Um leitor me recomendou este texto da professora Elaine Tavares, do blog Palavras Insurgentes. Reproduzo aqui, apesar de discordar de algumas coisas (sou a favor da taxação de grandes fortunas, por exemplo):
O Brasil já está em 120 mil mortos pela Covid 19 e segue tendo mais de mil mortes por dia, mas esse número já não causa mais nenhuma comoção. As pessoas perderam o interesse no drama da Covid. Já não é mais a sensação da hora.
O desconhecido cantor Kauan, que sabe-se lá porque ocupou as telinhas por semanas, saiu do hospital curado e parece que isso inaugura uma nova fase. Na televisão vai escasseando o tema e a vida assume a mesma “normalidade” de sempre. Não existe nenhum novo normal. É tudo como dantes no quartel de Abrantes. Nas redes sociais cresce a discussão sobre as eleições e as gentes vão se preparando para mais essa “festa da democracia” que é oferecida de dois em dois anos, sob o comando do poder financeiro. Ou seja: ganha quem tem maior poder de compra. Compra mesmo, real.
No campo da política o mesmo roteiro de toma-lá-dá-cá vai se fortalecendo no Congresso Nacional, casa do povo onde o povo não entra e onde os deputados sentam em cima dos pedidos de impedimento do presidente porque, afinal, “ele não está fazendo nada de errado”.
Não há ministro da Saúde, não há combate à pandemia, mas há anúncios de novos programas sociais que irão amortecer a pobreza. Muda o nome, mudam os logotipos, mas a política é a mesma. Digestão moral da fome, como diria Nildo Ouriques.
No campo da moral as redes se enchem de memes sobre o assassinato do marido de uma pastora pentecostal, aliada do presidente. O marido saiu desse plano justamente porque a pastora contratou os assassinos. Foi a mandante e chorou como uma carpideira no enterro. Fotos da assassina com o presidente, com os filhos do presidente, com a mulher do presidente são publicadas à exaustão, mas isso, na verdade, não diz nada para os seguidores do mandatário. Afinal, tirar fotos com alguém não é crime. Assim, a ligação da assassina com o presidente não se faz. E é óbvio.
A mídia comercial, que é aliada da política de Bolsonaro para o Brasil, tampouco faz questão de ligar lé com cré. Nada parece turvar as águas do governo, que segue popular nas pesquisas.
E enquanto isso vão rolando no legislativo nacional algumas propostas de Reforma Tributária que igualmente são ignoradas pela mídia, e que acabam não chegando na maioria da população, justamente os que vão sofrer a política. Propostas de manutenção da tributação já existente, hegemonia do empresariado nas propostas e a esquerda liberal discutindo a possibilidade de taxar as grandes fortunas.
Conforme muito bem explica o advogado e doutor em direito tributário, Marcos Palmeira, taxar as grandes fortunas não muda em nada o estado das coisas, pois continua se admitindo que haja a concentração da riqueza. Ele lembra o exemplo da Argentina, que tem um percentual -- baixíssimo -- de taxação sobre as grandes fortunas e que isso não altera o processo de distribuição dos recursos. Os pobres continuam pobres e os ricos mais ricos. A taxação não faz nem cosquinha no abismo que existe entre as classes.
Falta definitivamente um debate sério sobre o país, uma crítica radical e uma proposta plausível para a transformação. O professor Nildo Ouriques insiste que só uma revolução brasileira pode mudar os rumos do país e ele está certo. Não há como humanizar o capitalismo já que é da natureza desse modo de produção ser assim: para que um viva, outro tem de morrer. Para que um homem como o dono da Amazon tenha sua fortuna aumentada em bilhões, mesmo numa pandemia, é preciso que uma gigantesca massa de gente esteja na penúria, fugindo das guerras, arriscando-se no mar ou morrendo de fome no cotidiano das grandes cidades.
O Brasil de hoje é o gigante adormecido, entregue às mãos da mesma velha elite que domina essa capitania desde os tempos da invasão. Há reações, pequenas e pontuais, dos trabalhadores. Mas, essa é uma ação que precisa crescer e se espalhar. Nada virá de bom do Congresso Nacional e muito menos as ações isoladas do STF farão diferença no andar dessa carruagem capenga.
A prisão dos agora inimigos de Bolsonaro não fortalece a esquerda, pelo contrário, ela serve para afirmar junto a claque que o atual governo não tolera a corrupção, embora seja fruto da barganha cotidiana que se dá no judiciário e no legislativo nacional. É um competente jogo de cena.
Só a luta renhida da classe trabalhadora muda o mundo. Nada mais.
5 comentários:
De boa, mas larguei mão da esquerda igual a Jair me arrependi, são todos uns políticos lerdos, sem noção de propaganda, que NÃO conhecem as necessidades do povo. O jair Bolsonaro está há quase uma semana falando que vai CORTAR PELA METADE o auxílio emergencial e a esquerda ignora, os tuítes (sim, eu pesquisei o da maioria, o dos deputados federais mais importantes) dos deputados federais da esquerda são sobre PIB em queda, sobre Jacob Blake (cuja situação é horrível, mas que não influencia o pobre aqui no Brasil), sobre Micheque, cara, tudo isso não uda a vida do pobre. No consultório do oftalmologista, quando passou a reportagem do corte no auxílio, TODO MUNDO exclamou: "300 não dá pra nada! "Isso tá quase virando um "furou pneu do carro? A culpa é do Bolsonaro." Como foi com a Dilma. Só que a esquerda não tem um foco, e quando tenta, acerta o foco errado. Nessa semana de decisões sobre o corte no auxílio, só Lindberg farias postou um tuíte, UM tuíte (!) sobre isso. E aquele deputado que surfou na onda dos caminhoneiros conseguiu subir hashtag sobre o auxílio, porque é isso o que influencia o dia a dia do brasileiro.
Lola, uma boa notícia é que aparentemente os criminosos do Dogolachan não estão mais conseguindo manter o controle da sua gangue, tentaram abrir um site novo mas não durou nem um mês. Ainda tenho esperanças de ver todos aqueles criminosos atrás das grades pagando por seus delitos.
Claro, seus donos tiram boa parte dos seus bilhões desses mercados. Por isso essa mídia é a porta-voz deles. Além de ganharem rios de dinheiro do orçamento público, na forma de tributos que sonegam e de benefícios fiscais, e dos juros da dívida pública. Acho que mais adiante nos unirenos. Seremos obrigados a isso pela coletivização da penúria. Do mesmo jeito que o Brasil não aprendeu com os países por onde a Covid começou a passar primeiro, como a Itália, também não aprendeu com os países vizinhos onde aconteceram e ainda estão acontecendo convulsões sociais por reformas aliviadores dos anos de arrocho. Quando leio sobre as PECs e os projetos de lei que estão tramitando no Congresso Nacional, a palavra que me vem primeiro à cabeça é arrocho. Quanto arrocho... Quando os bolsos de muita gente estiverem bem vazios, e estamos caminhando pra isso, vai ficar mais fácil passarmos por cima de todos os preconceitos que nos desunem hoje. Infelizmente, por causa da nossa desunião de agora, iremos nos unir amanhã de um jeito meio ruim. Na forma de convulsões e confusões, por causa do abissal empobrecimento coletivo que virá dentro de alguns anos. É só olhar pra as notícias sobre a "agenda de reformas" pra perceber que é o que nos aguarda num porvir não muito distante. Ah, também sou a favor da criação do imposto sobre as grandes fortunas. A Constituição diz que ele deve ser criado. Isso deveria ser suficiente para ele sair do papel, não é? Não resolveria todos os problemas. Mas seria moralizador. E as alíquotas que os auditores fiscais propõem são tão pequenas, acho que a maior seria 3% (bem menores do que as do imposto de renda). Parece pouco, mas estamos falando de grandes fortunas, bases de cálculo imensas. Renderia alguma coisa aos cofres públicos. Além da criação desse imposto, os auditores fiscais propõem mais 13 medidas a recair sobre os muito ricos. Ninguém fala disso na Globo News. No Uol só li a respeito do assunto um texto do Leonardo Sakamato: https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2020/03/23/coronavirus-taxar-super-rico-trara-r-272-bi-contra-crise-dizem-entidades.htm .
Também acho que só a união de quem precisa trabalhar para sobreviver seria ouvida pelo legislativo, executivo e judiciário. Mas essa união é tão difícil de ser conseguida. Somos um país tão grande e tão heterogêneo. A dimensão e a heterogeneidade são tantas que somos e ao mesmo tempo não somos vários adjetivos. Somos lindos e horrendos ao mesmo tempo. E são tantos os preconceitos... Preconceito de cor, de classe, de região, de gênero, de orientação sexual, de escolaridade... Enquanto estamos desunidos, os muito ricos, apesar de concentrarem muita riqueza (Eliane Brum disse num texto recente que, mundialmente, os muito ricos são 0,00004% da população mundial, umas 2.150 e poucas pessoas. Entretanto, segundo David Harvey, essas poucas pessoas concentram dinheiro pra acabar com a fome do mundo 07 vezes. E, como disse a maravilhosa Rita Von Hunty, a drag intectual que usa o corpo de Guilherme Terreri pra ganhar vida, esses ricaços preferem investir na construção de uma estação em marte, a acabar com a fome no planeta. Porque eles sabem que o futuro da/na Terra é ruim, e eles sonham com um condomínio de luxo longe daqui, como já vimos na ficção distópica), talvez por serem pouquíssimos, estão unidos e organizados. Sabem o que querem e têm dinheiro pra comprar apoio no legislativo, executivo e judiciário. Isso quando não estão lá dentro diretamente. Só nossa difícil e improvável união poderia se contrapor à fortuna deles. O mercado financeiro está dentro do governo, Paulo Guedes & Cia. Ltda. O governo, por Paulo Guedes, pouco se importa com a parte produtiva do capitalismo - indústria, comércio, serviços. Aquela que precisa da melhoria da renda e da diminuição da desigualdade para prosperar, pois é dinamizada pelo aumento do consumo. Tudo o que o governo propõe e aprova é para o bem e para a conveniência do capital financeiro. As bolsas, os bancos... Dinheiro fazendo dinheiro, sem gerar empregos e renda pra quem trabalha. Dinheiro abstrato. Não existe de verdade (não tem dólar real pra tanto cifrão de computador). Eles aprovam o que querem, e o que eles vêm aprovando é transferência de renda dos nossos bolsos, e do setor produtivo, para o mercado de capitais. Os famosos mercados. Globo, Folha, Estadão etc. só falam neles.
A classe trabalhadora é sem dúvida a mais conservadora do país. Certamente bem mais que a elite, que se importa pouco com ideologia, basta que o governo assegure os lucros.
Postar um comentário