pobres. O ditador neoliberal foi preso em 2008 por corrupção e violação dos direitos humanos. Já tinha fugido para o Japão].
Manchete da semana passada:
Brasil em recessão
“Na época do regime militar, a economia cresceu 6% ao ano, você podia comprar um carro em 36 meses”, disse Bolsonaro durante a entrevista em seu gabinete. “Hoje, o país mal cresce 1% ao ano [em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, o PIB teve um crescimento de 1,1%. Agora teve queda de quase 10% no trimestre]. A inflação está intolerável.”
“Democracia de verdade é comida na mesa, a capacidade de planejar sua vida, a capacidade de andar na rua sem ser assaltado”, continua. De fato, uma recente pesquisa de opinião em Recife, uma das cidades litorâneas mais pobres do Brasil, reportou que 70% dos entrevistados pensam que comida é mais importante que democracia.
Bolsonaro, que se formou em escola militar em 1973 (no meio do último regime militar) tem 38 anos, um deputado em seu primeiro mandato com um pedaço de cabelo rebelde que lhe cai sobre a testa. Em certo sentido, ele é apenas a encarnação mais recente da extensa tentação autoritária brasileira; no último século [século 20], o Brasil viveu sob as normas de uma democracia formal por apenas 25 anos. Mas há uma nova reviravolta. Atualmente, um novo e menos detestável modelo para o autoritarismo latino-americano tem emergido no presidente do Peru, Alberto K. Fujimori.
Ao se deparar com um impasse legislativo ano passado, Fujimori, um civil, determinou que o Exército peruano fechasse o Congresso e as Cortes do país. Um ano depois, Fujimori governa com um complacente Congresso de uma Câmara.
“Eu simpatizo com Fujimori”, continuou o deputado brasileiro. “Fujimorização é a saída para o Brasil. Estou fazendo esses alertas porque a população é a favor da cirurgia.”
A cirurgia política, Bolsonaro continuou, envolveria fechar o Congresso por um período de tempo definido e permitir ao presidente brasileiro governar por decreto.
A justificativa para tamanho rompimento institucional, disse ele, seria a “corrupção política” e a inflação brasileira, que agora está em 30% ao mês.
Com impasses frequentes no Congresso, em batalhas entre seus 22 partidos, a imprensa brasileira tem demonstrado uma fascinação crescente com o modelo Fujimori. No último mês, jornais impressos, revistas e jornais televisivos brasileiros têm conduzido longas entrevistas com o líder peruano.  
“Fujimori botou 400 mil funcionários públicos na rua”, afirma Bolsonaro. “Como nós podemos fazer isso aqui?”
Golpe no Peru em 1992. Fujimori
assumiu o golpe em 2017, 25 anos
depois (Temer assumiu antes)
Quando mantiveram o poder nas décadas de 1960 e 1970, os militares brasileiros expandiram vastamente o setor estatal do país, implantando um amontoado de empresas e companhias conduzidas pelo Estado. Hoje, disse Bolsonaro, os líderes das Forças Armadas preferem trazer o Estado de volta ao básico: defesa, educação e saúde.
“Eu voto a favor de todo projeto de privatização que eu posso”, disse. “É a esquerda que se opõe à privatização. Eles só querem preservar seus empregos governamentais.”
A Campanha Eleitoral
Seu método de campanha não se limita ao Congresso. Ele também se desloca de cidade militar para cidade militar, levando sua receita de mudança autoritária a públicos compostos ostensivamente por militares reservistas e aposentados.    
“Eu só viajo para cidades militares”, disse. “Nós não estamos conspirando, porque não há oficiais da ativa presentes.”
Defensores da democracia suspeitam que há algo mais sinistro ocorrendo fora da vista do público. Tais viagens são anunciadas como simples esforços para lançar a candidatura de um bloco de militares da reserva candidatos em 12 estados nas eleições legislativas do próximo ano. Todos os candidatos concorreriam em estados controlados pelo partido de Bolsonaro, o Partido Progressista Reformador.  
Na entrevista, Bolsonaro previu que a opinião pública apoiaria esmagadoramente a suspensão do Congresso. Nesse momento, isso talvez seja apenas um desejo -- poucos acreditam que o país está perto de um consenso a favor do regime militar -- mas reflete um fato básico da vida política: qualquer restauração do regime militar só seria possível com sólido apoio civil. Isso porque as Forças Armadas brasileiras possuem 300 mil membros, número insuficiente para controlar uma nação continental de 150 milhões de habitantes apenas pela força.
Até agora, o presidente Itamar Franco descartou categoricamente qualquer ambição em ser o Fujimori brasileiro, e se refere a campanhas como as de Bolsonaro como golpes de Estado incipientes.
Mais recente
Não obstante, Bolsonaro pode se empolgar com as notícias sobre encontros em portas fechadas entre empresários paulistas e oficiais da ativa do Exército, e a publicação de outdoors em uma favela do Rio de Janeiro protestando contra o alto índice de sequestros na cidade e terminando com o contundente apelo: “Forças Armadas, assumam o controle”.
Em outras palavras, esteja ele certo ou não, Bolsonaro acredita que o tempo agora está ao seu lado. Ele está convencido de que até outubro os brasileiros estarão enfrentando a falência dos esforços anti-inflacionários de Fernando Henrique Cardoso, o quarto Ministro da Fazenda do Brasil em um ano.
Enquanto isso, disse ele, “Estou preparando o terreno”.

Um comentário:

avasconsil disse...

Pois é, desde 1993 já havia sinais de aonde Bozo e nós iríamos chegar. Não sei de onde Gilberto Freyre tirou aquilo de brasileiro como homem cordial. Se bem que com ele, homem, branco, intelectual e de classe alta, a maioria devia ser cordial mesmo. Ele generalizou o lugar de fala dele. Se tivesse ouvido vários tipos diferentes de pessoas, ele teria largado pra lá essa bobagem de cordialidade. Agora com o auxílio emergencial, Bozo aprendeu que com dinheiro ele compra também apoio popular. Com cargos e mais dinheiro ainda, compra o centrão. Com trilhões, compra bancos, mercado financeiro e empresários. Enfim, Bozo aprendeu que no Brasil a quantidade de gente disposta a se vender é enorme. Se ele estiver disposto a pagar o preço que cada agrupamento exige, adeus democracia. Teremos um Putin, com o agravante de que ele tem pimpolhos pra dar continuidade à dinastia. Credo,só pensar na possibilidade já é um pesadelo.