quarta-feira, 12 de junho de 2019

GUEST POST: QUANDO A EDUCAÇÃO CEDE LUGAR AO ADESTRAMENTO

Publico o texto do professor Dênnis de Almeida, que já colaborou com outro ótimo post sobre a precarização do ensino

O que acontece quando ao invés de investir em uma educação sequer tecnicista, toda uma região investe em instituições que apenas reproduzem ou intensificam misérias?
A região do Centro-Oeste de Minas Gerais é composta por 56 municípios, a maioria com menos de 30 mil habitantes. A cidade mais antiga é Pitangui, cidade onde nasci. 
Foi fundada em 1715 no contexto da exploração aurífera. Conta entre os municípios com a pequena cidade de Leandro Ferreira, onde cresci e hoje meus pais vivem. Sou filho e neto de lavradores. Tanto o lado da minha mãe quanto o do meu pai tinham diversas tradições. Rezas, receitas, fazeres, dizeres.
Leandro Ferreira também é a terra de Padre Libério, um sacerdote que atuou na região entre as décadas de 1920 e 1970. Tem fama de milagreiro e está em processo de beatificação. Muitos na região chamam-se Libério e dão este nome aos seus negócios.
A maior cidade é Divinópolis, cidade que cresceu desde a década de 1940 graças ao entroncamento ferroviário, à indústria siderúrgica e à indústria têxtil. Era comum as pessoas da região terem quatro alternativas de destino ao migrarem: BH, São Paulo, Rio de Janeiro ou Divinópolis.
E a cidade mais famosa da região é Nova Serrana. Às vezes vendida como “a cidade que mais cresce no Brasil", outras como “a cidade que mais cresce em Minas”. Sem dúvida, foi um crescimento muito rápido. Em 1991, eram 17 mil habitantes. Hoje estima-se que sejam mais de 95 mil.
E como esta longa descrição sobre a minha região natal tem conexão com a precarização da educação? Trabalhei na rede municipal em um de seus municípios em 2017 e 2018, e minha esposa na rede privada. A questão é que a educação na região como um todo é muito, mas muito precária. 
Primeiro, os professores. O salário, não surpreendentemente, é muito baixo. Muitos moram em um município e trabalham em outro, às vezes 80 km distante do local de residência. Muitos não têm a estabilidade da carreira pública, pois são apenas contratados (pelo período de um ano).
Nas escolas falta de tudo -- material, infraestrutura, alimentação, segurança, pessoal. Muitos professores abandonam as aulas por não aguentarem as condições de trabalho, muitos alunos desistem dos estudos para trabalhar em fábricas. Alguns continuam apenas pelo Bolsa Família.
Nas escolas públicas estudam os filhos dos sitiantes, operários, funcionários do comércio, desempregados. Muitos não têm perspectiva de ter uma vida diferente da que os pais têm (digna, mas de muito trabalho e sofrimento para os que trabalham e nem isto para os desempregados).
Nas escolas particulares estudam os filhos dos grandes comerciantes, donos de fábrica e/ou grandes fazendas, políticos. São treinados para verem com naturalidade a situação da região e sentirem-se não privilegiados, mas merecedores dos confortos que possuem.
O problema é que a mentalidade industrial da região está destruindo duas características da região: o patrimônio histórico e as tradições regionais. É cada vez mais difícil encontrar pessoas que defendem ou representam a história e os fazeres deste povo.
Ouvi de um primo, quando trabalhava no Instituto Histórico de Pitangui, que “odiava a cidade, pois só tinha coisa velha. Bonito era Nova Serrana, onde tinha sempre uma coisa nova todo dia” e “que tinha de derrubar estas igrejas e casarões velhos todos, e construir algo útil “. Quando o incêndio quase destruiu o arquivo de mais de 300 anos de Pitangui, houve quem lamentou que não tivesse “queimado todo aquele papel velho, que só ocupa espaço“. Outros me achavam doido por valorizar prédios, papéis, objetos e até pessoas velhas. “O velho tem de acabar.”
As tradições culinárias estão dando lugar à comida industrializada. Somem os biscoitos de queijo, surgem 40 lojas de açaí. Os poucos biscoitos são comprados, raramente feitos em casa. As festas do Reinado contam com cada vez menos participantes e financiadores.
E este é o cenário atual da região. São basicamente três situações:
1) O ensino público dominado por uma miríade de verdadeiros depósitos, onde não existe real preocupação com o aprendizado dos alunos e a dignidade dos professores. São raras as instituições que são exceção;
2) Uma ínfima representação de escolas técnicas, preocupadas com a formação de operários especializados. Serão os que lidarão com procedimentos técnicos ou específicos. Quanto mais automatizado for o processo industrial (esta realidade já está chegando na região), menos operários serão necessários, e haverá mais desemprego (que precariza as demandas e direitos dos trabalhadores);
3) Uma elite que tem acesso a uma educação de qualidade, mas em sua maioria não tem compromisso com ninguém além de seu grupo social. Na verdade o que percebi foi incômodo com os que conseguem superar esta realidade através do estudo.
E não existe em nenhum dos três cenários a preocupação com a preservação tanto do patrimônio histórico da região, que é considerado um entrave, nem com as tradições locais, consideradas superadas pela “modernidade”.
Uma realidade onde alguns lucram com a miséria alheia, mas todos perdem. Perdem sua História, perdem sua identidade, perdem seu sabor, perdem o que os torna humanos. Independente de sua crença, você sabe, são estas coisas que nos torna gente, que nos faz pessoas.

2 comentários:

J Cícero Costa disse...

A história de um povo e seu município é fixada através dos tempos pela memória cultural, que se expressa sobretudo na arquitetura de prédios, nos nomes de ruas e praças, em monumentos e paisagens, bem como nas celebrações, usos e costumes populares daquele lugar.

Esse conjunto de elementos formam o Patrimônio histórico-cultural de uma região e de sua gente. É preciso preservá-los, pois são as referências históricas de uma cultura. Sem eles, o povo se desliga de suas raízes, perde a sua identidade.

A memória cultural é assim uma valiosa e necessária bagagem para a construção do futuro.

A preservação do patrimônio cultural de uma cidade é dever não apenas do Estado (a Prefeitura), mas de todos, pois “um povo sem memória é um povo sem história. E um povo sem história está fadado a cometer, no presente e no futuro, os mesmos erros do passado".

Anônimo disse...

Lola, olha só como o machismo ainda reina no nosso país
https://esporte.uol.com.br/futebol/ultimas-noticias/2019/06/13/brasil-x-australia.htm
Os comentários são a amostra do quão o machismo ainda reina nesse país.