sexta-feira, 24 de julho de 2015

GUEST POST: DE MENDIGO A SOLDADO

O A. me enviou seu relato (depois de publicado o post, um comentarista avisou que o post é trollagem inspirada na vida de Hitler antes dos 30 anos; a trollagem foi bem feita e não costumo deletar posts):

Acompanho seu blog faz algum tempo, e te admiro muito pelo seu trabalho dentro do feminismo. Eu sinto uma profunda simpatia pela causa feminista. Gostaria de relatar uma faceta do machismo que é despercebida pelas pessoas. Tenho sofrido um bocado por isto, mesmo tendo nascido homem.
Desde de que me entendo por gente, sempre gostei de pintar. Amo pintar paisagens,  como fazendas,  prédios, e cidades. Queria virar pintor, mas meu pai me dizia que isto “era coisa de menina”. Colocou-me em uma escola técnica, pois isso sim era “serviço de homem”. Ele esperava que me tornasse um funcionário público, assim como ele foi.
Meu pai sempre foi um machista ridículo que humilhava minha mãe, a mim e meu irmão. Tratava  todos como capacho, e era um deus nos acuda nos dias que estava de mau humor ou bêbado (ou às vezes, os dois). Minha vida em casa foi uma luta diária, onde meu pai era o inimigo de toda a família.  Meu irmão mais novo brigou feio com meu pai aos 14 anos. Fugiu de casa, e desde então nunca mais o vi.
Minha mãe foi a única que realmente cuidava da gente e me dava a motivação para continuar pintando. Meu pai, no entanto, tentava me impedir de seguir meu sonho de me tornar um artista. Fiz tudo o possível para ir mal na escola técnica que ele me colocou, para que visse que não adiantaria me separar da minha paixão pelas artes.
O começo da minha adolescência foi um inferno nas mãos do meu pai, mas que acabou subitamente quando ele faleceu de uma hemorragia no pulmão. Apesar de me sentir triste pela morte dele na época, entendi que estava livre para conquistar o mundo com minhas pinturas. Saí da escola técnica.
Ao terminar o ensino médio, prestei vestibular em uma faculdade de belas artes. Estava confiante de que iria passar na prova prática, e fiz o melhor que pude no exame. Quando saiu o resultado, fiquei irritadíssimo ao saber que tinha sido reprovado.
Naqueles tempos, o estado de saúde de minha mãe estava cada vez mais grave. Ela sofria de câncer e eu não pude tratar da doença dela, pois os bicos que eu fazia mal conseguiam pagar as contas de casa. Até que, quatro dias antes do Natal, ela faleceu, me deixando sozinho no mundo. Foi o momento mais triste da minha vida.
Sem dinheiro, me mudei para um apartamento com um amigo. Costumava andar pela cidade, e discutir com ele minhas ideias para pinturas, reformas na cidade, política, sobre tudo, até tarde da noite. Eu era tão inspirado naqueles tempos, que sempre quando começava uma ideia, outra melhor tomava forma dentro da minha cabeça. Prestamos vestibular juntos (ele prestou para música, eu prestei para artes visuais mais uma vez), só que só ele conseguiu passar. Foi chato ficar de fora, com meu amigo entrando na faculdade e eu só ficando gradualmente mais pobre.
Tive de me mudar para um quartinho em outra casa, sozinho. Meu amigo foi chamado pelo alistamento militar e acabei perdendo contato com ele. Daí em diante, minha vida desandou de vez, porque não conseguia emprego, até que fiquei sem um tostão no bolso. 
Vendi tudo o que me tinha sobrado, e ainda assim isso não me impediu de acabar dormindo na praça. Virei mendigo. Acho que fiquei pouco menos de um ano nessa vida, e quase morri de fome. Foi horrível, ficar dependendo de esmolas para sobreviver. Você começa a dar valor  de verdade para sua comida, para seu teto, saber que você pode sucumbir a qualquer doença e morrer ali mesmo. De sonhador, me tornei um rapaz rígido e severo demais, por causa daquele tempo vivido nas ruas.
Minha vida só foi melhorar quando fui para um abrigo para sem-tetos na cidade. Costumava comer num convento que havia lá perto, onde tinha umas freiras que me davam o que comer, a troco de nada. Comecei a vender alguns quadros (eu via paisagens em fotos e as copiava), e com os trocados que eu ganhava pude morar numa pequena casa junto com outros como eu. Um homem que morava comigo naquela casa me ajudava a vender os quadros, fazendo a entrega em lojas de decoração. Esse acordo ia bem, até eu descobrir que ele roubava meu dinheiro. Chegamos a brigar feio, chamei a policia por causa dele, e ele até foi preso por alguns dias.
Como eu amo meu país, decidi entrar no exercito. Acho que a melhor forma que eu poderia encontrar para ajudar a Pátria é aqui dentro do exército. Sinto-me acolhido pelas pessoas da instituição. É claro, eu destoo um pouco dos outros soldados, que vivem falando sobre garotas. Eu vivo falando de política, e eu sempre tive muito respeito pelas moças, então não tenho muito o que conversar com eles.
Talvez, quando estiver velho demais para ficar aqui no exército, eu possa virar político,  e aí posso também ajudar a combater o machismo, que tanto atrapalha a vida de tantas pessoas neste mundinho. Ainda quero ser artista, mas meu sonho ainda vai demorar para se realizar.
No final, somos igualmente oprimidos. Eu queria ser um artista, porém, tudo conspirou para que eu não pudesse seguir meu sonho. Se meu pai não fosse tão retrógrado, tão machista, tão bárbaro, quem sabe como minha vida poderia ter sido?

210 comentários:

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Marcia disse...

Anônimo das 14:24, me explicaria sem problemas. Também acho de um classismo atroz, mas presenciei essa fala medonha, para explicar por que o 'homem trabalha' e a 'mulher não'. Concordo? Nem um pouco. Mas aprendi que nem toda família que mora na periferia depende do trabalho do maior número de pessoas possível da casa. Há clivagens de classe, e há esses núcleos em que as mulheres não 'trabalham' oficialmente fora de casa, ou realizam trabalhos não remunerados, ou mal-remunerados, ou vivem de pequenos negócios no bairro mesmo (consultoras de vendas, por exemplo). E há grupos em que as mulheres cuidavam/cuidam exclusivamente do lar. Não é regra para vida inteira da maioria das mulheres, mas acontece com uma parcela grande delas. Você está generalizando sobre a sua experiência, tudo bem, só tô falando que há outros cenários possíveis, por isso não acho o relato da moça mentiroso.

Até por quê, lá pelas tantas, a mãe dela foi trabalhar fora por necessidade da família, o que a coloca dentro do padrão que você descreveu. Agora por que a mãe dela não trabalhava fora por um período, todo o relato é mentiroso?

E desde quando nesse país com econômia furada, alguém fica muito tempo no mesmo posto no mercado de trabalho? Ninguém passa tempo desempregado não, ainda mais sendo pobre? Nada disso é factível para você, por quê?

Para mim, você tá usando de um padrão de classe, para invalidar o relato de uma mulher, só por que a vida dela não é como você esperava que fosse.

Anônimo disse...

(Viviane)
Antes de tudo, quero dizer que sempre gostei muito dos seus comentários aqui no blog, mas não pode deixar de notar um ponto:
Pelo visto, ainda está lhe doendo muito que nem todos embarcaram na sua "teoria da conspiração" sobre o post do dia 23, não é? Cara, qual o problema se a história for real (ou, pelo menos, verossímil)? Como várias já apontaram aqui, pode sim ser a realidade de uma periferia. Mas essa sua insistência em tentar reforçar seu ponto de vista já está dando bandeira de que você não aceita a possibilidade de estar errado.
Bola pra frente! Ninguém acerta sempre, mas reconhecer isso já é um bom começo...

Anônimo disse...

Olha Márcia, eu não sei em qual comentário eu falei que o post era falso. Meu primeiro comentário aqui foi ao meio dia e 1 minuto. A única coisa que eu questiono é a ideia que a maioria das mulheres pibres ficam em casa enquanto os maridos trabalham. Como eu disse, existem dados de institutos sérios que apontam a maior parte dos chefes de famílias pobres são mulheres, o que significa que independente da minha realidade, essa informação constrasta com a ideia de que a maioria, repito, a maioria das mulheres pobres não trabalha. E não sei o que tem a ver o fato dos maridos cretinos desvalorizarem o o trabalho informal das mulheres, eles fariam isso de qualquer maneira. Mas, por favor, eu não disse que o relato era falso. Sei que é chato comentar anonimamente por isso, mas eu não aguento a agressividade nem como anônima, sofro, página se colocar um nome.

Anônimo disse...

Ufa! Fico tranquila em saber que se a previsão dos crentes se realizar e eu ir pro inferno, ao menos vai ter internet.

Agora falando sério, é por causa desses babacas que não tem o que fazer da vida que eu desconfio de relatos de homens. E provavelmente a intenção dos trolls é essa.

Anônimo disse...

Márcia, acabei de ver que o comentário que citado nem é meu. Mas ainda assim, está aí minha opinião.

Anônimo disse...

Mas essa coisa do machismo foi invenção do troll, não?

Anônimo disse...

Anon, fico feliz que na sua comunidade o trabalho exercido por mulheres seja mais valorizados (sério mesmo), eu havia entendido errado uma parte do comentário, infelizmente a realidade das poucas favelas que conheço não vejo isso.

Vicky

Luciana disse...

Eu no fundo entendo a Lola por publicar os guest posts sem uma sabatina em quem manda, ela segue a risca o princípio de não duvidar da vítima. E nos dias de hoje, acho admirável essa posição porque se a consequência foi a de que tivemos de aguentar alguns trolls, por outro lados isso poupou diversas outras mulheres que passaram sim por violências de serem novamente interrogadas, como o resto da sociedade já faz. Então... pra mim esse balanço tá ok. Voto por aguentarmos os trolls e aqui continuar um espaço no qual quem tem uma dor se sente a vontade para desabafar...

Anônimo disse...

"Anon, fico feliz que na sua comunidade o trabalho exercido por mulheres seja mais valorizados"

Ok, obrigada pela consideração. Mas eu quero esclarecer que não morei em favelas e sim em bairros de periferia em São Paulo e no interior. Citei o exemplo do que vivi, mas só pra dizer que corresponde ao que os dados do ibge, por exemplo, indicam: a mairoria das mulheres de baixa renda são responsaveis pelo sustento da casa, ou seja, trabalham. Não acho que esse trabalho seja valorizado, pelo contrário, é super desvalorizado. Apenas questiona a afrimação "isso não é considerado trabalho". Não quero acusar ninguém, mas me sinto incomodada, porque toda vez que uma pessoa se coloca como pobre, negra (e mulher, isso vocês sabem bem), o que ela está dizendo tende a ser classificado como limitado à vivência individual, emocional, não embasado, etc. Nos últimos dez anos, houve uma grande ascensão fincanceira das classes mais baixas no país, então hoje posso me considerar classe média, mas não estou dando a minha opinião somente baseada em fatos limitados da minha vida, eu também estou considerando outras formas de análise.

Vicky_ disse...

Acho justo, tenho uma posição muito semelhante quanto a essa questão. Aliás, também acho errado muitos conceitos que expõem aqui. (E há estimativas confiáveis para podermos afirmar isso)

E as favelas que citei não são bem "favelas", é aquele intermédiario entre favela/invasão e bairro de classe média baixa. (Nasci e fui criada numa)
As poucas que não trabalhavam fora eram as que tinham MUITOS filhos. Mas os homens que observava não valorizam.

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