segunda-feira, 5 de outubro de 2020

MODO DE AGIR NA TERRA DAS FAKE NEWS

Já tem dois anos que eu li isso. Sim, foi durante as terríveis eleições de 2018. Guardei aqui no blog pra publicar. O tempo foi passando. 
Vem aí outra eleição, e nada indica que haverá algum combate sério às fake news que a direita aprendeu tão bem a usar. 
Então acho que este texto de Piero Leirner, antropólogo da UFSCar e pesquisador de grupos e instituições militares, continua muito pertinente:

Aí vão algumas dicas de quem está vendo o outro lado agir como uma "campanha militar", e não exatamente política. Talvez seja tarde para dizer essas coisas, mas no segundo turno essa guerra aumentará sua intensidade. Deixo aqui então uma contribuição para o anti-bolsonarismo.
- Tática do Bolso é mentira e dissimulação. Isso vocês já sabem bem. O problema IMEDIATO é o COMO eles mentem, e não SE eles mentem. Já sabemos que não vai ter como desmentir tudo.
- TUDO QUE SE FALAR CONTRA BOLSONARO SERÁ RESPONDIDO POR ELES COM SINAL TROCADO. Não adianta acusá-lo de "roxo" achando que vai forçá-lo a dizer "amarelo", pois é mais provável que ele responda "uva".
- Por isso, insisto de novo: eles estão usando táticas de Operações Psicológicas que estão em manuais de guerra de 3a e 4a gerações (assimétrica e híbrida). Cansei de ver isso. É a filigrana dos "Human Terrain Systems" norte-americanos, usam muita psicologia, linguística e antropologia. E não tem marqueteiro, é uma tática de dissipação, e os agentes, ao assimilá-la, dão prosseguimento ao formato.
Então vamos lá, alguns pontos interessantes sobre isso:
1) a maior parte da informação deles é passada em rede. Isso não se deveu só aos 8 segundos de TV, mas ao fato de que essa ferramenta desestabiliza os canais tradicionais e traz um "empoderamento" ao "cidadão comum". As teorias da guerra híbrida usam as redes de comunicação descentralizadas para desestabilizar nações; desestabilizar uma campanha eleitoral de adversário é fichinha. Não sei se é eficaz a essas alturas responder apenas no sentido de "negar as fake news", tem que produzir um contra-discurso (não estou sugerindo fake news, é claro) que opere na mesma lógica;
2) essa estrutura de rede foi muito bem aprendida pelas FFAA norte-americanas no Iraque e Afeganistão. Não tem cabeça, elas operam de forma mais ou menos autônoma. Não duvido que a essas alturas o bolsonarismo já é um tanto independente do seu emissor central: as redes estão fazendo campanha por si próprias, e agem como estações repetidoras umas das outras. Como a maior parte delas é semi-fechada e independente, e só mantem conexões parciais entre si, isso garante a sua eficácia: se uma "célula" cai, outras ocupam o espaço;
3) a descentralização e horizontalidade dessas redes criam essa sensação de maior amplitude, indestrutibilidade, resiliência, e, o que é mais importante, resistência à comunicação exterior que venha de um emissor que atua em outra esfera de consagração; por exemplo, a Globo, a campanha eleitoral. Tudo vai ser "mentira", só se aceita aquilo que está na própria "célula" e em outras "confiáveis". Não adianta dizer que a Veja é de direita e publicou aquela matéria: trata-se de uma "imprensa suja e esquerdista", toda ela. É preciso entender que para esse mecanismo funcionar ele precisa abandonar toda emissão de signos "de fora". Lembra do Matrix? Pois é.
4) ao mesmo tempo, é preciso perceber que eles não abandonam totalmente uma referência aos centros. No entanto, estes são etéreos: toda essa tática é fundada na ideia de que eles visam um "bem maior", moral, Deus, família, etc. Por isso mesmo esse pessoal vai bater muito na tecla do identitarismo, trata-se de jogar o adversário para a ideia de que ele só quer representar "grupos pequenos". 
Para cada vez que você falar "mulher", eles vão responder com uma "perversão para a família", tipo "mulher lésbica". Manuela será o principal foco de ataque nesse campo, pela história política dela. Vão bater que ela é comunista e traz o "perigo vermelho". Vão abusar da Venezuela. Não adianta responder com "Finlândia". Mas é possível, por exemplo, mostrar alguma foto de Manuela fazendo turismo na frente de uma igreja na Europa. 
Quando eles vierem com "kit gay", vocês contra-atacam com Haddad jogando futebol. O ponto é esse: quando eles vierem com a "uva", vocês respondem com "suco", não com "banana". É básico, nessas PsiOps, que sempre se opere com uma "shifting scale", tirando o pé da referência que o emissor inimigo enviou, e sempre com mensagens subliminares. Por exemplo, mostre a cena de uma caminhada de Haddad e Manuela pela rua, passando por um muro com uma imagem do palhaço Bozo. Depois é só deixar o apelido colar no próprio fora de nossas redes.
O que fazer para minar essa tática é realmente um problemão. Certamente há muita coisa para resolver em uma campanha, estou longe de saber como se faz isso. No entanto, se fosse seguir os manuais de contra-insurgência que pensam esses assuntos, sugeriria que se dedique alguns segundinhos a isto: atuar onde eles menos esperam, usar mensagens subliminares, fugir dos lugares que eles estão associando a vocês. Mostrem várias imagens do Moro com tucanos de black-tie, com militares, em paraísos fiscais. É preciso deixar bem claro que estes são agentes coligados, e que a situação atual de Lula se deve à política, que isso não tem nada a ver com justiça. Não adianta só falar, tem que mostrar imagens que sugiram por A+B essa história. Ela deve ser montada na cabeça das pessoas (e não vir pronta), elas têm que acreditar que chegaram a isso pelas próprias convicções.
Outra coisa: é preciso passar, de maneira inconsciente, a ideia de que a "mudança" que Bolsonaro propõe não é "reestabelecer a ordem", mas propagar o caos. Use e abuse da imagem de um vice-presidente que não aceita comando do seu chefe, e que Bolsonaro representa um perigo à hierarquia militar. 
Sugira que ele pode causar instabilidade nas Forças Armadas e que isso pode levar a um golpe (lembrando que é preciso conversar com os comandantes, e mostrar que isso representa um perigo real. Eles sabem disso, mas é bom se deixar claro que o lado de cá sabe também e que está preocupado com isso). Associe ele ao Collor, isso é fácil demais. Não precisa fazer essas coisas diretamente, basta jogar imagens, e deixar a nossa rede funcionar também.

2 comentários:

Anônimo disse...

Eu lembro desse texto! Muito bom!

Anônimo disse...

Achei que a eleição desse ano fosse pra Prefeito e Vereador. Mas já estão adiantando a eleição pra Presidente? Legal! Assim gasta-se menos tempo, dinheiro e o saco do povo. Só isso justifica!