segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

MULHERES DEVEM SE APOSENTAR ANTES DOS HOMENS?

Até agora não aconteceu nada que justifique a manchete ao lado, mas a mera proposta de fixar a idade da aposentadoria em 65 anos (35 anos de contribuição) tanto pra homens quanto pra mulheres já atiçou os ânimos de inúmeros misóginos, daqueles que bradam: "Vocês feminazis só querem os privilégios!"
Os caras que falam essas besteiras nem se tocam que trabalhadores rurais também podem se aposentar antes, e sem terem contribuído. Isso também é privilégio? Ou existem razões para que a aposentadoria deles seja diferente da dos trabalhadores urbanos?
Num mundo ideal e igualitário, realmente não existiriam motivos pras mulheres se aposentarem cinco anos antes. Mas falta muito pra chegar neste mundo. Pra começar, hoje, como está, mulheres ganham muito menos que homens. Quer dizer, se você, homem, não acha 30% "muito menos", experimente encolher o seu holerite em um terço. É sério, esses dados não estão em discussão. Não é achismo, não é "Ahn, não conheço nenhuma empresa que pague menos às funcionárias" (como se a gente soubesse o salário de alguém no nosso local de trabalho!). É estatística.
Uma brasileira recebe 62% do que ganha um brasileiro com o mesmo nível de escolaridade. Entre 42 países analisados pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, o Brasil ocupa, ao lado do Chile, o primeiro lugar no ranking de disparidade de gênero no que se refere a salários. Mesmo num país muito mais igual que o nosso, a Finlândia, a renda média dos homens é 40 mil dólares por ano. A das mulheres, é 32.500.
Ainda que mulheres já sejam 53,5% dos mestres no Brasil, elas ganham, em média, R$ 5.438 (dados de 2013), enquanto os mestres homens recebem R$ 7.557.
E sim, até na mesma área essa diferença persiste. Por exemplo, um mestre em Letras ou Linguística no Brasil recebe, em média, R$ 4.660 -- se for homem. Se for mulher, uma mestre exatamente na mesma área ganha R$ 4 mil. Essa absurda diferença ocorre em todas as áreas!
Mas o principal motivo para mulheres (o que deveria incluir mulheres trans) poderem se aposentar antes nem é a flagrante injustiça salarial. É a jornada dupla e tripla de trabalho. 
Hoje a maior parte das mulheres trabalha fora de casa. Já somos metade da força de trabalho no país. A mudança econômica foi gritante, mas a cultural, ainda não. Os homens ainda não fazem a sua parte: não participam das tarefas domésticas, não cuidam das crianças ou dos idosos. Infelizmente, o tempo que os homens dedicam aos afazeres da casa aumentou em quase nada na última década -- ridículos 8 minutos a mais por semana.
Assim, o que temos? Aquele velho clichê do cara que chega exausto do serviço e, em vez de trocar a fralda do filho, lavar a roupa ou preparar o jantar, estica-se no sofá pra ver TV. E a esposa, que também voltou exausta do serviço, precisa fazer tudo isso.
As mulheres fazem 52% do trabalho global. Homens fazem 48%. Mas os homens ainda são a maioria no trabalho remunerado. Pois é, a mesma sociedade que determinou que mulheres podem se aposentar cinco anos mais cedo também determinou que mulheres devem cuidar do trabalho doméstico -- sem qualquer tipo de remuneração.
E sabem aquele outro "privilégio" da mulher que tanto é citado, a licença maternidade? Esta licença é fundamental para toda a sociedade, e existe na grande maioria dos países (ironicamente, o país mais rico do mundo, os EUA, não concede licença maternidade paga!). Lógico que foi o feminismo que exigiu e alcançou a licença maternidade. O que poucos sabem é que as feministas lutam também por licença paternidade! Porque, no mundo que queremos, cuidar da casa e dos filhos deve ser obrigação dos homens também.
Em alguns países do mundo, como Alemanha e Inglaterra, a idade da aposentadoria foi equiparada. Em vários outros, no entanto, a diferença ainda persiste: na China e Rússia, a idade mínima para mulheres é de 55 anos, e, para homens, 60. Na Argentina, é de 60 anos para mulheres e 65 para homens. Áustria e Suíça também permitem que mulheres se aposentem antes. A França deixa que mulheres com filhos contribuam por menos tempo. 
Os governos de todo o mundo querem aumentar a idade da aposentadoria, porque as pessoas vivem mais e a previdência social é sempre contestada.
Há quem alegue que, pelo fato das brasileiras viverem oito anos em média a mais que os homens, e por terem menos filhos hoje do que há algumas décadas, a idade da aposentadoria deveria ser a mesma. Esses dois fatores são de fato verdade. Mas a jornada dupla de trabalho também é. 
E se você acha que a diferença salarial se resolve na aposentadoria, pense de novo! As mulheres continuam ganhando menos depois de aposentadas, claro. Pra citar um dado dos EUA, 2,9 milhões de mulheres idosas viviam em situação de pobreza em 2013, mais que o dobro do número de homens. Além do mais, 45% das mulheres com mais de 75 anos vivem sozinhas, o que pode deixá-las desamparadas.
Portanto, mulher se aposentar antes é um pouco como cotas para negros no Enem -- não é privilégio, é compensação! Se as mulheres ganhassem o mesmo que os homens, se não precisassem arcar com todo o serviço doméstico sozinhas, ou se os negros e pardos não fossem maioria na população mas minoria nas universidades públicas, não haveria necessidade alguma de compensação.
Até que não haja igualdade, a resposta para a pergunta "Mulheres devem se aposentar antes?" é: por enquanto, sim.


Mais um dado fascinante: mulheres gastam mais que homens. Um estudo em Nova York avaliou 800 produtos em 35 categorias diferentes e constatou que produtos feitos "pra mulheres" custam 42% a mais que aqueles feitos "pra homens". 
Desodorante feminino custa mais que masculino, por exemplo. Roupas femininas são mais caras. Um shampoo pra homem em NY custa em média US$ 5,68. Pra mulher, 8,39, uma diferença de 48% a mais (sem falar que absorventes que as mulheres precisam usar durante a maior parte da vida são caros pra caramba). 
Se colocar essas diferenças na ponta do lápis, elas formam uma bolada de dinheiro. Como diz a reportagem, é um imposto secreto que as mulheres pagam pra quase qualquer coisa. A matéria ainda diz: gênero é uma construção social. E é uma construção cara. 
Ou seja: ganhamos menos, pagamos mais. Mas igualdade, segundo muitos, é que a gente se aposente na mesma idade. 

UPDATE: Esta matéria da BBC, publicada um ano depois deste post no meu blog, traz várias colocações interessantes. Entre elas, que a aposentadoria mais tarde para mulheres faria com que tivessem menos filhos, o que provocaria ainda mais o envelhecimento da população.

206 comentários:

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Kittsu disse...

Só dá pra descontruir o que tem algum conteudo relevante... tu tá pedindo pra desconstruir o cenário de pedrinhas de um aquário. não dá, né...

Anônimo disse...

Libfem ali em cima que reclamou da rad que falou de "aborto como método contraceptivo" vai ter que começar a protestar contra o fato de as pílulas serem chamadas de anticoncepcionais. Quer saber muita bosta, mas não sabe que a concepção ocorre mesmo com os anticoncepcionais. hahahahahahahaha

Pouquíssimos são os que sabem que quase todos os anticoncepcionais quase sempre ao invés de impedir a concepção, deixam que ela ocorra e causam aborto. Como o aborto acontece durante os primeiros dias, ele é imperceptível: a mãe nem sequer fica sabendo que concebeu, nem tampouco que abortou, pois o embrião é ainda muito pequeno e a gravidez não é aparente. Isso é assunto de livros feministas, meu povo. Saiam dos blogs e vão ler coisas confiáveis.

Anônimo disse...

Se a mulher deve se aposentar antes por ter 'dupla jornada', essa dupla jornada deve ser comprovada perante a Previdência. Não se pode simplesmente presumir que trabalha no serviço doméstico e que tem ou terá filhos...

Pois é fácil contratar empregadas domésticas e não ter filhos a vida toda e ainda sim usufruir de aposentadoria mais cedo. Aí a "igualdade" desaparece... nenhuma mulher irá perante a Previdência exigir que contribua pelo mesmo período que os homens nesse caso, que complemente os aninhos faltantes. Alguém acha?

"Igualdade"...... até atingir nossa pele... aí as coisas são relativas...

A tal diferença salarial... se ouve muito falar dela... mas somente uma conspiração imensa seria capaz de mantê-la... em todas as empresas... para todas as mulheres... todas as vezes que tiverem os mesmos cargos e responsabilidades dos homens...

BLH

@vbfri disse...

Bem, na minha realidade, de criança que cresceu num lar de classe-média-alta, mas com padrão de classe alta (sustentado pelos avós), que sempre teve empregada, numa casa onde 3 dos 4 avós possuem nível superior (engenheiro agrônomo, dentista-cirugião buco-maxilo-facial, advogada), a outra avó era professora (na época em que era exigido só o "normal"), não se falava em meninos fazendo coisas de "meninas"

Na família paterna, meus primos homens não fazem na-da. No máximo, levam o prato para a pia na casa dos meus avós. Como vou sempre lá, se meu avô precisa de algo (que pegue o jornal na caixa de correio, que pingue colírio no olho, que prepare a mesa para o almoço), pede a mim. Nunca ao meu primo. Nunca. Nun-ca.

Na minha infância, nunca pude brincar de carrinho. Aliás, meu pai nunca deixou eu brincar com meninos. Nunca deixou eu sequer ter amizade com meninos. Já os meus primos (não tive irmão, só irmÃ) foram sempre incentivados a pegar geral. Geral mesmo. Tipo passar o rodo. E nunca precisaram arrumar a cama (bem, eu também não).

Para mim, sempre foi ensinado muito claramente que a MULHER tem que CUIDAR dos FILHOS E DO MARIDO. Que as minhas avós foram ambas mulheres "honradas" porque serviram de sustentáculo aos maridos.

Pela condição social dos maridos, elas nunca "precisaram" trabalhar (na verdade, eles nunca DEIXARAM elas trabalharem fora, mesmo tendo condições de pagar empregada, etc). Daí que elas nunca puderam se aposentar.

E também nunca puderam se divorciar de maridos que foram infiéis e abusivos.

Ah, quando meus pais se separaram e quando o meu pai, posteriormente, se separou da minha madrasta, meus avós falavam que quem tinha que cuidar dos filhos era a mulher. "Quem pariu Mateus que o embale". Meus pais se separaram e meu pai nunca fez questão de nos visitar, de passar tempo conosco, nada. Aliás, pensão ele parou de pagar um dia e minha mãe que entrasse na justiça. Meu avô, pai dele, fez um acordo verbal, pagou pela minha educação e a da minha irmã e ponto. Minha mãe sem condições de luxo ficou sem empregada, e a gente teve que dividir as tarefas domésticas e, quando dava, chamava uma faxineira.

Quando houve a separação da minha madrasta, ela fez questão de impor o direito de visita para a minha irmã mais nova (veja, o direito de visita é DA CRIANÇA). Meu pai cumpre mal e porcamente. Mas ela (madrasta) e a minha irmã cobram (algo que minha mãe nunca fez questão). Minha madrasta virou a vilã da história (colocou meu pai na justiça, diferente da minha mãe). E tá lá ela criando a minha irmã sozinha, porque também não rola luxo na casa dela.

Aí meus avós chamam meu pai de "babá babaca". Tudo isso porque ele pega a minha irmã UMA VEZ por semana na escola e um domingo de vez em nunca.

Já o meu tio ficou viúvo com um filho pequeno. Foi morar com os meus avós e a minha tia (solteira à época). Eram DUAS empregadas, mais DUAS babás, mais UM MOTORISTA PARTICULAR. Meus avós ainda eram novos, a minha tia estava na casa dos 20 anos. Todo mundo focado na criação de UMA criança.

Aí o meu tio foi PAI E MÃE daquela criança. PAI E MÃE.

Foda-se, né, que ele tinha os pais dele, a irmã dele, mais uma tropa de elite pra terceirizar a educação do moleque.

Ele foi PAI E MÃE.

A minha mãe não fez mais do que a obrigação.

Trabalhar até tarde, ajudar com os deveres, criar as filhas SOZINHA, pagar prestação de apartamento, comida, plano de saúde e ter como a ÚNICA contribuição o pagamento da escola (esqueça material escolar).

Justo.

Åsa disse...

Oi Lola!

Tenho uma teoria e já postei sobre isso no Facebook:

"A diferença de cinco anos foi estabelecida em 1960, bem antes do feminismo se tornar forte no Brasil. E acho que não há dúvidas de que quem fez essa lei das aposentadorias foram homens.
Estatisticamente havia (não sei se ainda é assim) uma diferença de idade de um casal em média cinco anos para menos para a mulher. Lembrem-se de que foi em uma época em que o divórcio não existia, o estabelecido era ficar juntos pro resto da vida.
Aí o sujeito se aposentava e o que poderia acontecer? Ele ficaria cinco anos em casa, sozinho, esperando a mulher cumprir o tempo para se aposentar. CINCO anos tendo que passar o dia todo sozinho, sem poder passear e viajar junto com a mulher, e o pior, sem ter uma mulher em casa para atendê-lo.
Será que a decisão de 'deixar' a mulher se aposentar antes foi tão 'benevolente' assim?"

O que acha?

Anônimo disse...

Citar estatísticas de preços de produtos nos EUA para dizer que mulher gastam mais e portanto devem se aposentar antes no Brasil não faz sentido, são 2 países diferentes. Sempre achei que roupas masculinas são mais caras

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