Eu nem ia falar mais nada sobre o professor intelectual de esquerda que tem o estranho costume de mandar selfie de pinto, mas algumas coisas ficaram tão ridículas que quero falar mais um pouquinho sobre o caso.
Umas pessoas não muito inteligentes disseram (não pra mim, mas de mim): Como é que ela ousa denunciar isso? Isso num tuíte. Poucos tuítes depois, vem este: Ela sabia do caso desde julho e não denunciou por quê? Omissa!
Isso da mesma criatura. Mais de uma, até.
Agora pra críticas mais sérias. Respeito a Cynthia, mas acho que desta vez a amizade dela com o professor falou mais alto (leia aqui).
Primeiro que não se deve generalizar a reação como ação de um feminismo misândrico e punitivista. Tirando mascus, que juram que eu sempre escrevo que "todo homem é um estuprador" (provem, por favor: um print só de algum texto meu já basta), quem acompanha este blog sabe que não sou feminista radical, que defendo que homens podem e devem ser feministas, que acho que punir nem sempre é a melhor opção, e mil e um outros posicionamentos que desagradam muitas feministas mas me deixam tranquila com a minha consciência.
É até divertido às vezes, porque, enquanto sou vista como A Feminista Radical por quem não entende absolutamente nada de feminismo, sou vista pelas feministas radicais como aquela uma lá que tenta agradar o patriarcado. Como se eu estivesse aqui pra agradar alguém! Se eu quisesse popularidade, seria uma reaça machista.
No seu texto, Cynthia diz que "falta alguém" com formação terapêutica para ponderar as emoções envolvidas e evitar ações precipitadas", assim como "falta alguém" com formação jurídica "para avisar que o método escolhido é inadequado" (aqui tem uma excelente resposta a este ponto, esta sim escrita por uma radfem).
Eu concordo. Falta muita gente pra acolher mulheres mesmo. Eu tento há anos incentivar alunas de Direito de várias universidades onde palestrei para fazerem um site com orientações online gratuitas. Para muitas vítimas que me procuram e que estão na universidade, recomendo sempre o coletivo feminista daquela universidade.
Mas tudo que vi neste caso foi gente dizendo que divulgar o ocorrido não foi o certo -- sem propor o que poderia ser feito. Denunciar a quem? Denunciar o quê? Eu sou uma das que acham que não houve crime. Não sei se mandar foto não solicitada do pau seja crime (mandar pra menor de idade é crime sim, mas não sei se o professor fez isso com a menina de 15 anos).
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O fetiche do professor parece ser justamente a submissão, o controle, a humilhação, o poder sobre as mulheres com quem ele se correspondia/corresponde e, principalmente, sobre os maridos delas, "cornos" que ele queria amansar. Se ele só fizesse isso com quem quer participar desses fetiches, ótimo, maravilha, nem estaríamos aqui discutindo. Mas teve muita mulher que não gostou, que se sentiu abusada. São elas que denunciaram.
E acho absurdo a Cynthia dizer que é contra um feminismo que trata as mulheres como vítimas imbecis indefesas (também sou contra, e não vejo qualquer corrente feminista fazendo isso) ao mesmo tempo que ela sugere que as garotas que denunciaram foram "incentivadas" a tornar o caso público, como se elas não tivessem autonomia pra decidir. Cynthia sugere que elas foram vítimas da "manipulação da fragilidade alheia" -- manipulação não do professor, que escolhia as mulheres a dedo, procurando sempre as fragilizadas, as com culpa religiosa --, mas dessas perversas feministas que só querem fortalecer um "movimento político misândrico".
Pelo que sei, cinco das muitas mulheres que o professor assediou se reuniram através do Facebook, e juntas, sozinhas, resolveram o que fazer. Só tenho contato com uma dessas cinco. Eu fiz o que podia fazer: a escutei, fui solidária, respeitei seu pedido de "por favor, não conta pra ninguém" (ela me enviou o primeiro de muitos emails no final de julho). Eu pensei que isso tudo nunca iria vazar, já que tanta gente conhece as histórias há dez ou quinze anos, e nunca houve denúncias, só fofocas (pra não perder a fé na humanidade, fiquei sabendo que muitos homens de esquerda já não gostavam do professor por causa dessas histórias).
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E como se pode falar em "ações precipitadas", se essa menina passou por esse assédio há três anos? Se a moça que entrou em contato comigo guardou a história -- que pra ela foi uma violência -- durante meses? Anos, meses em silêncio. Elas não me pareceram exatamente precipitados.
E assim, true story: uma feminista nada radical, ao conhecer os detalhes da história, contou para as vítimas que, quando conheceu o professor pessoalmente, anos atrás, já tinha ouvido falar bastante sobre ele mandar fotos nu para várias mulheres. Ela perguntou pra ele por que isso, e ele negou, constrangido, e disse que tinha um casamento aberto. A explicação não a convenceu e, a partir de então, essa feminista tentava avisar discretamente qualquer menina de quem ele se aproximava. Segundo ela, se ela soubesse da "abordagem tão agressiva", teria se pronunciado há mais tempo.
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Que outras bobagens li e ouvi? Ah sim, a maior de todas deve ter sido esta, vinda de um outro professor universitário, amigão do arauto da revolução sexual:
Certo. Tudo não passa de um plano sórdido do PT para difamar seus inimigos. Não existem mulheres que se sentiram agredidas e o denunciaram, não existem prints (é tudo forjado ou, no mínimo, editado), não existem relatos, é tudo criação de uma petista (eu!) calhorda e moralista (eu! eu!). É, o cara me chamou de bispa calhorda antes de deletar seu perfil no Twitter.
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Ok, fim da carteirada no carteirudo ignóbil. That felt good!
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Eu realmente tenho muito poder. E alguns dizem que o feminismo é vitimista. |
Bom, não vai dar pra comentar um por um dos absurdos. Só que o Nassif não perdeu uma ótima oportunidade de ficar calado. Ao linkar meu texto, ele aproveitou para dizer que, tadinho, em 2010 foi alvo de linchamento de feministas comandadas pelo professor. É impressionante: o tempo passa, o tempo voa, mas o machismo sem noção do jornalista continua numa boa. Putz, Nassif: o professor não comandou coisa alguma.
Foi a Cynthia (que ultimamente deu pra crer que mulheres precisam ser comandadas) que chamou a atenção pro seu deslize. Aí euzinha escrevi um post. Seu problema não foi ter colocado a palavra feminazi no título (aliás, é muito difícil decifrar ao que um termo como feminazi se refere? Gayzista e Gaystapo também?), foi ter publicado todo um post misógino de um mascu no seu site. Daí, quando contestado, agiu com agressividade típica.
O professor só entrou na onda duas semanas depois. Inclusive, ele escreveu um bom texto sobre quem estava considerando os questionamentos a você, Nassif, um linchamento. Reproduzo uma parte daquele texto aqui. Vai que pode ser didático pro caso de agora:
Sim, de fato causa constrangimento ver críticas de feministas sendo tratadas como linchamentos. Nisso concordamos.
Pra terminar o surrealismo, Túlio, marido da Cynthia, também escreveu um texto, que pode ser resumido em poucas frases: "Não quero falar do meu amigo, mas nada do que ele fez é crime e como não é crime vocês não podem falar sobre isso e como falaram vocês vão ser todas processadas".
Bela forma de mostrar empatia por mulheres que se uniram pra denunciar o que elas consideram um abuso! Espero que, algum dia, essa esquerda feminista dedique às mulheres (inclusive a mulheres feministas que são xingadas, julgadas moralmente, ameaçadas de morte e estupro, sem que ninguém diga nada ou ofereça assessoria jurídica) um décimo da defesa que oferece ao amigão que teve cassado seu livre direito de enviar selfies de pinto.
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Sim, coragem continua sendo enfrentar todo um sistema que insiste em perpetuar preconceitos. E moralismo é seu pau de óculos.
Novos desdobramentos: Um pouco mais sobre o caso do professor.