quinta-feira, 27 de junho de 2019

GUEST POST: SOBRE UMA MULHER QUE JOGA

Publico aqui o excelente texto de uma jornalista e gamer sobre um caso que vem bombando nos últimos dias. Por motivos óbvios (nerdice misógina), a autora prefere manter-se anônima. Vamos lá!

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Nos últimos dias o assunto do Twitter tem sido mais um episódio de ataque às mulheres: a situação a qual foi submetida uma streamer chamada Gabi Cattuzo. A influencer gamer respondeu a um seguidor que comentou a sua foto dizendo “pode montar em mim a vontade”. A resposta dela irritou muitos homens que se sentiram pessoalmente ofendidos com a sentença “é por isso que homem é lixo”. 
A situação atraiu holofotes para a comunidade gamer que se mostrou mais uma vez misógina e recheada de incels [celibatários involuntários, os populares "virjões"]. Digo isso porque não tardou para que Gabi logo recebesse uma enxurrada de mensagens “mas nem todo homem” promovendo linchamento virtual, e se tornasse alvo dos fóruns e chans que diariamente ameaçam mulheres -- principalmente as feministas -- e outras minorias. 
Ridícula nota da marca Razer
A influencer já abandonou as redes sociais temendo sofrer mais intimidação, já que, como publicou em um dos seus últimos tweets, tanto ela quanto a família estavam recebendo ameaças.    
Como se fosse possível piorar a situação, a marca Razer, que patrocinava a profissional, pressionada pelo público, soltou uma nota onde anuncia a quebra de contrato com Gabi e ainda diz que não compactua com nenhum tipo de discriminação. Adendo: é esta mesma empresa que faz campanha para vender periféricos em cor de rosa às mulheres gamers e, com isso, diz que apoia o movimento. 
A marca usa o argumento de que o público gamer sempre sofreu preconceitos, por isso luta para acabar com esse tipo de situação. Ou seja, se o teor considerado ofensivo for uma arma de defesa da mulher contra o patriarcado que TODOS OS DIAS nos causa agressões, não pode porque é intolerância. Mas se forem insultos a ponto de causarem linchamento virtual por parte de homens direcionados às mulheres, aí pode porque esses homens são ~gamers~ e sempre sofreram preconceito. Tadinhos!
A generalização no tweet de Gabi foi o suficiente para atrair e revolta de toda uma comunidade masculina, e ela mesma disse -- em um comentário posterior -- que foi grosseira, que se arrepende de ter generalizado, e desculpou-se pela forma como falou. Mas não foi o suficiente, era necessário mostrar muito mais poder para restabelecer a ordem no mundo dos machinhos. 
A ideia de que a comunidade gamer é injustiçada rodeia o imaginário do jogador desde que o geek e o nerd deixaram de ser uma cultura estranha e passaram a ser pop. Mas o ódio às mulheres neste meio se reflete, assim como em todos os outros ambientes sociais dominados pelo patriarcado. 
Nós mulheres somos vistas como intrusas no clube do bolinha, como ingratas que muitas vezes rejeitamos os nerds, os abandonamos na friendzone, e preferimos o cara popular. Por isso não somos bem recebidas nesse espaço dominado por homens amargurados.
O curioso é que o oposto também acontece. Quando não ouvimos que nosso lugar é na cozinha e que os únicos botões que sabemos apertar são os do fogão, ouvimos assédio e sexualização. A reação do homem dificilmente é natural quando há uma mulher na partida,  seja ela identificada por voz, pelo nickname ou -- pasmem -- por jogar mal, o que já é associado ao comportamento feminino, assim como dirigir mal. 
Digo nós porque sim, sou uma mulher gamer. Nem me lembro qual a primeira memória com os jogos, eles estão na minha vida desde sempre. Hoje, aos 25 anos, continuo ativa e até poucos meses atrás, escondida sob nicknames masculinos. Não me envergonho em dizer que o medo de me identificarem mulher nesses espaços era maior do que o orgulho que sinto de ser uma feminista que defende o seu gênero. 
A experiência de jogos online para mulheres é traumatizante a ponto delas criarem grupos femininos exclusivos com verificação para comprovar acesso. Há três anos, quando terminei a graduação em jornalismo, escolhi este assunto como pesquisa para a minha monografia. Queria entender o que fazia os homens acharem que o universo gamer era um espaço deles.
Durante muito tempo foi negado às mulheres a oportunidade de frequentar espaços de debate acadêmico, de estudar, de debater. As tecnologias digitais e de comunicação, sempre impulsionadas pelas guerras, também eram ambientes masculinos. A nós foi negado o direito de ter protagonismo no desenvolvimento tecnológico, de produzir o saber acadêmico e filosófico (e mesmo assim resistimos quando descobrimos mulheres com importância histórica que foram apagadas). 
Busquei outras mulheres que assim como eu queriam diversão e entretenimento no mundo dos jogos, mas recebiam xingamentos e insultos -- depósito de porra e merdalher são os mais comuns. Foi uma época difícil em que eu me fragilizei por estar exposta a tantos casos de ódio às mulheres. E esse episódio com a Gabi me fez reviver tudo isso. 
Por mais que você seja ou não uma mulher gamer é impossível que não tenha sentido empatia com tudo a que Gabi foi submetida. Mas o pior é que não foi um caso isolado, esta é a realidade das mulheres que todos os dias logam em qualquer jogo online. Meu afeto a todas vocês. Resistimos e resistiremos! #SouMulherSouGamer

20 comentários:

mh disse...

Sou mulher e jogo. Posso contar algumas poucas e boas pelas quais já passei.

Há sim o hábito de ocultar o fato de ser mulher sob um nickname masculino ou neutro. Atualmente o meu é neutro e, quando jogo com alguém com quem nunca joguei, o guri já entra me chamando de bro, cara, mano o que em si não é nenhuma ofensa. Raramente faço questão, nesse momento de dizer "mana". Quando se trata de uma disputa, um duelo ou coisa assim, se ganho, recebo adjetivos misóginos e homofóbicos, tipo... o clássico viado. Se estou com paciência, digo que não sou viado nem posso ser, porque sou mulher. Aí, o caldo entorna. Puta, vadia, tá jogando em vez de cuidar dos filhos, etc.

Também digo que isso não é genérico, mas é comum. Já fui muito xingada de muita coisa... puto, puta, viado, sapatão, idiota, babaca, e todo o resto do dicionário.
Sempre? Não. Algumas vezes, sim. O suficiente para me fixar em nicknames masculinos ou neutros como um primeiro escudo invisível contra mais de 50% das ofensas que já sofri.

Geralmente só passo ao contato de voz depois de já ter jogado um tanto com a pessoa e já ter revelado o fato de ser mulher e não ter causado nenhuma reação negativa. Mais ou menos como os "amigos" das redes sociais (facebook e outros) posso adicionar o jogador como amigo.

Todavia, isso não é suficiente. Certa feita, jogando com uma garota e um garoto com quem já jogava a tempos, o rapaz - que se dizia evangélico, pode até ser que seja mesmo - passou a nos assediar. Isso causava um tanto de constrangimento a nós duas e comentávamos isso em comunicação privada. Um belo dia, o rapaz resolveu falar de seus atributos, como fazem os michês na esquina. Simplesmente começou a falar do seu pênis, dizendo o tamanho e perguntando o que achávamos. A primeira resposta foi "inconveniente", "informação não solicitada" ou coisas assim, afinal já conhecíamos virtualmente o garoto, mantínhamos conversas extra-jogo e tínhamos um grupo de conversa no falecido msn. Ele fez algumas outras tentativas de entrar em assuntos de cunho sexual, nítido assédio. Passamos a evitá-lo e um belo dia ele parou de jogar, dizendo que estava frequentando mais a igreja e que estava convencido que games eram coisa do demônio.

Ficamos muito aliviadas e seguimos jogando.

Com alguns dos garotos com quem jogava naquela época sigo jogando até hoje. Alguns já conheci ao vivo, tanto a eles como às suas famílias. Tornou-se amizade de fato. Infelizmente até hoje alguns não acreditam que aquele outro migo de jogo fez o que fez.
Desse episódio saiu a decisão de gerar um nickname neutro e pronto.
Jogo com muitos homens e umas poucas mulheres. Não é opção. Geralmente há poucas mulheres online.
Os homens com quem jogo, são em sua maioria, uns bons machistas. Bons porque se limitam a uma ou outra piadinha infeliz, ao que trato de cortar antes que proliferem. Os que chegam mais pesado, com ofensas eu já excluo da minha lista de amigos e não faço mais jogos com eles.
O ambiente é sim misógino, machista, etc. É hostil a mulheres. Agora, notem bem, não sou profissional como essa moça Gabi. Jogar é meu lazer. Provavelmente eu explodiria como ela explodiu se eu fosse uma gamer profissional. Muito provavelmente explodiria, pois é o que já aconteceu em meu ambiente de trabalho quando ofensas e atitudes ultrapassaram a linha de tolerância.

Tô com a Gabi, com a autora do guest post e com muitas outras mulheres que jogam.
Como em todas as esferas da vida, é uma batalha cotidiana para que as mulheres cavem o seu espaço. Por que será que respeito custa tanto a aluguns "homens lixo"? Será trauma de terem sido desmamados muito cedo?

Abraço e avante. Que sigamos jogando!!!

Anônimo disse...

a) Nao sou adepta a jogos mas como nada foi facil para as mulheres vamos ter nosso espaço nos jogos como foi em todas as areas mas nao vai ser facil

b) O seu canal esta muito legal eu te sugiro ter uma pagina no facebook vc poderia colocar seus videos na pagina teria mais visibilidade

Anônimo disse...

a) Lola vc viu a deputada federal Taliria Psol esta recebendo ameaças vc poderia falar no assunto no blog ou no canal

Anônimo disse...

"eu tô montada no chat" @gabicattuzo e posta uma foto montando no touro mecânico
"Pode montar em mim a vontade:)" @Rhaegar

Esse foi o início de toda a treta.

Ela chama as pessoas do chat touro (gado/bovino), o outro aceita ser chamado de touro (gado/bovino) e retruca a piada.

Uma piada com cunho ofensivo leva uma outra piada de cunho machista como resposta. Qual o pior?

Não sei.







Anônimo disse...

a) Lola gostaria de sugerir um post ou um video sobre a lei absurda que o vereador Fernando Holiday quer fazer de internar em clinicas psiquiatricas mulheres com tendencia a abortar

titia disse...

"Homem é lixo!"

Dois segundos depois eles vem e provam que é verdade...

Aí quando a gente percebe e corre pra longe, ficam putinhos.

São uns lixos mesmos e deveriam ser trancados numa jaula.

Anônimo disse...

Esse negócio de "ameaça" é uma modinha lacracão. Tudo o que vc diz e que a outra pessoa não concorda vira "ameaça". Alguns twitters que simplesmente foram contra os pensamentos da Lola foram classificados como "ameaça", coisa que não tinha nada a ver. Ilustrando Ameaça: ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave. A ameaça deve ser crível, grave e pode se voltar contra a vítima, terceiros ou objetos. Portanto, vamos parar de classificar como "ameaça" a opinião de quem simplesmente não concorda com vc ok?

Anônimo disse...

Essa é uma brincadeira que a Gabi faz há tempos pq já foi muito chifrada em relacionamentos, então ela brinca dizendo que o pessoal do chat é corno também, ou seja, é traído também.
Ela os chama carinhosamente de "uniCornos"

Lola Aronovich disse...

Anon das 9:15, gostaria que vc me apontasse que ameaças que eu coloquei aqui e no meu Twitter contra mim não são ameaças, mas "simplesmente foram contra os pensamentos da Lola". Tô esperando, ok? Sério mesmo. Use os meus posts sobre mascus e qualquer ameaça q eu divulguei no Twitter e me mostre que eram apenas "discordâncias de pensamento", não ameaças de morte, estupro, desmembramento, tortura, etc. Ameaças contra mim, meu marido, minha mãe. Use o tempo de sobra q vc tem e faça essa pesquisa.

Anônimo disse...

Obg Lola, jornalista gamer e todas as mulheres gamers. Obrigada por falar nisso.

Anônimo disse...

só uma correção no texto postado

A Razer não quebrou contrato algum, inclusive deixaram bem claro que o contrato dela estava terminando, e que não seria renovado.

Quebrar contrato e não renovar são coisas bem diferentes, mas pra causar impacto na fake news o pessoal dá aquela mexidinha aqui e ali né!

Anônimo disse...

Lola, respondendo (10:53) e exemplificando, cf solicitado: Em seu twitter, em 11/11/18, vc disse:
"Ameaça cristã" deixada agora no blog. Defender direitos das mulheres e de outros grupos historicamente oprimidos irrita tanto esses "homens de bem", não? (link: https://goo.gl/EjoN6D) goo.gl/EjoN6D
Pelo que li e compreendi, a pessoa em questão disse que faz orações para que alguém faça algo de ruim pra vc. Ela não te ameaçou diretamente, apenas disse que reza para que algum outro tenha a iniciativa. Como "rezar" pra que o Bolsonaro tivesse câncer e moresse logo que assumisse (algo que li várias vezes em seu twitter, dito por outros comentaristas), e nem por isso foi classificado como uma ameaça ao Presidente. Esses dois casos são só exemplos de como vcs consideram "ameaça" o que não é uma ameaça, por não se enquadrar no tipo penal.

Lola Aronovich disse...

Que dois casos? Vc só deixou um link, e é um link pra um post. Cadê o link pro tuíte? Que eu me lembre, essa ameaça era um calhamaço, e eu só destaquei um pedaço. O cara diz que reza com todas as forças todos os dias para que eu e meus familiares sejamos mortos violentamente. Pra vc, isso não é uma ameaça, apenas "discordância de pensamento".

Anônimo disse...

Lola, fale das incels também. Com certeza é mais difícil, para a mulher, arrumar alguém para transar.

Tudo para o homem é mais fácil.

Anônimo disse...

A Razer é hipócrita.
Já houveram casos de gamers homens que faziam parceria com a Razer e diziam "comentários" racistas, homofóbicos e machistas em Stream e não fizeram NADA a respeito. Maaaas, como se trata de uma mulher e o público é masculino em sua maioria...
A corda arrebenta pro "lado mais fraco"
Com isso, a Razer só estimulou mais misogenia e o machismo que é bem grande no mundo dos games.

Anônimo disse...

Querida anon 23:52: "Houveram" não existe na língua portuguesa ok? Bjs

Anônimo disse...

Anônimo 11:33
Obrigada pelo toque.
Eu não sou brasileira, mas aprendi muito em 4 anos.
Estou muito acostumada a ouvir pessoas dizendo "houveram".

Anônimo disse...

**Anônimo 23:52
Confundi com o horário que marcava no relógio do meu celular no momento em que digitei o comentário anterior rsrs

Anônimo disse...

Homens são mimados demais pra perceberem que "homem é lixo" significa a representação, a instituição homem, o que é atribuído ao gênero e o número alarmante de homens que fazem jus a esse modelo de comportamento. Não é uma atribuição individual.
E sobre essa palhaçada de homem bonzinho pq não bebe, não fica com um monte e não vai pra balada, é só pq os anjinhos não tem oportunidade de serem canhalhas, seja pela timidez, feiúra (apesar de que isso nunca impediu ninguém) ou gostos muito peculiares. O nerd é o cafajeste sem atitude.

Dan

Éder disse...

A Gabi generalizando todos os homens não é nenhum pouco diferente do Datena generalizando todos os ateus . Só digo isso