MARIDÃO COM ABSTINÊNCIA DE IR AO SUPERMERCADO TODO DIA

Silvio dentro da boca de um tubarão em museu em Buenos Aires, 2018

Hoje estou muito brava, então vou desabafar. Amanhã publico um post melhorzinho. 

É que Silvinho, vulgo maridão, não está respeitando a quarentena. Eu explico.

Ele adora supermercado. Ama ir a supermercado. Chama de "civilização". Seu único lado consumista se resume a ir a supermercado. Lá ele vê todos os produtos, todas as promoções, e sempre acaba trazendo algo que não precisamos mas que estava em oferta. Se deixasse, ele iria todo dia. E não só a um supermercado, mas a três, porque ele adora comparar preços também. E ele ama frutas. Então até entendo que ele tenha que comprar frutas frescas. 

Mas, né, a gente está numa pandemia. A pior da nossa geração. Até estou fazendo questão de vermos juntos filmes-catástrofes que lidam com doenças contagiosas. Revemos Contágio (de 2011, o que mais tem a ver com o corona) e Epidemia (1995), muito bons. Ontem vimos o coreano The Flu (2013), mas eu não gostei muito e acabei dormindo.

Já estão na lista pra gente ver ou rever: O Sétimo Selo (1957), The Andromeda Stain (1971), Despertar dos Mortos (1978 e 2004), 12 Macacos (1995, me avisaram que tem uma série também), 28 Semanas Depois (2007), Carriers (2009), Ensaio sobre a Cegueira (2011), Planeta dos Macacos: A Origem (2011), O Dia Depois de Amanhã (2004), Eu sou a Lenda (2007), It Comes at Night (2017), The Crazies (2010), Cabin Fever (2002), 10 Cloverfield Lane (2016), The Omega Man (1971), 93 Dias (2016), Cargo (2017), A Estrada (2009), Chernobyl Diaries (2012), Here Alone (2016), Io (2019), e The Rain (2018, série em duas temporadas). Bem antes do corona existir vimos a série The Hot Zone, que não é ruim, mas não é marcante.

Por que estou vendo esses filmes? Porque eu gosto deste gênero de filmes sobre o fim do mundo. Sempre penso: "Se o mundo acabar amanhã ou mês que vem, isso quer dizer que não preciso escrever aquele artigo (e um livro, no momento) que estou enrolando pra escrever?"

Mas acho que, menos conscientemente, eu queira que o Silvinho veja esses filmes pra entender a seriedade do corona. Muitos desses filmes mostram didaticamente como as gotículas de saliva numa tosse ou espirro entram nas bocas ou nos olhos de pessoas próximas. Como um vírus numa superfície pode rapidamente ser transferido pra outra pessoa. 

Silvio é um cara inteligente, joga xadrez -- como todo mundo diz pra usar como sinônimo de inteligência --, e é óbvio que ele sabe de tudo isso. Ele não é um Bolsonaro ou um de seus seguidores acéfalos que chamam o corona de "gripezinha" e acham que o vírus só vai matar velhinhos (como se fosse pouco!). Ele entende a seriedade da crise. Ele mais ou menos entende, eu acho, que ele está no grupo de risco, pois tem 62 anos. Ele sabe que pra minha mãe, que vai fazer 85 anos e mora conosco, pegar o corona seria extremamente perigoso. Mas, ao mesmo tempo, ele não consegue conciliar todas essas informações com o fato de que estamos numa quarentena e que ele não pode mais ir ao supermercado como antes.

O máximo que consegui fazer foi reduzir suas idas ao supermercado para duas por semana. Então hoje ele foi. Entreguei uma listinha com poucos itens (creio que não passava de dez), e minha mãe, uma outra listinha. Falei pra ele ir, se cuidar, não entrar num supermercado cheio, não por as mãos no rosto, comprar o que ele precisasse, planejar, porque só vai ao supermercado novamente na sexta, ir e voltar rapidamente. Ele concordou. Aí sabe o que ele fez?

Foi a três supermercados! Ficou três horas passeando em supermercados, como se a gente não estivesse numa pandemia!

Quando ele voltou, deu a maior bronca. Mas e ele não quis saber. Só respondia "Tá bom, tá bom!", e revirava os olhos, como se fosse o velhinho mais teimoso da face da Terra.

E aí, o que fazer? Expus meu drama no Twitter, e um monte de gente respondeu que com o pai, o avô, o marido, a mãe era igual. Que não conseguiam segurar essas pessoas em casa. 

Alguém sugeriu prender o maridão no porão, uma lenda urbana que mascus inventaram anos atrás. De repente a ideia me pareceu sensata -- exceto que não temos porão. 

Mas eu queria entender o que faz esses caras acharem que não vai acontecer com eles? Que todo mundo é um Jair Bolsonaro, que contamina dezenas de pessoas a sua volta mas não tem o corona (contém ironia: "só a bailarina que não tem")? É só "nascer homem" que causa isso? Isso explica por que homem vive menos, não vai ao médico, não pede direções quando está perdido, não crê que será contagiado numa pandemia? (e, pra piorar, mulheres têm uma taxa de mortalidade inferior aos homens no corona). 

O que vocês sugerem? Sem violência!