quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

ASILO É O CAC*TE

Este singelo post foi publicado há duas semanas no FB de Elba Barbosa. Reproduzo-o aqui, com algumas observações no final. 

O casal que fazia um cruzeiro no Mediterrâneo notou uma senhorinha e a tripulação do barco, garçons, ajudantes etc. Todos muito íntimos dela. O casal perguntou ao garçom sobre a velhinha e descobriu apenas que ela estava a bordo nas últimas quatro viagens, ida e volta. Uma tarde, finalmente, o casal abordou a senhora e perguntou sobre as viagens. E ela respondeu singelamente.

“Ficar viajando, ida e volta, sai mais barato que um asilo para velhos nos Estados Unidos. Não ficarei num asilo nunca e, de agora em diante, fico viajando nesses cruzeiros até a morte”.

E continuou: “O custo médio para se cuidar de um velho nesses asilos é de US$ 200 por dia. Ganho desconto quando compro os cruzeiros com bastante antecipação, somado ao desconto para pessoas de mais idade. A viagem me sai US$ 65 diários e mais: pago US$ 10 dólares diários de gorjetas. Tenho mais de dez refeições diárias se vou aos restaurantes. Posso ter o serviço na minha cabine, o café da manhã na cama todos os dias da semana. O barco tem três piscinas, um salão de ginástica, lavadoras e secadoras de roupa grátis, biblioteca, bar, internet, cafés, cinema, show todas as noites e uma paisagem diferente a cada dia. Creme dental, secador de cabelo, sabonetes e xampu. Sou muito bem tratada como cliente, não como paciente. 

E completou: "Conheço pessoas novas a cada sete ou 14 dias. TV estragada? Trocar a lâmpada, o colchão? Não tem problema. Lavam a roupa de cama todos os dias. Se cair e me machucar em algum barco da empresa, vão me acomodar em uma suíte de luxo pelo resto da vida. Agora, o melhor. Viajo pela América do Sul, Canal do Panamá, Taiti, Caribe, Austrália, Mediterrâneo, Nova Zelândia, pelos fjords, pelo rio Nilo, Rio de Janeiro, Ásia. Basta escolher. Por isso, não me procurem num asilo para velhos. Viver entre quatro paredes e um jardim como paciente de hospital? Nunca! Ah! Se eu morrer, me atiram ao mar, sem nenhum custo adicional. Para que vou parar de viajar?”

Minhas observações. Primeiro: é verdade sim que asilos para idosos nos países ricos são caríssimos, mas não tanto quanto 200 dólares por dia (embora aqui apresentem uma figura ainda mais alta, e outras cifras indiquem mais de 900 dólares a diária!). Em média, para um idoso ter um quarto particular com cuidados de saúde custa US$ 8,517 por mês. Ainda assim, muito mais do que ganha um aposentado, que recebe entre 44 mil e 67 mil por ano. 

Ou seja: é bacana a dica da senhora do cruzeiro (óbvio que não em tempos de pandemia), mas isso é para muito poucos. Pra quem ganha em real, então... Os 75 dólares diários (porque deixar de dar gorjeta não é opcional) equivalem a cerca de 412 reais por dia, ou mais de 150 mil reais por ano. E outra: é mais apropriado calcular em euro, não em dólar, porque tudo num cruzeiro é cobrado em euro, ainda mais caro que o dólar.

Existe sim a possibilidade de se aposentar num cruzeiro, o que, apesar de caro e disponível para pouquíssima gente, ainda pode ser mais barato que outras opções, cerca de US$ 213 por dia, ou quase 80 mil dólares (R$ 440 mil) por ano por pessoa (lembrando-se: esta é a média. Há cruzeiros mais baratos e outros, de luxo, muito mais caros). Existem programas específicos para aposentados que querem viver num navio (spas, compras, academia de ginástica, enfermaria a bordo, acessibilidade). 

Em compensação, a maior parte dos cruzeiros não permite ter bichos de estimação. Mesmo que você tivesse essa fortuna, conseguiria viver sem seus gatos ou cães? Onde você guardaria o que tem? Outra coisa: wi-fi em cruzeiros é super caro e não é boa. Não faz parte da tarifa. Viver num cruzeiro é basicamente viver sem internet. Ah, e outra: você vai precisar ter um plano de saúde. E você ainda paga imposto de renda.

Ao contrário do que sugere a senhora, quem morre num cruzeiro não é atirado ao mar. Duzentos passageiros morrem por ano em cruzeiros, a maioria de causas naturais, porque boa parte do público desses navios é de aposentados acima de 70 anos. Ser romanticamente jogado no mar não é uma alternativa. Em geral, os cadáveres são discretamente guardados numa espécie de necrotério no navio, e entregues no porto mais próximo (alguns países se recusam a ficar com o corpo). Depois cabe à família do morto lidar com toda a burocracia e com os custos de transportar a pessoa para onde ela vivia. 

Lógico que viver num cruzeiro parece ser muito mais bacana para passar o fim da vida que um asilo, mas não acho que seja esse passeio não.

5 comentários:

avasconsil disse...

Me lembrei desse vídeo que vi não faz muito tempo sobre as pensões em Portugal. Em 2017 a média das pensões era de 374 euros, convertidos pra o valor atual do euro, uns 2.400,00 reais. Não dava e não dá pra muita coisa. É o que o vídeo mostra: https://youtu.be/JMn-0tpHk1g . Aqui no Brasil a velhice também não é fácil, não preciso nem dizer, todo mundo sabe. Vai ficar ainda pior à medida que as pessoas se aposentarem sob as novas regras da reforma da previdência. Hoje em dia ainda é comum nas famílias o avô ou a avó ajudar com as despesas dos netos, principalmente quando o aposentado é servidor público, sob as regras antigas da integralidade e da paridade. As gerações mais novas estão e estarão mais pobres e com tendência de empobrecimento. Os aposentados das próximas décadas mal terão o dinheiro pra suas próprias despesas básicas, mesmo os das categorias de trabalhadores que a grande mídia aponta como os ricos do Brasil. O resultado disso vai ser a aceleração do envelhecimento da população brasileira. Os casais e os avulsos terão cada vez menos filhos, biológicos ou adotivos, pra poupar pra quando estiverem velhos e aposentados (isso os que, mesmo sem filhos, ganham/ganharem o bastante pra poupar alguma coisa. São/serão cada vez mais raros no Brasil). Com uma população cada vez mais velha, mais gastos previdenciários e mais reformas da previdência virão no futuro, empobrecendo ainda mais a maioria, num círculo vicioso sem fim. Dos muito ricos não se tira nada. Só se tira de quem precisa trabalhar pra viver. Só a união e a articulação da sociedade civil alterariam esse jogo. Pra produzir essa união e articulação, só um milagre. Fica então a pergunta do Castro Alves: Deus, ó, Deus, onde estás que não respondes? O lado bom é que se o milagre é duvidoso, a morte é certa. A morte põe fim a esse tipo de problema, o das contas e seu pagamento. Mas, quando imagino o futuro da humanidade e o brasileiro, infelizmente ele não me parece bom. Vai vir ainda muita pindaíba pela frente. O quadro só não é mais desanimador porque com certeza não vou ficar pra semente, como dizia minha mãe de vez em quando sobre si mesma quando ela era mais nova do que eu. Ela ainda está viva, graças a Deus. E quando vierem os dias piores que já podem ser antevistos, já terá partido. Minha velhice vai ser pior que a dela. A de quem nasceu depois de mim pior que a minha. E o bom é que a gente não tem certeza se vai mesmo passar por aquilo.

Anônimo disse...

As pessoas da minha família costumam passar dos 90 anos, em grande parte por ter acesso a bons serviços médicos. Se a pessoa mora em um navio e está com algum problema de saúde que dá para resolver, faz o que? Agoniza dias, semanas, meses, até a coisa chegar a um ponto insustentável e morre?

Anônimo disse...

Quem pode, pode. Quem não pode, se sacode.

Anônimo disse...

Já tá pensando e planejando em como vai passar os últimos dias de vida, porco? Deixa eu te dar um spoiler: não vai ser em cruzeiro, nem em asilo, nem em hospital. Vai ser na sua casa mesmo. E a última pessoa que você verá será eu, sendo a última coisa a minha mão puxando o gatilho, bem no meio da sua testa!

avasconsil disse...

https://historiasdomar.blogosfera.uol.com.br/2021/02/06/brasileiro-relembra-momentos-de-panico-em-navio-que-tombou-no-mar/


https://historiasdomar.com/a-incrivel-passageira-que-jamais-desembarcava/