Enquanto a gente segue festejando a vitória avassaladora do MAS (Movimento ao Socialismo) na Bolívia já no primeiro turno, bolsonarista e demais reaças de todo o continente estão assustados. Um político de extrema-direita cujo nome nem vale a pena mencionar disse hoje: "Não se enganem, a esquerda latino-americana está se reagrupando e logo tentará tomar o Brasil!"
Pode apostar, otário!
Nas últimas semanas antes do pleito, a presidenta interina Jeanine Añez e outro candidato, Tuto Quiroga, renunciaram a suas candidaturas para "evitar o triunfo do MAS". Não adiantou. O MAS ganhou no primeiro turno.
E a direita em todo mundo, Brasil incluso, está inconformada com esse triunfo. Assim como Bolso e sua turba festejaram o golpe na Bolívia em novembro de 2019, até agora não disseram nenhuma palavra oficialmente sobre as eleições. Até o governo americano, que patrocinou o golpe por baixo dos panos, como de costume, parabenizou o novo presidente, Luis Arce.
Ainda há muito a fazer na Bolívia, lógico. Até porque os povos indígenas continuam correndo perigo. Vale lembrar que o golpe contra Evo Morales foi também um golpe racista contra o primeiro presidente indígena da Bolívia, um país com ampla maioria indígena que até então fora governado pela minoria branca.
Adriana Guzmán, referência do feminismo comunitária na Bolívia, tem etnia aymara e é integrante da organização Feministas de Abya Yala. Seleciono aqui alguns trechos da entrevista que Adriana deu ao Brasil de Fato um pouco antes das eleições. Leiam e vejam as semelhanças com o Brasil.
Uma [das] principais funções [de quem foi escolhido para administrar o golpe] era convocar eleições, por isso se fizeram chamar como “governo transitório”, uma ficção, já que, na verdade eles são um governo interino, não um governo transitório, porque um governo transitório não faz massacres, não entra [no governo] através do motim das forças policiais, nem com as forças militares.
As eleições foram suspensas quatro vezes entre maio e setembro. O resultado disto foi o desgaste da palavra do governo, um desgaste que se estende ao Tribunal Supremo Eleitoral, sendo esse o aspecto mais crítico destas eleições, já que ninguém acredita no Tribunal Eleitoral.
Finalmente, a eleição foi marcada para 18 de outubro, mas somente após pressões das organizações sociais em agosto, através dos bloqueios de estradas e manifestações.
Embora, nós, como organização, esperávamos que as eleições não seriam realizadas em 18 de outubro se não fossem mantidas para 6 de setembro, porque muita gente ficou frustrada depois de terem estado nas ruas durante 10 dias, em greves de fome, em bloqueios de estradas. Naquele momento, havia uma força significativa com apenas um pedido que era "Fora, Añez!". No entanto, ficou decidido que isso seria resolvido nas urnas, como se isso fosse possível. Se isso é possível é o que me pergunto, porque os governos interinos nunca entregam seu poder nas urnas.
Uma segunda dimensão é a questão da saúde. Temos vivido um golpe com uma pandemia. Então, ao invés de agir, o governo de Añez aproveitou a pandemia para manter a perseguição, a militarização e repressão, o uso desproporcional de forças policiais e militares, o controle do espaço público, a prisão daqueles que estavam tentando vender alguma coisa para sobreviver.
Nós chamamos isso de abandono genocida do Estado, já que foi uma decisão, e esta decisão causou mais de 5 mil mortes. Foi uma decisão do Estado, porque eles não habilitaram os hospitais necessários.
Sobre as organizações sociais: As organizações sociais têm recuperado a força e a auto-organização durante este ano. Embora o golpe nos tenha afetado muito, primeiro porque nos pegou debilitados, já que não estávamos esperando um golpe. Muitos de nós nunca havíamos sequer experimentado um golpe. Então, tem sido muito difícil recuperar nossas forças, nosso estado de ânimo, sair do medo da perseguição. Mas, frente a isso, nossa capacidade foi fortalecida, a possibilidade de mostrar nossa raiva contra o golpe, a luta contra a impunidade, todos esses sentimentos se uniram, a nossa força se reconstruiu e em agosto mostramos isso.
Penso que pouco a pouco as organizações de base estão se fortalecendo com um objetivo comum que é o de acabar com o golpe.
Sobre as graves violações dos direitos humanos da parte do governo interino: Acredito que sistematicamente há crimes contra a humanidade. O que aconteceu no ano passado, em novembro, o massacre de Huayllani, o massacre de Ovejuyo, dos quais ninguém fala, o massacre de Senkata, as repressões em K'ara K'ara.
Então, esses são crimes contra a humanidade, porque foi a instituição do Estado, a força do Estado que se abateu sobre civis desarmados, porque ninguém estava armado lá, não há tais confrontos como eles dizem. [...] Tem havido crimes contra a humanidade sobre a população indígena, contra as mulheres de “pollera” (mulheres dos povos originários, em referência às saias e demais vestes tradicionais que usam), violência contra crianças e adolescentes, e tudo isso está no informe da Defensoria do Povo, está no informe da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e nos informes que organizações sociais nacionais e internacionais têm feito.
Sobre o racismo do golpe: Primeiramente, acho que o golpe na Bolívia foi um golpe contra o povo e um golpe racista. Precisava ser racista, porque aqueles que fizeram um processo de transformação do Estado, das comunidades, do território, da educação, da economia, foram justamente os povos indígenas originários e camponeses.
Somos nós os que nos chamamos Aymaras, Quechuas. Então precisava ser racista, porque a mensagem é sobre nós, povos indígenas, o que significa: "Eles não podem se governar", "eles não podem se autodeterminar", "nenhum Estado Plurinacional, vamos voltar à República", "nenhuma Pachamama, vamos entregar o país nas mãos de Deus", "sua whipala (bandeira dos povos originários) não tem valor, aqui se respeita a bandeira [da Bolívia]".
Por isso, todo este discurso atenta contra a autonomia dos povos, contra a capacidade de autogoverno, não apenas na Bolívia, mas na região, porque esta é uma mensagem para os povos do mundo.
Imagina que na Bolívia 63% da população é indígena e tem força para discutir uma Assembleia Constituinte e promovem um golpe [contra nós]. Então, é um golpe contra os Maias na Guatemala, os Tsotsiles, Tzeltales no México, enfim, é um golpe contra todos os povos do mundo.
2 comentários:
Ando tão desanimado. Acabei de ver uma live sobre a reforma administrativa, que junto com outras PECs formam uma reforma muito mais ampla, de estado. Numa dessas propostas de emenda tem a inserção do equilíbrio financeiro intergeracional, pintado como um novo direito social, que, na prática, vai permitir ao estado descumprir direitos dos viventes atuais sob a desculpa de economizar pros viventes futuros. Com base nisso vão poder, por exemplo, obstar o judiciário de impor ao poder público a obrigação de fornecer medicamentos e tratamentos médicos aos mais pobres, no Brasil ultraneoliberal, 99,99% da população. Vão poder reduzir aposentadorias e pensões, pois a ideia é sobrepor o novo direito a garantias como o direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. Deixar de pagar direitos sociais como férias e décimo terceiro, tudo, teoricamente, pra não comprometer o futuro de quem ainda não nasceu, mesmo matando quem já tá vivo. Mas a gente sabe muito bem que o que realmente se quer é economizar ao máximo pra o mercado financeiro continuar sugando o orçamento público como um grande e poderoso ralo. A vitória da esquerda na Bolívia é um alento. Mas só vai se consolidar se esTrumpício realmente perder as eleições nos EUA. Aqui no Brasil, porém, a sociedade visualizável com a aprovação de todas as PECs que estão tramitando, caso aprovadas como estão, é digna de Mad Max ou outros filmes pós-apocalípse. Se engana feio quem acha que só os servidores públicos atuais e futuros vão se lascar. Nos lascaremos todos e, pra tentar reverter, levaremos bala de borracha da polícia cooptada pelo bolsonarismo, que está sendo poupada já com esse propósito, como os membros do MP e do judiciário (todo o sistema de capatazia do estado). Nosso futuro nos próximos 10, 20 é de dar medo.
Pois é, isso é que é povo consciente e patriota. Aqui só temos um bando de babacas entreguistas e burros que acham que ser vassalo dos EUA é o máximo dos máximos. Mais um motivo na minha lista para não ter filhos, como se ainda precisasse de algum. Mas é sempre bom falar sobre como estou fazendo minha parte pra sabotar o sistema.
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