quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

UMA MOSTRA DE QUE NEGAR A LGBTFOBIA NÃO TE SALVA DA LGBTFOBIA

Karol ficou famosa ao incomodar manifestantes do #EleNao em Gov Valadares

Anteontem eu estava em SP, participando de um evento, bastante incomunicável, quando vi vários comentários (não aprovados) na minha caixa de comentários aqui do blog. Era o de sempre: por que, sua vagabunda, você não está falando de uma youtuber lésbica bolsonarista que foi brutalmente espancada, sua baranga canalha?
Óbvio que a preocupação do comentarista não era com a moça lésbica, mas com o meu posicionamento. Pra ele (eles?) é fora de cogitação que eu não estivesse conectada à internet, que eu não soubesse do caso, que eu nunca tinha ouvido falar da tal moça.
Só ontem, ao entrar no Twitter, vi do que se tratava. Karol Eller, youtuber lésbica que fez campanha pró-Bolso e conseguiu um emprego na familícia (salário de 10 mil reais por mês), foi agredida enquanto estava num quiosque na Barra da Tijuca, no Rio, com a namorada. As versões variam: 
PM bolsominion divulgou foto do
agressor de Karol
ela e a namorada contam que foram abordadas por três homens com um discurso (elas não dizem, mas:) tipicamente homofóbico e transfóbico ("Está fazendo o quê com isso? Isso é um homem?"), e um deles deu um soco em Karol. Já os agressores dizem que Karol havia cheirado cocaína, estava alterada, e tinha uma arma de fogo na cintura.
Há uma outra versão circulando hoje através deste vídeo, dizendo que foi "agressão mútua", que Karol estava descontrolada e que se queimou por usar cocaína: "ele errou por ter se excedido, e bater numa mulher", diz uma voz feminina no vídeo. "Ela [Karol] errou, por estar portando arma, e por ter se drogado, e por ter ido pra cima dele". 
Creio que a foto que circula do rosto desfigurado de Karol não deixa dúvida alguma que ela foi agredida. A delegada responsável pelo caso já vaticinou: "Trata-se de um caso típico de homofobia". Pois é. O Brasil é o país que mais mata LGBTs no mundo. Karol e o presidente miliciano que apoia negam isso, acham que homofobia é mimimi. E aí vem mais um caso provar que a homofobia existe. É como eu sempre digo: você, como mulher, ou como negro, ou como LGBT, pode ser machista, racista e/ou LGBTfóbica. Mas isso não vai te salvar do machismo, do racismo, da LGBTfobia. 
UPDATE à noite: A delegada voltou atrás na motivação do crime por homofobia após falar com testemunhas do quiosque, que confirmaram a versão do agressor de "agressão mútua". Assim, o acusado não será mais investigado pelo crime de perjúria por preconceito, mas por lesão corporal. Ele disse: "Sou pai de família. Não sou homofóbico, não sou esquerdista".
Karol e sua namorada, uma policial civil, serão indiciadas por denunciação caluniosa. Ou seja, segundo a delegada, não houve crime de homofobia. Karol brigou por ciúmes da namorada.
O Jornal Nacional fez um estrago ainda maior na imagem de Karol. Nesta reportagem, que mostra imagens da câmera de segurança, diz que Karol começou a briga com o acusado (que, pelas imagens, pode ser visto dando dois chutes nela). Uma testemunha narrou que, depois da briga, Karol bateu na namorada, e depois caiu e bateu o rosto no chão. 
A delegada conclui: "O que não podemos admitir é que você utilize uma delegacia, máquina administrativa do Estado, chegue aqui e minta, utilizando de uma causa tão nobre, de uma grande vitória, por parte dos homossexuais, e ela tava aqui banalizando isso e mentindo. Acho triste isso, isso é uma atitude criminosa, e a gente não admite esse tipo de coisa". 
O que me parece é que a esquerda e os movimentos LGBT agiram corretamente: acreditaram na vítima (que aparentemente era Karol), condenaram todo tipo de violência, disseram que homofobia existe sim (além do mais, é importante lembrar que os vídeos não têm áudio). Já a direita ficou como uma barata tonta, acusando a esquerda, e agora deve crucificar Karol. (Fim do update).
Uma coisa que vi ontem no Twitter foram reaças culpando a esquerda de espancar Karol (quando não há qualquer indício disso) ou de não se solidarizar com ela. Quer ver como a esquerda é solidária? Leia qualquer thread sobre o caso, e é raríssimo encontrar gente de esquerda comemorando a agressão a Karol. 
Compare com algo aparentemente sem ligação, mas que aconteceu ontem. Um asqueroso deputado federal do PSL, Carlos Jordy, lançou um tuíte pra sua manada, torcendo que a "decisão" de uma deputada do PSOL ter uma filha a faça ver como está errada em "defender a morte de inocentes". Os comentários são um festival de ignorância suprema e machismo. 
Reproduzo um ótimo post que o ex-deputado federal Jean Wyllys, ativista LGBT exilado, publicou na terça no UOL sobre o caso Karol: 
Ao saber da agressão homofóbica contra a youtuber bolsonarista Karol "Eller" em um quiosque na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, inevitavelmente me veio à cabeça o dito espanhol "cría cuervos y te sacarán los ojos". 
Lésbica, Karol fez e faz parte do time de LGBTs que se prestaram e se prestam a passar pano ou a negar a homofobia de Bolsonaro e da extrema-direita brasileira, e a atacar o movimento LGBT, negando a existência da homolesbotransfobia no Brasil e acusando as pessoas que denunciam essa violência de "vitimistas". 
Mas a vida é real e é de viés, e, por isso, assim como o vereador Fernando Feriado e o humorista Evandro dos Santos –- dois outros homossexuais cheios de homofobia internalizada e que uivaram e uivam com os lobos homofóbicos na esperança vã de que estes lhes poupem -– Karol aprendeu da pior maneira que, sim, a homofobia existe e que os homofóbicos estão se sentindo mais livres para perpetrar violências contra LGBTs desde que a extrema-direita se tornou hegemonia política e Bolsonaro venceu as eleições no Brasil. No rastro da notícia dessa agressão, identifiquei em circulação nas mídias sociais, de imediato, duas formações discursivas relacionadas entre si:
1) Políticos da extrema-direita e bolsonaristas -– que, assim como o próprio Bolsonaro, sempre negaram a existência de homofobia ao mesmo em que a perpetravam de diferentes formas -– cobrando solidariedade dos ativistas LGBTs em relação a Karol; uma solidariedade que esta nem eles nunca tiveram em relação às vítimas da homofobia, ao contrário; 
2) Fake news apócrifas acusando o movimento LGBT e a esquerda de serem os responsáveis pela violência homofóbica que desfigurou o rosto da youtuber lésbica.
Eu tenho estudado, na universidade de Harvard, o fenômeno das fake news e sua articulação com os discursos de ódio. 
Impressiona-me ainda a velocidade com que mentiras e distorções que favorecem a extrema-direita são postas em circulação nas mídias sociais. Ainda ontem em conferência na UQAM (Universidade de Montreal, no Quebec), analisando as fake news contra Marielle Franco divulgadas horas depois de seu assassinato, ressaltei o quanto os objetivos das fake news são (re)conciliar seus receptores com seus preconceitos, ódios e medos; impedir a conscientização e drenar a empatia.
No caso das fake news em relação à agressão contra Karol "Eller", aos objetivos acima mencionados, soma-se o de esconder a evidente motivação homofóbica da violência física que ela sofreu. A produção e a circulação imediata dessas fake news visam não só negar, para a base eleitoral de Bolsonaro, a existência da homolesbotransfobia, mas também criminalizar o movimento político que a denuncia e enfrenta.
Trata-se da estratégia mais perversa contra as pessoas LGBTs: ao mesmo tempo que negam a homofobia, acusando o movimento LBTQ de "vitimista" ou "gayzista" por denuncia-la, os bolsonaristas a perpetram de diversas maneiras. Porém, quando uma das vítimas dessa violência é um lésbica cheia de homofobia internalizada, ao ponto de ela mesma acusar ativistas LGBTs de "vitimistas" e se aliar ao bolsonarismo, servindo de pano para "limpar o trabalho sujo do fascismo", como disse a escritora Toni Morrison; quando isso acontece, desnudando a violência homofóbica antes negada, o sistema de produção e divulgação de mentiras dos bolsonaristas coloca imediatamente em circulação nas redes sociais digitais fake news responsabilizando o movimento LGBTQ e a esquerda pela agressão à lésbica que lhe serve de pano.
Não me espantará se a própria vítima aderir às fake news. Em post, ela disse que está sem condições de falar sobre o assunto, já que seu rosto está desfigurado pela violência. Karol já expressou antes e claramente sua homofobia internalizada ao se identificar com o discurso de um candidato como Bolsonaro. Se ela aderir às fake news acerca da violência que sofreu para não dar razão aos ativistas e para sustentar sua posição de cabo-eleitoral de Bolsonaro, não será uma surpresa! O fato de ser gay, lésbica ou trans não livra uma pessoa de ser mau-caráter e só pensar em si.
Esse caso é exemplar da dupla e simultânea violência produzida pela homofobia: por um lado ela é perpetrada, na maioria das vezes com uma violência chocante, e, por outro, ela busca se esconder em discursos e fake news que não só negam sua existência, mas, principalmente nos casos em que não pode se disfarçar, tentam culpar o movimento que se organiza contra ela, a homofobia.
E quase sempre a homofobia sai vitoriosa porque encontra, entre as suas vítimas em potencial (ou, em algumas situações, na vítima em particular ou nos familiares desta em caso de homicídio), os cúmplices desse ardil.
A homofobia é uma violência perpetrada sobre os nossos corpos por diferentes dispositivos e instituições, mas que nos afeta por dentro, sujeitando-nos desde a mais tenra infância e nos impedindo desde muito cedo a nos identificar com nós mesmos ou, dito de outra maneira, impedindo-nos de estar em sintonia com nosso desejo sexual ou com a percepção que temos de nós mesmos em se tratando das performances de gênero; fazendo-nos introjetar, desde crianças, um ódio mais ou menos inconsciente de nós mesmos e, portanto, uma desidentificação com aqueles que são como nós.
A homofobia se manifesta na forma do insulto e/ou violência física por parte de pessoas heterossexuais e cisgêneros contra nós LGBTs, mas também na vergonha de si cultivada por muitos homossexuais e transgêneros, em muitos casos até mesmo depois da inevitável "saída do armário".
A homofobia também se manifesta no silenciamento e na difamação de suas vítimas e/ou de quem luta contra ela. 
E, por fim, expressa-se na tentativa de impedir, por meio de mentiras e fake news, a identificação de LGBTs como o movimento político de emancipação e igualdade. Só a saída do armário (assumir-se!), o orgulho de si, o conhecimento e a solidariedade entre nós podem nos salvar desse horror. 
Seja qual for a postura de Karol "Eller" -– se vai despertar ou se seguirá uivando com os lobos –- deixo aqui minha solidariedade a ela, a solidariedade que ela nunca teve em relação a mim nem a outras vítimas da homofobia alimentada pelo governo que ele ajudou a eleger. 

8 comentários:

Anônimo disse...

Já descobriram quem foi o meliante que a agrediu. Foi um antifa imundo. A Senhora blogueira não estava fora da internet porcaria nenhuma, pois estava conectada no Twitter. E além disso, como uma funcionária pública que ganha 30k ia ficar sem crédito no celular? Conta outra, sua vadia velha.
Você esperou divulgarem quem foi o agressor pra escrever esse textinho patético. Caiu na fake news de que foi um "homofóbico". Agora que descobriram que foi um antifa, tenho certeza que vai deletar o texto.
E tem vários esquerdistas que comemoraram o caso, e vc sabe disso, porca desonesta. Caso não saiba, mais tarde eu posto os inúmeros casos dos esquerdopatas comemorando. E tenho certeza que vc vai apagar meu comentário, mas foda-se, vou posta lo em outras mídias pra te ferrar mais ainda. Desgraçada verme do caralho.

Lola Aronovich disse...

Mascutroll ridículo, não vou comentar o caso, porque já incluí um update baseado em novas notícias. Agora, pra quem acha que sabe da minha vida mais do que eu, pra quem me vigia o tempo todo, vc está muito mal informado, cara. Aprenda uma coisa que vai te poupar tempo: eu não minto (ao contrário de vcs, que só sabem mentir). Desde quando eu ganho 30k por mês? Isso é salário de deputado federal (tipo o seu mito foi durante 30 anos). Sou professora universitária, o servidor público que ganha o pior salário de todos os servidores públicos. Teto de prof universitário no fim da carreira é 20 mil, e eu ainda estou distante do teto. Informe-se, não dói.
E não só eu não tinha crédito no celular, como eu NÃO TENHO CELULAR. Sério que vc lê tudo que eu escrevo e não sabe uma coisa básica dessas? Eu já disse isso inúmeras vezes. Além do mais, no lugar em que eu estava na terça, dia 17/12, por motivos de segurança e proteção a todos os presentes, todos tiveram que deixar o celular guardado na entrada (o que não foi muito difícil pra mim, já que não tenho celular). Quebre sua cabecinha tentando descobrir que evento foi esse.
E sim, eu estive fora da internet no dia 17/12 desde que saí do hotel em SP (lá pelas 8 da manhã). Isso é muito fácil de confirmar. Dá uma olhada nos meus tuítes, vê se tem algum desse horário pra frente.
E ô idiota, não era vc que disse que ia me esquecer até dezembro? Dezembro já chegou e tá quase passando. Cumpra sua promessa, covarde mentiroso.
E fique feliz por eu responder um comentário seu. Deve ser o ápice da sua vida, né?

Anônimo disse...

a) Lola este caso deu me orgulho de ser de esquerda as posiçoes das lideranças foram de solidariedade bem diferente do que ocorre quando a tragedia atinge a esquerda em que membros asquerosos da direita comemoram

Henrique disse...

Aí como vocês mascu cansam. Para de encher o saco alma sebosa e sai dessa vida fracassada. O sol nasce para todos, vai brilhar também ao invés de viver nas sombras desfilando veneno feito uma naja.

O Butantã procura gente como você.

titia disse...

Não vou dizer que mereceu, mas honestamente não posso ter empatia, quem cria cobra termina picado. O plantio é opcional mas a colheita é obrigatória. Não adianta chorar depois que fez a

"Foi um antifa imundo". Fonte: CPTK - Centro de Pesquisa Tireido Ku. Esses mascus ainda nãp aprenderam que fake news agora só funciona pra completos imbecis descerebrados como eles?

Anônimo disse...

Nada a ver com o post, mas eu ri com o anônimo achando que professor ganha 30 mil.

Felipe Roberto Martins disse...

As agressões demonstram o quanto a violência é uma linguagem plena e ativa em todo o Brasil, infelizmente.

Alan Alriga disse...

Aí que tá, isso está mais para legitima defesa do que agressão, já que foi ela quem começou a agressão, sem falar que ela tinha a arma da namorada ou seja caso ela tivesse morrido devido aos golpes recebidos ele ainda poderia ser considerado como a vítima, e não ela já quem estava correndo risco de vida era ele e não ela.
Outro ponto é que isso válida ainda mais o discurso dela de que "mem toda agressão contra um LGBT é um caso de homofobia", ou seja pode ter caroço nesse angu pois tudo foi muito estranho ao meu ponto de vista.