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sexta-feira, 15 de março de 2019

QUANDO MENINOS E MENINAS VESTIAM A MESMA ROUPA E NENHUMA MINISTRA ACHAVA ESTRANHO

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Koppe, um leitor antigo aqui do blog, viu este quadrinho da Elise Gravel sobre a história da roupa para meninas e meninos e decidiu traduzi-lo.
Vai que desenhando a sinistra Damares entenda...

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

CONCLUSÃO: NÃO É FÁCIL SER MULHER

Três notícias relacionadas à violência contra a mulher que vi só entre ontem e hoje. 
A marca de roupas Dafiti comercializou em seu site uma camiseta feia pracarai que dava "exemplos de pleonasmo": "subir pra cima, descer pra baixo, hemorragia de sangue, político ladrão, mulher burra".
Lindo, né? R$ 49,90 por uma camiseta que chama mulheres de burras, pra você carimbar na testa o seu machismo. Pra você vestir sua misoginia e sair desfilando por aí! 
Diante das reclamações, a Dafiti explicou que o produto era da responsabilidade de um de seus parceiros, a Eiblu, que foi descredenciada. Retirou a camiseta do ar, pediu desculpas, e afirmou "repudiar qualquer tipo de manifestação de preconceito e discriminação". Menos mal, né?
Pois é. O problema é que uma rápida busca possibilita ver outras camisetas machistas da Eiblu vendidas pela Dafiti. Tipo esta, que pode ser interpretada como fazendo apologia ao estupro:
Esta fala da "evolução das inimigas", indiretamente chamando mulheres de vacas e incentivando a rivalidade entre as mulheres, uma velha estratégia do patriarcado (juntas somos mais fortes):
E esta, em inglês, pede que você seja legal com as pessoas gordas, porque um dia elas podem salvar a sua vida. No desenho, um urso persegue uma pessoa mais gordinha.
Quer dizer, a Eiblu parece ser uma fábrica mascu, estampando os preconceitos de sempre (provavelmente as camisetas racistas e homofóbicas estavam em falta). E a Dafiti comercializa essa porcaria sem saber? Não cola. Não tem isso de "Eu não sabia". A marca obviamente tem que saber o que vende e quem produz o que está sendo vendido (sabe trabalho escravo?). 
Outra violência vem do tipo de "jornalismo" que eu pensei que (assim como o colunismo social) já estivesse extinto. É aquela seção que fotografa mulheres na rua e dita se aquele look está "certo" ou "errado". Porque alguém morreu e nomeou o jornalista Deus pra decretar verdades absolutas sobre moda.
Este print saiu no caderno "Zona Oeste" (mais popular) nos jornais O Globo e Extra
É uma coluna chamada "Estilo", assinada por Lolô Penteado, pseudônimo da jornalista Roberta Ferraz. Não tenho qualquer outra informação sobre a coluna. Nem sei se esse print é deste ano ou de 2014, já que o professor de literatura da UFRRJ, Marcos Pasche, que postou o print no seu FB, havia tratado do tema numa palestra no ano passado. 
De todo modo, a coluna traz duas fotos com o rosto coberto por um desenho, para evitar processos (afinal, você não pode tirar foto de alguém na rua -- ou na internet -- e ofendê-lo; existe uma coisa chamada "concessão do uso de imagem", ou "termo de cessão de direitos para uso de imagem", como qualquer pessoa que já apareceu na TV ou num vídeo sabe). A primeira diz:
"Visão do inferno: Dá vontade de rolar uma Lava Jato na produção dessa lola. Como pode sair de casa com legging e blusa curta? Um crime! E o blazer três números menores do que o dela, estourando o botão? Gente, para completar, a botinha torna o look ridículo. Não queria ser cruel, mas fui. Às vezes, é preciso um choque de realidade". 
E a outra: "Não pode. Se você está naqueles dias em que não está a fim de se produzir, melhor não sair de casa então. Para não dar nisso. Nesse look deprimente, com bermuda apertada e barriga saltando, chinelão 'véio' e camiseta desbeiçada. Acho que nem para dormir sozinha essa produção passa. Eu ficaria com vergonha de mim mesma". 
Chato ver meu nominho sendo usado pra isso, mas obviamente não é pessoal e duvido que a jornalista me conheça. "Lola" é um nome fofo que vem cada vez mais sendo usado para ser marca de roupas, cosméticos, cabeleireiros, animais de estimação etc. Aqui, como o pseudônimo da jornalista é "Lolô", suponho que ela use "lola" como sujeito de suas críticas, que nada mais são do que puro "body shaming". Em outras palavras, você pega uma parte do corpo de uma pessoa, quase sempre mulher, e a humilha por isso. Nas duas imagens, vemos uma mulher acima do padrão de beleza magérrimo. Logo, ela nem deveria por os pés na rua, segundo a colunista, porque é "um crime" usar blazer "estourando o botão", ou "bermuda apertada", "barriga saltando". 
O que mais me choca é a ordem de que, se você não quer se produzir, não saia de casa. A rua é pública, não é uma passarela. Mulheres saem de casa por mil e um motivos, e não precisam estar impecáveis, muito menos para agradar homens ou colunistas de moda. Eu sempre lembro de alguma dessas colunas dizendo na minha infância e adolescência que a mulher têm que estar sempre maquiada, bem vestida, cabelo lindo, salto alto, até quando vai à padaria, porque nunca se sabe quando vai encontrar o príncipe encantado (o meu -- se é que alguém ainda acredita nessa asneira de príncipe -- eu conheci num torneio de xadrez, sem maquiagem nem salto alto).
É esse tipo de baboseira que se ensina às meninas desde muito cedo, que as mulheres devem ser decorativas, devem viver em função de seduzir homens. Até na hora de dormir sozinha precisamos estar maquiadas! 
Não preciso nem falar no quanto esta "cagação de regra" é elitista. 
Todo mundo conhece o "ditado" "Não existe mulher feia, existe mulher sem dinheiro", ou, mais direto ainda, "Não existe mulher feia, existe mulher pobre", associando assim, na cara dura, pobreza à feiura. Ai de você, mulher pobre, que não tem grana ou tempo para um banho de loja ou uma academia ou uma cirurgia plástica. Seu destino é ser fotografada sem permissão na rua para servir de exemplo negativo de aparência (e ai de você se você tem dinheiro -- meu caso -- mas tem mais o que fazer além de se render a um padrão inatingível de beleza. Você também será perseguida). 
Mas sabe o que é bacana? É que o segundo look, de uma mulher com camiseta, bermuda ou short e chinelo, é o que eu mais vejo na rua. Aliás, não só na rua, mas nas universidades também. Grande parte das alunas se veste desse jeito, pelo menos aqui no Nordeste, que é quente pacas. E elas se sentem ótimas, confortáveis, poderosas. Óbvio que nem andar "desleixada" as salva de serem assediadas na rua, mas esse é outro assunto.
Só concordo com a última parte do texto da jornalista: "Eu ficaria com vergonha de mim mesma". Sim, estamos com vergonha de você, Lolô.
A terceira notícia é que a TV estatal do Marrocos deu dicas de maquiagem para cobrir marcas de violência doméstica. Em vez de combater e eliminar essa violência que afeta tantas mulheres pelo mundo, a emissora decidiu escondê-la. E não sei se o timing influi, mas também foi totalmente errado: o tutorial foi ao ar no dia 23 de novembro, dois dias antes do Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres. 
O tutorial de maquiagem, em que a sorridente apresentadora instrui "Depois do espancamento, essa parte do rosto ainda está sensível, então não pressione", foi amplamente repudiada em todo canto. As feministas marroquinas começaram uma petição clamando para não cobrir violência doméstica com maquiagem. E a TV se retratou.
A conclusão bastante óbvia dessas três notícia recentes está no título do post. Não vou repetir o que vocês já sabem. 

quarta-feira, 18 de maio de 2016

QUANTO DO QUE FAZEMOS É POR IMPOSIÇÃO?

A Ana, que me parece que ainda está se descobrindo feminista, fez uma série de questionamentos. São reflexões interessantes. Podemos debater um pouco sobre elas? (sem insultos, sem trolls -- é possível?).

Sempre tive uma veia feminista, ainda que tivesse receio de assumir, por falta de informações a respeito do movimento. Sempre tive muitos questionamentos, e recentemente me veio à baila o seguinte raciocínio:
Nunca senti vontade de usar vestimenta considerada muito “feminina”, “chamativa”, “decotada”. Esse distanciamento com relação à preferência por roupas desse feitio me trazia uma incógnita -- por que muitas meninas e mulheres gostam desse tipo de roupa? Uma resposta possível, porém questionável, seria a de que vivemos em uma sociedade livre, em que temos o direito de nos vestir como bem entendemos.
Comecei a ler o livro Backlash, da Susan Faludi, em concomitância com O Mito da Beleza, da Naomi Wolf. Qual não foi minha surpresa ao encontrar posts no seu blog referentes às duas obras. E em decorrência disso pensei em escrever a você sobre o assunto.
Em um post, é citado o caso da criação da Victoria’s Secret. A fatia mais significante de compradores era na época composta por homens.
As mulheres da época, de acordo com a pesquisa publicada no livro, não se interessavam por aquele tipo de lingerie, optando por peças mais confortáveis. Voltando aos dias de hoje, vejo muitas mulheres consumindo peças cheias de laços, rendas, fio-dental (!), apertadas, com enchimentos, cheias de presilhas e clipes. Algumas gostam de investir em corsets. 
Sei que elas usam para se “sentirem bem” consigo mesmas, mas sei muito bem que a opinião masculina exerce uma pressão que não deve ser ignorada. 
Já ouviu por aí uma certa ojeriza a expressão “calcinha bege”? Pois bem, há marmanjos (e mulheres) que dizem por aí que acham feia roupa de baixo simples, “cor de pele”.
Em relação a outras peças, hoje vemos no dia-a-dia e em desfiles de moda feminina a exposição do corpo. 
Vestidos colados, decotes pronunciados, shorts e saias super curtos. Vivemos no Brasil, país de clima quente, e faz sentido usarmos roupas frescas. Mas aí entra um ponto do meu questionamento: até onde vai nosso poder de escolha e até onde somos condicionadas a ostentar partes do nosso corpo sexualizadas pela parcela masculina da população? 
Tenho problemas em encontrar shorts que cubram metade da canela, a regra é short ultra curto. Dizem que vende mais, mas “vende mais porque é fresquinho, ou é fresquinho porque vende mais?”. Peças cavadas e decotadas são o hype. Fomos nós mesmas que assim decidimos? Pelo que sei da indústria da moda, tenho sérias dúvidas. Antes mostrar a pele era tabu. Hoje, parece que criamos um tabu novo.
Entendo muito pouco de pornografia. Já ouvi dizer que parcela do que usamos no nosso cotidiano já foi fetiche exibido em filmes para as gerações passadas. Creio que há quem diga que nossa indumentária contemporânea é fruto da libertação sexual da mulher. Mas será mesmo? Não estamos vivendo um conservadorismo velado, às avessas? Nossas festas de carnaval exibem mulheres nuas, nossa sociedade nos conserva reprimidas. Podemos (e até devemos) trabalhar fora de casa, porém os papéis de gênero seguem quase intocados para grande parcela da população.
Um trecho do livro Cisnes Selvagens, da autora chinesa Jung Chang, cita brevemente que o comunismo de Mao acabou com o poder de decisão das pessoas sobre o que vestir. A vontade de se expressar através de indumentárias existia, mas era completamente reprimida. Estamos longe desse tipo de realidade cruel. Algumas religiões ultraconservadoras pregam o uso de certo tipo de vestimenta, mas por lei ninguém é obrigado a se submeter. Estaria a lei nas nossas mentes? Inculcadas?

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

GUEST POST: O USO ARCAICO DO SUTIÃ

Eu sonho com o dia em que usar sutiã não seja mais uma exigência.
Feministas jogam imposições na lata
de lixo da liberdade
Odeio sutiã. Mas não é verdade que feministas americanas queimaram sutiãs num protesto no final da década de 60. Numa performance simbólica, elas jogaram sutiãs e outras imposições estéticas, como batom, numa lata de lixo. Como na época jovens idealistas estavam queimando as convocações que os obrigavam a ir matar gente na Guerra do Vietnã, os jornalistas confundiram as estações, e a lenda de "feministas queimam sutiã" nasceu. 
Feministas do século 21 brincando de
queimar sutiãs para celebrar a lenda
Antes que alguém pergunte, sim, é perfeitamente possível ser feminista e usar sutiã (certeza absoluta que a maior parte das feministas usa), espartilho, salto alto, maquiagem, se depilar etc. Não é importante o que cada mulher faz individualmente. Porém, é fundamental questionar o sistema que obriga mulheres a usar sutiã para manter os seios num formato "aceitável" (pergunte qual), e também para domá-los, para que não se mexam quando a mulher se move. 
Eu me lembro bem quando tinha 15 anos e tinha tudo firme, "tudo no lugar", como o padrão machista costuma dizer, e fui a uma boate dançar com alguns amigos. Fui com uma jaqueta de nylon fechada, sem camisa ou sutiã por baixo, e dancei até me acabar. Depois, um amigo de infância que estava no grupo me disse que se sentia desconfortável ao sair comigo assim, pois meus peitos pulavam muito. 
Foi aí que aprendi uma das funções do sutiã: aprisionar o corpo feminino.
Marina Oliveira tem 18 anos, é estudante de psicologia e "feminista por questão de sobrevivência", como ela se define. Ela me enviou este texto seu:

Em 1914 Mary Jacob patenteava o sutiã como o conhecemos hoje. Mary teve a ideia de criá-lo após revoltar-se com o desconfortável uso do espartilho. E apesar de ter sido criado através de um ato de “rebeldia”, o sutiã representa atualmente, mais de um século depois, uma ditadura velada, similar a tantas outras vividas pelas mulheres, não apenas em suas vestimentas.
As limitações impostas às meninas desde a infância são exemplo disso. Crianças do sexo feminino são presenteadas com bonecas e utensílios domésticos, que remetem, por sua vez, à maternidade compulsória e à posição social esperada da mulher para com seu lar e sua família, o que gera, desde a primeira infância, barreiras internas na menina, barreiras essas que, não raramente, desencadeiam futuras depressões e complexos.
Ademais, na adolescência as imposições que remetem à inferioridade da mulher continuam, e tal posição é sempre lembrada. A jovem mulher é ensinada a reprimir seus desejos sexuais enquanto o homem é incentivado a exacerbá-los. Dessa maneira cabe à mulher se comportar de modo “feminino” e recatado. Deve sempre se depilar, se manter no peso “adequado”, cuidar do cabelo, manter a pele limpa, e, é claro, usar sutiã (nosso fiel escudeiro há mais de cem anos). A menos que não queira ser rotulada como “para casar” e queira “ficar para titia”. Afinal, sempre foi deixado claro que o objetivo da vida feminina é agradar e casar com um homem.
Protesto feminista nos
anos 60: mulheres não
são pedaços de carne
Sendo assim, tal objetivo é reiterado na vida adulta da mulher, que estressada com tantas limitações e cobrança, é incentivada a ter um filho para alegrar sua vida “incompleta”. Apenas lhe é omitido um pequeno detalhe sobre o fato de ter um bebê: a dupla jornada ou o abandono de sua carreira, ainda que escolhida de forma limitada, pois segundo o PNDA de 2009 apenas 20% de profissionais de TI são mulheres, e 79% das graduandas desistem do curso, enquanto de acordo com o INEP de 2012, o curso preferido pelas mulheres é o de pedagogia.
Além da escolha limitada da carreira, a mulher ainda enfrenta outros obstáculos no mercado de trabalho, que variam desde a disparidade salarial até o assédio sexual, adversidades que atrapalham o crescimento da mulher no emprego e limitam a representatividade feminina nas lideranças. Prova disso é que, dos 195 países independentes, apenas 17 são governados por mulheres.
Fica claro então que a mulher se libertou do espartilho, conquistou o direito à educação e ao voto. Mas ainda é preciso livrar-se de muitas amarras para vencer a estigmatização e a inferiorização, ainda sofridas pela mulher através de ditaduras tão veladas e arcaicas quanto o uso do sutiã.

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

HOMENS DECIDEM O QUE AS MULHERES VESTEM

Acho que quem não conhece vai gostar de saber desse caso contado por Susan Faludi no seu livro obrigatório, Backlash: o contra-ataque na guerra não declarada contra as mulheres
Backlash fala da reação conservadora lançada na década de 1980 para fazer as mulheres regredirem nas conquistas que tinham alcançado nos anos 60 e 70. É um livro importante e delicioso, que você pode ler aqui, grátis, com tradução de Mario Fondelli para a Rocco.
Na primeira metade da década de 80, as mulheres americanas compravam menos roupas. Faludi cita uma pesquisa que mostra que, entre 1980 e 86, mais de 80% das entrevistadas disseram que detestavam comprar roupa. 
Faludi atribui isso em parte à crise econômica, mas também ao fato de que as mulheres estavam mais ocupadas comprando casas, carros e planos de saúde. 
O mercado da moda tentou lidar com a queda na procura aumentando o preço das roupas, que subiram em média 30%. Não adiantou. A mídia tinha até um mote pro que acontecia: "revolta contra a moda". 
Criação de Arnold Scaasi
Outra explicação para a queda nas vendas foi que, pra variar, os estilistas pensavam suas peças para jovens altas e magras. A moda era a "alta feminilidade", cheia de babados e fru-frus. Arnold Scaasi, um dos criadores dessa "tendência", confessou que ela era "uma reação ao movimento feminista, que foi uma espécie de guerra". Lacroix lamentou que, com o feminismo, as mulheres pararam de dar importância à moda -- "só restaram como clientes [da alta costura] as princesas árabes e senhoras da nobreza europeia". 
Faludi lembra que essa revolta das consumidoras já havia acontecido quarenta anos antes, em 1947. Durante a Segunda Guerra, as mulheres usaram calças, sapatos de salto baixo, suéteres largos, e não quiseram voltar a se vestir como antes. Christian Dior lançou o "New Look", uma volta ao visual da era vitoriana, que exigia cintas para deixar a cintura com menos de 40 cm. No final da década de 40, a mídia declarou que Dior havia vencido a batalha. 
Christian Dior e seu new look no
final dos anos 1940
Como aponta Faludi: "Em todos os períodos de backlash (reação conservadora), a indústria da moda contra-atacava produzindo roupas punitivamente restritivas e a imprensa ligada à moda exigia que as mulheres as usassem". Até porque "a insegurança pessoal é a grande força motriz do consumo". Um estudo do começo dos anos 1980 mostrou que as mulheres que menos consumiam eram as mais seguras e independentes.
Griffith é observada por
Ford em Secretária
O discurso nos anos 80 foi que as conquistas feministas estariam roubando as mulheres de sua "natural feminilidade". A porta-voz do Conselho de Moda Íntima se queixou: "Estamos enfrentando uma crise de identidade e nos vestindo como homens". A gente vê isso direitinho numa cena de um grande sucesso do cinema na época, Uma Secretária de Futuro, de 1988, em que Harrison Ford, ao conhecer Melanie Griffith, a elogia por ela usar um vestido preto e se vestir "como mulher", e não como homem (com blazer, por exemplo), como faziam as outras executivas na vã tentativa de, quem sabe assim, serem levadas a sério.
A moda investiu muito para feminilizar as consumidoras, principalmente as executivas. Calvin Klein, ao lançar uma coleção de minissaias, afirmou: "Nós nos baseamos no desejo das mulheres". Um fabricante de roupas de Los Angeles justificou que as mulheres no ambiente de trabalho "querem que os homens olhem para elas como mulheres. Veja primeiro as minhas pernas, não a minha competência". 
Houve um esforço enorme para aquecer o mercado de moda íntima, que também estava em baixa. 
Melanie Griffith em Secretária
Bob Mackie, um estilista de Hollywood, lançou no final da década de 80 uma coleção de lingerie praticamente idêntica à que ele havia criado no início da década, e que havia sido um fracasso retumbante. Porém, segundo ele, agora seria diferente: "As mulheres agora querem lingerie muito feminina". O cinema fez o possível para alavancar essa "tendência", com cintas-ligas e sutiãs meia-taça em ampla exposição em Bull Durham, Uma Secretária de Futuro, e, óbvio, Ligações Perigosas.
Como diz Faludi, "a lingerie do fim da década de 1980 celebrou a repressão, não o florescimento, da sexualidade feminina. A senhora vitoriana ideal para a qual ela tinha sido originalmente criada não devia ter, afinal de contas, libido alguma" (pg. 198).
Alguns anos antes, um americano chamado Roy Raymond pensou no tema vitoriano por ter sido, segundo ele, um tempo feliz e romântico. Ele abriu uma butique especializada em lingeries num shopping da Califórnia tendo em mente pessoas como ele -- homens. Mas pegava mal dizer que a loja era de um homem vendendo lingerie sexy pra mulheres, então ele colocava em seu catálogo uma carta pessoal de "Victoria", conclamando as consumidoras para "minha butique". Na mídia, Raymond nunca aparecia. Só a esposa dele, Gaye. A loja, evidentemente, se chamava Victoria's Secret.
Em 1982 uma empresa, a Limited, comprou a marca por um milhão de dólares e a transformou numa cadeia nacional. Em cinco anos, a franquia já contava com 346 lojas nos EUA. Faludi narra uma típica loja da Victoria's Secret em 1988, com prateleiras cheias de tangas de seda e ursinhos de pelúcia:
"Perguntadas se estavam ali atrás da lingerie vitoriana, duas clientes dizem que não com a cabeça. Até a gerente Becky Johnson admite que só compra 'as boas e velhas calcinhas e sutiãs básicos'. Então, quem é que está comprando a porcaria vitoriana cheia de babados? 'Os homens', respondeu Johnson.
Embora os homens representem de 30 a 40% dos clientes das lojas Victoria's Secret, são responsáveis por quase metade do volume do faturamento, estimam os gerentes da empresa. 'Os homens são ótimos', suspira uma das vendedoras da loja de Stanford. 'Não medem esforços para ter o que querem.'
Um espécime dessa raça entra na loja justo nesse momento. Jim Draeger, um advogado de 35 anos, ignora o balcão de ofertas e vai diretamente para as prateleiras de bustiê. 'Venho aqui desde 1980', diz ele, analisando um corpete de seda. 'Esse tipo de roupa torna a mulher mais sensual'" (pg. 201).
Um fato que eu não sabia é que Raymond cometeu suicídio aos 46 anos, em 1993, pulando da famosa ponte Golden Gate. 
Se o criador da marca e a Limited tiveram que suar na década de 80 para convencer as consumidoras a trocar calcinhas e sutiãs "práticos" por lingerie com rendas ou fio-dental, hoje isso não é um problema. Em 2012 a Victoria's Secret faturou 6,12 bilhões de dólares.