quinta-feira, 6 de agosto de 2009

MANIFESTO DE UMA PNE PARA NORMAIS

Pedi pra Kariny, uma linda moça do Amazonas que está prestes a se formar psicóloga, para nos dizer como nós, “normais”, podemos ajudar pessoas com necessidades especiais. Kariny tem um blog, o Menina Robô, que vocês devem visitar (mas cuidado pra quem está no trabalho, pois tem música; dá pra desligar) pra entender por que ele tem esse nome. Alguns posts que recomendo: descoberta, perguntas, ritual, volta. Mas agora fiquem com o guest post desta guerreira.

A Lola me deu o convite para escrever como pessoas “normais” ou “perfeitas” podem tornar a vida de pessoas PNE – Portadoras de Necessidade Especial melhor no nosso dia-a-dia, mas vou comentar de uma maneira geral como lidar com qualquer tipo de deficiência.
Sou PNE – Portadora de Necessidade Especial. Possuo deficiência visual, auditiva e vocal, 90% sendo causa da deficiência pela hereditariedade – herdei da minha mãe - e 10% pelo acidente que me ocorreu na infância. Este é um detalhe que as pessoas não percebem, a deficiência não é uma coisa desejada. Deficiência não é apenas de nascença, mas também pode ser causada por acidentes: escorregar de um tapete, receber uma bolada na cabeça (como no meu caso), cair de um cavalo, ser atropelado por um carro ou uma moto etc...
O que essas duas causas têm em comum é a limitação que a deficiência me impôs, limitações que são mais impostas pela atitude da sociedade do que pela própria deficiência. Pois as pessoas têm a mania de nos ver como coitadinhos, como incapazes. Há também super proteção de quem nos cria. Portanto, como as pessoas normais podem amenizar esta situação e tornar a vida do PNE mais feliz?
1º. Nós ouvimos muito esta frase: “Você não pode isso ou aquilo”. Com esta sentença, as pessoas não conseguem perceber “o que podemos fazer”, e acabam nos prejudicando, tornando nossa vida mais difícil para sermos felizes com o que podemos fazer.
2º. Saibam que nós somos indivíduos próprios também e diferentes dos outros; ainda assim somos pessoas únicas, mesmo com o rótulo que a sociedade nos dá.
3º. Deficiente antes de ser deficiente é uma pessoa, com direitos e desejos de autorealização pessoal e profissional, no nosso próprio ritmo, maneira e meio. Apenas nós PNE podemos encontrar a nossa própria superação, no mesmo mundo em que você vive. Afinal, é apenas um mundo.
4º. Também temos o direito de fraquejar, falhar, sofrer, desacreditar, chorar, se desesperar etc. Proteger-nos dessas experiências é evitar que vivamos. Muitas vezes passei por esta situação na faculdade e em casa. As pessoas tinham a mania de esconder a realidade do que acontecia ao meu redor, como uma simples morte de um ente querido, uma nota baixa que tirei em um trabalho em equipe. Minha mãe chegava a controlar os meus passos na escola e a diretoria também.
5º. Somente nós PNE podemos lhe dizer o que possível para nós. Vocês que nos amam podem somente observar e ficar atentos para que quando pedirmos a sua ajuda, vocês já saberem o que é.
6º. Nós PNE temos a necessidade de agir por nossa própria conta. Vocês podem oferecer alternativas, possibilidades e instrumentos necessários, mas somente nós podemos colocar em ação alguns atos. Vocês devem estar firmes, presentes para reforçar, encorajar, dar esperança e ajudar quando possível. Existem muitas maneiras de se amarrar os sapatos, beber em um copo, chegar até o ponto do ônibus. Há muitas formas de aprender e se adaptar. Nós PNE é que devemos encontrar a forma em que melhor nos ajustamos.
7º. Lembre-se de que os PNE, assim como vocês, estamos preparados para vivermos como desejamos. Também queremos o poder de decisão. Ainda que dependa do grau de deficiência, também temos o potencial ilimitado para nos tornar não o que a sociedade quer que sejamos, mas o que desejamos ser. Quando tomei minha própria decisão com relação à escolha da minha profissão, foi o dia mais feliz da minha vida. Meus pais e amigos não apoiaram muito, pois achavam que o melhor pra mim seria um curso de três anos... Hoje estou no quinto ano e me formando em Psicologia.
8º. Se convençam que também precisamos do mundo e das outras pessoas para que possamos aprender. Não sou a favor de escolas especiais, salas especiais etc. O aprendizado não acontece somente no ambiente protetor do lar ou numa sala de aula, como muitas pessoas acreditam. O mundo é uma escola, e todas as pessoas são professoras. Muitas vezes a sala de aula sem diversidade acaba fazendo de vocês “normais” pessoas preconceituosas. Por causa deste tipo de pessoa que não sabe lidar com a diferença, enfrento no meu dia-a-dia gente insensível, que não respeita, que não é generosa, enfim, que não trabalhou esses importantes papéis da afetividade conosco – PNE.
9º. Lembre-se que nós PNE temos o direito à honestidade em relação a nós mesmos. Ser desonesto conosco é o pior serviço que alguém pode nos prestar. Exemplo: quando cometo algum erro, algumas pessoas não me chamam a atenção, apenas dizem: “não diga nada, a deficiência já é um fardo na vida dela”.
10º. Pessoas com PNE também temos o direito à liberdade. Vocês podem apenas nos ajudar, dar-nos mais oportunidades de viver essa liberdade e ampliar o nosso próprio mundo. Ainda não tive esta oportunidade de ser livre, principalmente na minha vida profissional, pois nas entrevistas sou logo rotulada. Mas um dia vocês vão conhecer o nosso talento profissional e pessoal.

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26 comentários:

Nara disse...

Lola, desculpe fazer um comentário que não tem nada haver com o post, mas, você já viu esse vídeo? - http://www.ilcorpodelledonne.net/?page_id=209 - Gostaria que comentasse qualquer dia! Bjs, Nara

b disse...

sÓ TENHO QUE APLAUDIR.... FANTÁSTICO...

Fabiana disse...

O que falta a maior parte das pessoas é a empatia. Não é só com os PNE que isso acontece.

Quanto as perguntas que ela menciona como incômodas, tenho uma filha de 4 anos e ela pergunta tudo pra todo mundo. E é assim também os PNE, é claro que eu procuro ensiná-la a não fazer perguntas indiscretas, mas escapa - ela ainda está aprendendo as convenções sociais. Aqui em casa a gente procura não diferenciar as pessoas em categorias, e é nesse fase da vida que temos a obrigação - como pais - de mostrar que não há nada de errado com os PNE, errado é o mundo que não os aceita do modo que são.

Mas também tem o lado do PNE de não se sentir melindrado na hora de responder qual deficiência tem. É uma forma de fazer com que o mundo os conheçam e respeitem.

E por ser gorda, bem fora dos padrões "normais" da sociedade, também me solidarizo - sem me comparar, no entanto, pois sei que são coisas totalmente distintas - conheço esses olhares classificatorios e excludentes. A diferença é que o gordo é sempre visto como aquele que não tem força de vontade pra emagrecer. Ou o que é "doente" porque quer.

Enfim, o texto é muito claro e acende uma luz nesse infinito túnel da convivência saudável.

Lord Anderson disse...

Oi Kariny.

Lindo post. Conheço um pouco do que vc falou, pq aos 4 anos sofri um acidente (um incendio) do qual escapei por pouco, graças a coragem de alguns vizinhos.

Fiquei com quimaduras de terceiro grau em 2 terços do corpo, principalmente no rosto e no braço direito. Passei a infancia entrando e saindo de hopsitais, fazendo cirurgias, etc.

Não fiquei com nenhuma sequela grave, apenas as marcas no rosto e no braço, mas sofri muito com superproteção de pais e professores e os olhares de pena e estranhamento de crianças e adultos.

Há uns 4 anos atras trabalhei com a assistencia social da minha cidade e, entre outros, participei de programas de apoio a PNEs e vi muito do que vc relatou , principalmente a luta que eles travam p/ não ser tratados como coitadinhos incapazes, p/ serem reconhecidos como cidadãos.

Bem, tudo isso só p/ dizer que gostei muito do seu post e de conhecer sua luta.

Parabens

Anônimo disse...

Realmente ser PNE não deixa a pessoa tão limitada. Minha irmã tem uma amiga de infância que tem paralisia cerebral no lado esquerdo, e por isso ela apresenta vários 'defeitos', mas a vivacidade, persistência, alegria, as metas e objetivos alcançados demonstram que de PNE ela não tem nada. Creio que as limitações que nós impomos que nos tornam deficientes.
A mãe dela sempre a incentivou a ser o mais 'normal' possível, creio que isso tenha ajudado bastante, pois ela sabe de seus problemas, mas age como uma pessoa que não tivesse, acho isso muito bacana, e foi com ela que minha irmã e todos de minha família, aprendemos a não ver os PNE como coitadinhos.

Giovanni Gouveia disse...

A tendência nossa, (deuses e semideuses do olimpo, 'perfeitos" e impecáveis), é sempre de querer "pegar no colo" querer PNE... Concordo, isso mais atgrapalha do que ajuda

Só um comentário sobre a "nomenclatura" a ser usada. Numa conferência que eu participava, um rapaz (com deficiência visual total) deu um belo discurso:
"se me chamam de 'deficiente', já de cara eu saio perdendo; se dizem que eu tenho 'necessidade especial', eu pergunto qual o ser humano que não tem uma?; acredito que o termo deveria ser 'Portador de Necessidade específica'"...
Fui aluno do Irmão desse rapaz (não me lembro o primeiro nome dele,há um problema genético que todos os irmãos perderam a vista em torno dos 14 anos, mas todos têm uma capacidade de raciocínio acima do comum.
Esse meu Professor, Roberto Aguiar, foi a pessoa mais inteligente que eu conheci na vida. Só pra citar um exemplo, ele às vezes pegava um táxi sozinho, dizia o endereço e o taxista ia levando, no meio do caminho ele ia 'guiando' o taxista, dizendo por exemplo "não pegue esta rua aqui não, que tem muitos buracos, vá pela próxima", os motoristas de táxi ficavam meio desnorteados, não sabiam se acreditavam nas coordenadas ou na 'cegueira' do professor... Alguém pode dizer que isso se dá pela convivência de anos no local, mas uma tia minha relata que ele mostrou Londres a ela ...
Ou seja, parece-me que a principal deficiência que existe é a do preconceito social.

Caricaturas Urbanoides disse...

Trabalho com Pne e ouço extamente esse discurso deles.. Aqui no trabalho, tratamos todos como iguais. É uma experiencia muito enriquecedora.
A proposito, bem vinda a carreira!

Juliana disse...

lindo

Tânia Tiburzio (TT) disse...

Adorei o texto, Kariny! Parabéns!

luci disse...

finalmente escutei a voz de alguém com PNE. acho que eu devo agradecer a aula que tive aqui nesse post. ;)

Barbara disse...

Eu trabalhei com uma pessoa com dificuldade de locomocao e as vezes eu ficava sem saber para onde olhar. Ela queria pegar uma coisa no alto, tinha dificuldade, e nao sabia se eu devia ajudar.
Porque quando eh uma amiga proxima, a gente pergunta, fala sobre o assunto e pronto. No caso dela, eu tentava ajudar do mesmo jeito que eu ajudaria os outros (pegando uma coisa que esta mais perto de mim ou segurando a porta), mas as vezes eh dificil mesmo saber como se comportar.
Recentemente quebrei o pe e fiquei andando de muleta. E ja tinha gente que ficava me olhando! Fiquei imaginando como seria para uma pessoa PNE.
(quanto aos posts das perguntas inconvenientes, a falta de nocao das pessoas eh infinita mesmo, ne? Fiquei abobada)

Menina Robô disse...

Lola, ficou lindo o poste de hoje, com as fotos representando os parágrafos. Amei, vou pedir para os meus seguidores passarem por aqui.

Beijos!

Marcia M. disse...

aodrei vir aqui e ler o texto da karyni
uma menina cheia de bom humor carater e guerreira,parabéns por esta postagem!

clique documental disse...

Lola bacana a iniciativa, isso mesmo! Kariny lindo relato. Ficou muito bom mesmo. Assim teve a oportunidde de conhecer melhor sua história. Obrigada por compartilhar conosco tantos conhecimentos. Socializar é tudo de bom, um ajuda o outro e todos nos ajudamos!!!!

Bjos meninas!!!

Elaine Gaspareto disse...

Olá!
Lola, conheço a Kariny há bastante tempo; em várias ocasiões ela me surpreendeu muito, e com ela eu tenho aprendido a ter um outro olhar sobre pne's.
Beijos.

O Jornal Tresler e a Espiral do Silêncio disse...

= )
Parar para pensar e sentir.

Unknown disse...

Querida Kariny

Voce é o maior exemplo de que não é uma coitada, que não está a margem de nada...
voce é unica e busca constantemente mostrar seu valor...
e por isso sim... é especial... porque cativa no coração dos que te conhece um lugar especial...

beijos no coração
saudades

Everson Russo disse...

Belissimo post, penso que nós os supostamente "normais" é que temos que entender e facilitar a vida das pessoas, todos temos sonhos e condições de alcançá-los, porque eles estão em nossas almas em nossos coraçãoes, um otimo final de semana pra ti.

Anônimo disse...

Kariny o seu texto está muito bom e a Lola criou esta oportunidade para que a conhecêssemos.
Fui tambem visitar o seu espaço virtual. Creio que você poderá ajudar muitas pessoas tidas como "normais" só em demonstrar esta sua alegria de viver. Bj da Fatima/Laguna/SC

Mirella Machado disse...

adorei o post, além do mais é uma conterrânea minha

Anônimo disse...

Lola,
há tempos frequento o blog da Ká e sei a grande e guerreira emnina que ela é, parabéns por mostrar a nós sociedade como essas pessoas fantástias são normais como nós apesar das dificuldades ...
Ká, parabéns pelo post, amei ...
Beijo grande para vcs duas,
com carinho,
Gi

Maíra Teixeira disse...

Lola, sou deficiente visual (baixa visão) desde que nasci. Me identifico muito com o que apareceu nesse post. Teve uma vez que correu pela minha turma da escola um boato de que eu só tirava boas notas pq os professores tinham pena de me dar uma nota menor. Mas não era verdade. Eu consegui inclusive passar no Vest. de uma universidade federal, onde estou feliz no curso que estou fazendo.
Mas é verdade que isso as vezes acontece. Já soube de casos assim em escolas. Daí devo dizer que também acho importante investir no preparo dos professores em geral para lidar com PNEs, para que a educação prime pela inclusão

Vivian disse...

...Kariny é um exemplo
a ser seguido a todos
os melindrosos de plantão!

linda e guerreira, só merece
ser feliz...é sempre será.

bjuss

Hod disse...

Aloha Lola!!
Contente por conhecer seu espaço!!
Oportunamente volto com mais tempo!!

Aloha!! querida Kariny, como sempre brilhante!!

Forte abraço com Feliz dia dos Pais.

Aloha!!
Hod.

Saulo Prado disse...

Lições de uma doce menina para uma sociedade limitada ao seu ego...

Carol disse...

Também tenho dúvidas sobre o uso do Portador de Necessidade Especiais. Meus amigos, que são cegos, preferem falar que são deficientes, pois portador parece algo que carregam e não algo que são, segundo um deles. Mas deixo esse debate para os PNEs, assim como o movimento lgbt virou lgbtts e ainda continua a busca por algo mais inclusivo.

O que mais me deixa impressionada no debate é como o tema é tratado com distância. Algo do tipo 'conheci deficientes na faculdade' ou 'o primo de um amigo meu é PNE e conseguiu se formar', 'ouvi uma linda história de superação', etc. Existem milhares de PNEs próximos de nós e ninguém acha estranho que estas pessoas não estejam no nosso dia-a-dia? Não deveriam estar ao nosso lado nas faculdades, escritórios e mesas de bares? Acho que isso só aponta como esse debate ainda está no começo. Essas pessoas ainda são totalmente excluídas.

Claro que há casos raros de superação e que geralmente são acompanhados de muita luta. Meu irmão, que é surdo, teve que passar um ano inteiro na faculdade brigando por um interprete de libras que lhe era de direito.

Acredito que se não houver o esforço de pessoas ditas 'normais' de realmente incluir as pessoas com deficiência não vai funcionar. Mais uma vez, é um caso de reconhecermos nossos privilégios para buscar eliminá-los. E mais do que isso, de enxergá-los como iguais e apoiar a luta.

Desculpem se escrevi muito, mas é que geralmente é uma batalha tão grande reunir meus amigos em um lugar, por falta de acessibilidade que até tomar uma cerveja no bar vira um grande desafio e uma luta social.