segunda-feira, 3 de março de 2008

O QUE É A DIREITA CRISTÃ?

Quando menciono a “direita cristã”, estou falando, em primeiro lugar, dos EUA. Os “born again Christians” ou "evangelicals" representam 25% da população americana, e são o grupo religioso com mais poder (outros tipos de protestantes constituem mais 25%). Bush é um born again Christian, espécie de evangélico, mas a influência desse pessoal na política vem de muito antes, já dos tempos do Reagan (1980-88). Eles são responsáveis pelo fortalecimento do conservadorismo que veio com tudo na década de 80. Só pra citar um exemplo, no final dos anos 70 a maior parte das mulheres americanas se considerava feminista. No entanto, a ênfase na “família tradicional”, um dos estandartes da direita cristã, conseguiu não apenas eleger o Reagan, como tornar o feminismo um palavrão (o que persiste até hoje). A aids também ajudou a jogar um balde de água fria nos movimentos homossexuais e na liberação sexual. Esse conservadorismo que se instalou quase três décadas atrás continua guiando a política daqui. Se depender desses cristãos, os EUA viram um país fundamentalista, tal qual o Irã, só que cristão ao invés de muçulmano. É curioso como os americanos de direita elegeram os islâmicos como seu inimigo número 1, apesar de pensar igualzinho a eles: mulheres têm que ficar em casa, cuidando do lar e dos filhos, homossexuais precisam ser reformados ou morrer, a pena de morte é legítima (olho por olho, tá na Bíblia e no Alcorão), Deus (ou Alá) deve fazer parte de tudo – o que significaria que escolas lecionariam apenas o criacionismo (evolução é um mito sem provas, segundo eles), que ateus, agnósticos, ou qualquer pessoa de outra religião que não a oficial não poderiam exercer cargos públicos (professor, médico, assistente social, político etc). Esse pessoal acredita que “estado laico” é uma invenção européia que não deu certo. Pode ter certeza que, se os EUA virassem um país fundamentalista cristão, declarariam guerra contra a Europa rapidinho, num novo tipo de cruzada.

Isso não vai acontecer. Ainda existe muita gente nos EUA que preza a liberdade e defende que religião não deve se intrometer no Estado, e vice-versa. Porém, o poder que a direita cristã tem hoje determina inúmeras políticas públicas: a pena de morte segue forte em muitos estados (a América é o único país desenvolvido que ainda a adota), o aborto legalizado vem perdendo adeptos, o casamento gay não vai passar de jeito nenhum, o que marginaliza os homossexuais, a educação sexual deixa de ser ensinada, e campanhas de combate a aids e a favor do uso de preservativos para brecar a gravidez precoce são substituídas por campanhas de abstinência sexual (que claramente não funcionam. É inútil falar prum adolescente: “Segura a barra aí! Só transe depois de casar”). Ironicamente, a direita cristã prega um governo religioso, mas, economicamente falando, um governo mínimo, com corte total de impostos. Se depender dela, só será cobrado o dízimo – isso sim é sagrado.

O papa claramente apóia os mesmos ideais. Mas não pense que Vaticano e direita cristã americana são aliados! Na realidade, são adversários. As revistas religiosas que recebo acham que o papa é um servo de Satanás. Os católicos vêm crescendo nos EUA, mas seu poder é muito menor. Pra se ter uma idéia, John F. Kennedy foi o único presidente americano católico até agora. Hoje os católicos são 25% da população, mas a Igreja está tão envolvida em escandâlos, como o dos padres pedófilos, que esses católicos têm infinitamente menos voz que os batistas, por exemplo. Não que os católicos daqui dos EUA sejam tão relaxados quanto os brasileiros, mas é um catolicismo diferente – aqui ainda é minoria, enquanto no Brasil é a fé de 75% da população; e o braço à esquerda do catolicismo, a Teologia da Libertação, praticamente sepultada na América Latina por obra do santo papa João Paulo II, nunca existiu nos EUA.

Acho que o Brasil é um país mais tolerante em tudo que a América, e isso inclui religião. Mesmo que evangélicos brasileiros concordem com o que seus colegas americanos pensam, eles não têm essa mobilização e essa vontade política dos EUA. E, claro, são minoria, o que faz toda a diferença.
Membros da direita cristã protestam contra os imigrantes ilegais. Querem um muro que cubra toda a fronteira entre México e EUA.

7 comentários:

Juliana disse...

comentário sobre a foto no post sobre os esquilos.

Liris Tribuzzi disse...

Eu acho todo radicalismo idiota, mesmo que seja parte de uma cultura. A direita crista aí é terrivelmente forte, o que já não acontece há um tempo com o catolicismo no Brasil, ainda bem! Talvez porque brasileiro dificilmente é patriota ou tem orgulho de onde mora, além de achar que só aqui tem corrupção e cobalheira.
Falando em radicalismo, lembrei de um amigo que quer ser padre, mas de uma linha extremamente conservadora da igreja católica, do tipo que quer missa em latim, não gosta de homossexuais e abomina o estado laico.
Voltando aos EUA, no dia em que o capitalismo seder mais lugar para a direita cristã, eles afundam.

lola aronovich disse...

Eh verdade, Li, mas o catolicismo aqui no Brasil (e em outros lugares onde eh a maior religiao) segue se intrometendo nas decisoes do Estado. Aborto e eutanasia seguem ilegais por causa da pressao catolica. Ah, essa linha extremamente conservadora que vc fala eh a mesma do atual papa.

Liris Tribuzzi disse...

Esse meu amigo acha o papa liberal.

lola aronovich disse...

Ha ha, tem senso de humor, ele (seu amigo, nao o papa).

Gustavo Santos disse...

Olá, Lola. Permita-me discordar em alguns pontos. Primeiro, a liberdade religiosa é uma invenção protestante e particularmente calvinista. Surgiu na época da Reforma Protestante e não na revolução francesa. A idéia era mais ou menos o seguinte: é melhor que um católico ou ateu vá para o inferno porque não quis acreditar na verdade do que seja forçado a acreditar na verdade e vá para o inferno do mesmo jeito. Segundo, radicalismos não acontecem apenas entre pessoas religiosas. Existe uma lei que quer criminalizar qualquer manifestação de pensamento contrário ao homossexualismo, é o PL 122/06. terceiro, o estado laico também é uma invenção protestante e os EUA foram o primeiro grande país a adota-lo. E foram justamente esses "fundamentalistas" que hj são tão criticados que escreveram a constituição do primeiro estado agnóstico da terra.

Mauri Zelindro Junior disse...

Caro Gustavo:
A maior parte do texto da constituição americana é feita por pessoas superficialmente religiosas. Só não assumiam suas descrensas publicamente por impossibilidade do zeitgeist. Mas analize o discurso de Jefferson, ele foi o redator da carta de independência e o terceiro presidente. Ver nele um religioso praticante é desonestidade intelectual. Além do mais, a política cristã sempre foi a favor da liberdade de crença onde era minoria e de forçar a crença onde dispunha de força para tal. Felizmente a política e a competição interna da igreja a rompeu. Obviamente que não foi a teologia, esta restrita a meia dúzia de gatos pingados.